ABC | Volume 114, Nº1, Janeiro 2020

Minieditorial Qualidade de Vida em Insuficiência Cardíaca: Um Objetivo Importante no Tratamento Quality of Life in Heart Failure: An Important Goal in Treatment Brenno Rizerio Gomes 1 e Edimar Alcides Bocchi 1,2 Unidade de Insuficiência Cardíaca e Dispositivos de Assistência Circulatória Mecânica do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor HCFMUSP), 1 São Paulo, SP - Brasil Departamento de Cardiopneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 2 São Paulo, SP - Brasil Minieditorial referente ao artigo: Efeito Sinérgico da Gravidade da Doença, de Sintomas de Ansiedade e da Idade Avançada sobre a Qualidade de Vida de Pacientes Ambulatoriais com Insuficiência Cardíaca Correspondência: Edimar Alcides Bocchi • Instituto do Coração do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP - Rua Melo Alves, 690 - 4º andar. CEP 01417-010, Cerqueira Cesar, São Paulo, SP – Brasil E-mail: dcledimar@incor.usp.br Palavras-chave Insuficiência Cardíaca; Ansiedade/diagnóstico; Hospitalização; Qualidade de Vida; Idoso; Volume Sistólico. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20190741 O Brasil é o país com a maior prevalência de transtornos de ansiedade segundo a Organização Mundial da Saúde e figura em 5º lugar em relação à prevalência de depressão. 1 Os transtornos de humor, que englobam ansiedade e depressão, são frequentemente negligenciados na prática clínica, 2,3 e seu diagnóstico em pacientes com insuficiência cardíaca (IC) é ainda mais desafiador, tendo em vista a sobreposição de diversos sintomas, como fadiga, perda ponderal e distúrbios do sono. 4,5 Nesta edição dos Arquivos, o estudo transversal de Figueiredo et al., 6 avaliou em uma população de 99 pacientes com IC de fração de ejeção reduzida, quais variáveis clínicas, sociodemográficas e psicológicas têm maior correlação com a qualidade de vida avaliada pelo Minnesota Living with Heart Failure Questionnaire . Os principais fatores associados a pior qualidade de vida foram classe funcional avançada de dispneia ( New York Heart Association III e IV), internação hospitalar prévia e sintomas de ansiedade. A depressão não foi associada de forma independente à redução de qualidade de vida, porém diversos outros estudos já encontraram essa associação. 7,8 O estudo revela ainda prevalência alarmante de sintomas de ansiedade nesses pacientes de 50% em comparação a 9,3% na população geral. 1 A interação entre doenças cardiovasculares e transtornos do humor ocorre de forma bidirecional. 9 Recentemente, foi descrito que o otimismo está associado a menor risco de eventos cardiovasculares e mortalidade por qualquer causa. 10 O risco de se desenvolver IC em pacientes com depressão é 1,5 a 2,6 vezes maior do que na população geral. 11 Naqueles indivíduos com diagnóstico de IC, a depressão indica pior prognóstico, e está associada a maiores taxas de hospitalização e mortalidade. 11 Possíveis mecanismos para explicar essa associação envolvem a menor aderência ao tratamento farmacológico e não farmacológico em pacientes com depressão e a maior propensão a hábitos de vida não saudáveis. 12,13 Quanto mais avançada a classe funcional de dispneia, piores os sintomas de depressão e a qualidade de vida. 8,11 Em relação aos transtornos de ansiedade, indivíduos acometidos também parecem ter maior risco de desenvolver IC ao longo da vida. 14 Naqueles diagnosticados com IC, a presença de ansiedade está associada a pior qualidade de vida, 15 entretanto a correlação com aumento de mortalidade é bem menos estabelecida. 16,17 As evidências são limitadas para o tratamento dos transtornos de humor em pacientes com IC. A terapia cognitiva comportamental foi testada em um estudo randomizado com 158 pacientes com diagnósticos de depressão maior e insuficiência cardíaca. 18 A psicoterapia esteve associada a remissão de depressão (46% vs. 19%, NNT = 3,8), além de melhora de qualidade de vida, ansiedade e fadiga. O tratamento farmacológico de primeira escolha para transtornos do humor consiste nos inibidores seletivos da recaptação de serotonina. 19,20 Quanto a pacientes com IC de fração de ejeção reduzida, dois estudos randomizados de destaque testaram essas terapias em indivíduos com depressão maior: 1) MOOD-HF, 21 que incluiu 372 pacientes para receberem escitalopram ou placebo por 3 meses, e 2) SADHART-CHF, 22 que incluiu 469 pacientes para receberem sertralina ou placebo por 18 meses. Ambos foram negativos para o desfecho primário, não demonstrando benefício de terapias farmacológicas no tratamento da depressão em pacientes com IC. Um programa de educação e cuidados estruturados e multidisciplinares para o manejo de IC implementado em 350 pacientes em nosso serviço demonstrou redução em hospitalizações não planejadas 23 e melhora da qualidade de vida principalmente no que tange ao domínio emocional, 23,24 sugerindo que essa abordagem pode ser benéfica para pacientes com transtornos do humor. O estudo de Figueiredo et al., 6 padece das limitações usuais de uma avaliação unicêntrica, transversal e observacional, e o pequeno número de pacientes impede a tomada de conclusões mais robustas. O desfecho primário avaliado foi a qualidade de vida, mas resta saber, de forma prospectiva, se a ansiedade tem impacto em desfechos clínicos como internações hospitalares ou mortalidade. 33

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