ABC | Volume 114, Nº1, Janeiro 2020

Artigo Original Figueiredo et al. Baixa qualidade de vida em pacientes com insuficiência cardíaca Arq Bras Cardiol. 2020; 114(1):25-32 Ter consciência do próprio diagnóstico acarreta um impacto profundo sobre os pacientes. Mulligan et al., 8 mostraram que, ao abordar o estado de ânimo e as crenças dos pacientes sobre suas doenças e tratamento, houve uma melhora nas dimensões físicas e emocionais do MLwHF e melhora de 55% e 43% nos sintomas de ansiedade e depressão, respectivamente, avaliados pela HADS no período precoce após o diagnóstico de IC. A redução de sintomas de ansiedade associou-se com menor percepção da gravidade da IC e do controle pelo tratamento da doença. A redução dos sintomas da depressão foi atribuída à melhora da classe funcional NYHA, à redução de sintomas, à gravidade percebida da IC, e ao aumento de confiança no tratamento. O presente estudo confirma esses achados de que os sintomas de depressão e de ansiedade contribuem para piora da QV relacionada aos sintomas físicos da IC. O estudo também confirma o fato de que quando pacientes são menos sintomáticos e não apresentam sintomas de ansiedade e internações recorrentes, a QV dos pacientes é melhor. Em outro estudo, 23 ummenor suporte social e mais sintomas depressivos foram preditores independentes de uma pior QV. Ainda, a perspectiva dos pacientes em relação ao suporte familiar e apoio para autonomia, além do conhecimento da família sobre a IC, influenciaram os desfechos psicológicos de sintomas depressivos e QV emocional de pacientes com IC. 24 Esses estudos corroboram nossos resultados, uma vez que as pessoas casadas, com suporte familiar, tinham uma percepção positiva do controle da IC, e os sintomas de ansiedade e de depressão afetaram direta e negativamente os sintomas físicos da IC, o que, por sua vez, interferiram com a QV desses pacientes. Uma metanálise concluiu que os sintomas somáticos/ afetivos da depressão associaram-se mais fortemente e consistentemente commortalidade e eventos cardiovasculares em comparação a sintomas cognitivos/afetivos em pacientes com doença cardíaca. 25 Outro estudo 26 com 55 pacientes com IC congestiva tambémmostrou que sintomas depressivos somáticos/afetivos, mas não sintomas depressivos cognitivos ou de ansiedade, associaram-se com pior QV relacionada à saúde e capacidade funcional comportamental, independentemente da idade, condição clínica e funcional, e comorbidades. 26 Nossos resultados contrastam com esses achados, uma vez que as classes funcionais NYHA III e IV pioraram todas as dimensões do MLwHF, e os sintomas de ansiedade influenciaram direta ou indiretamente a presença de um pior escore. Estar disposto a seguir uma dieta pobre em sódio e ter maior apoio social associaram-se significativamente com maiores níveis de controle percebido e melhor QV. 27 Um estudo recente 28 indicou que sintomas depressivos exerceram um efeito negativo sobre a adesão ao tratamento medicamentoso relacionada à complexidade do regime de tratamento comumente prescrito a pacientes com IC. No presente estudo, também observamos que o uso de betabloqueadores, IECA e furosemida estiveram associados com pior MLwHF em diferentes dimensões, sugerindo ser uma barreira para atingir a adesão ao tratamento medicamentoso. Porém, não se sabe ao certo como e por quais mecanismos essas associações ocorrem. Provavelmente, fatores fisiológicos e comportamentais incluindo disfunção endotelial, disfunção plaquetária, inflamação, disfunção do sistema nervoso, e menor envolvimento em atividades que promovem saúde, podem relacionar a depressão e a ansiedade com eventos cardíacos adversos e pior QV na IC. 29,30 Este estudo tem algumas limitações. O estudo foi realizado em um único centro, apesar de incentivar o desenvolvimento de estudos futuros emoutros centros especializados. Alémdisso, seu delineamento transversal dificultou a avaliação de possíveis mudanças na QV dos pacientes e de quais fatores contribuíram para tais mudanças, e especulações sobre o prognóstico, que só seriam possíveis em um delineamento longitudinal. Assim, generalizações devem ser feitas com cautela. Conclusão Com base nesses resultados, pode-se concluir que uma FEVE reduzida está associada a muitos fatores que comprometem a QV de pacientes ambulatoriais com IC, mesmo em casos menos graves clinicamente, como os pacientes em classe funcional NYHA I ou II. Esses achados podem ajudar na abordagem mais abrangente de pacientes com IC, sugerindo o diagnóstico e tratamento de sintomas de ansiedade, especialmente naqueles com várias internações hospitalares e com idade inferior a 60 anos. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa: Figueiredo JHC, Oliveira GMM, Xavier SS; Obtenção de dados: Figueiredo JHC, Oliveira GMM, Garcia MI; Análise e interpretação dos dados e Redação do manuscrito: Figueiredo JHC, Oliveira GMM, Pereira BB, Figueiredo AEB, Nascimento EM, Garcia MI, Xavier SS; Análise estatística: Pereira BB, Figueiredo AEB, Nascimento EM; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Oliveira GMM, Pereira BB, Figueiredo AEB, Nascimento EM, Garcia MI, Xavier SS. Potencial conflito de interesses Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento Opresente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação acadêmica Este artigo é parte de tese de Doutorado de José Henrique Cunha Figueiredo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Aprovação ética e consentimento informado Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho sob o número de protocolo 104/2010. Todos os procedimentos envolvidos nesse estudo estão de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, atualizada em 2013. O consentimento informado foi obtido de todos os participantes incluídos no estudo. 31

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