ABC | Volume 114, Nº1, Janeiro 2020

Artigo Original Figueiredo et al. Baixa qualidade de vida em pacientes com insuficiência cardíaca Arq Bras Cardiol. 2020; 114(1):25-32 Introdução A insuficiência cardíaca (IC) é a principal causa demorbidade e mortalidade por doença cardíaca, e é mais comum em indivíduos com idade de 60 anos ou mais. 1 A IC compromete a saúde do indivíduo, com consequências físicas, psicológicas e sociais. A IC é uma síndrome que afeta profundamente a qualidade de vida (QV) dos pacientes, predispondo-os a internações recorrentes, 2 e a altas taxas de morbidade e mortalidade, como observado no estudo de Framingham. 3 Em um estudo 4 com 204 pacientes com IC, os autores observaram que 46% dos pacientes atendidos no ambulatório apresentavam sintomas de depressão e de ansiedade no momento basal. Após cinco anos de acompanhamento dos pacientes, mesmo com o controle da gravidade da doença e de outros fatores de risco, os sintomas depressivos ainda estavam associados com desfechos como hospitalização e morte. 5 Ao analisar os pacientes com dificuldade de tomar medicamentos, os autores observaram que esses pacientes apresentaram sintomas mais graves de IC e pior QV, o que pode ser explicado, em parte, pela coexistência de depressão e estados psicológicos como disforia e ansiedade. 6 A associação entre depressão, sintomas físicos e QV de pacientes com IC foi observada por Bekelman et al., 7 em um estudo transversal com 60 pacientes ambulatoriais. Foi mais comum observar pacientes com depressão e ansiedade após apresentarem dispneia (OR 5,28, p < 0,05), e aqueles que apresentaram mais sintomas de depressão também apresentaram mais sintomas de IC (p < 0,0001) e pior QV. Outro estudo com pacientes que foram diagnosticados com IC concluiu que a depressão estava associada com um pior estado de saúde, e foi um forte preditor de internação e pior sintomas de IC, estado funcional e QV. 8 Os sintomas físicos são afetados por depressão e ansiedade, conforme relatado em um estudo 9 que mostrou que variáveis psicológicas afetaram a QV e os sintomas de IC de maneira comparável. Em uma análise de regressão múltipla, sintomas físicos, idade, status de emprego, e ansiedade foram os melhores preditores de QV após três meses de acompanhamento. Depressão, controle percebido da IC, status de emprego e idade mais jovem foram preditores do comprometimento físico após três meses. A grande pergunta, ainda sem resposta, é como essas variáveis interagem e pioram a QV dos pacientes, e quanto elas comprometem a abordagem terapêutica de diferentes graus de disfunção ventricular. Assim, foram coletados dados sociodemográficos, de sintomas de ansiedade e de depressão, de uso demedicamentos, de internações hospitalares anteriores, e de fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) para investigar quais fatores estão associados e interagem para piorar a QV dos pacientes com IC. Métodos Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho sob o número de protocolo 104/2010. Os pacientes assinaram o termo de consentimento para participar do estudo, o qual incluiu uma série observacional e transversal de casos consecutivos. Os pacientes incluídos apresentavam IC com FEVE < 40 10 e classe funcional da New York Heart Association (NYHA) I a IV, e tinham idade ≥ 20 anos. Pacientes comICcausada por disfunção valvar e causas reversíveis, epacientes quenãopuderamser entrevistados devido a síndromes psiquiátricas, disfunção cognitiva avaliada clinicamente, ou perda auditiva foramexcluídos. Todos os participantes foram recrutados no ambulatório de IC do Departamento de Cardiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro entre março de 2011 e setembro de 2012. Cento e vinte pacientes foram entrevistados individualmente e uma amostra de 99 pacientes de ambos os sexos preencheram os critérios de inclusão. Todos os participantes preencheram um questionário sociodemográfico, umquestionário clínico, a versão brasileira do Minnesota Living with Heart Failure Questionnaire (MLwHF), 11,12 e Hospital Anxiety and Depression Scale  (HADS). 13,14 O questionário sociodemográfico avaliou idade, sexo, renda familiar mensal (em dólar), educação (anos de estudo) classificada em “analfabeto”, educação 1 (<5 anos), educação 2 (6‑12 anos) e educação 3 (>12 anos), estado civil (casado) e suporte familiar. O questionário clínico considerou a classe funcional da NYHA, comorbidades tais como fibrilação atrial, insuficiência renal crônica, diabetes mellitus e hipertensão arterial; uso de medicamentos como betabloqueadores, espironolactona, inibidor da enzima conversora de angiotensina (IECA), bloqueadores dos receptores AT1 da angiotensina, nitrato, hidralazina; internações anteriores e FEVE. O MLwHF é um questionário estruturado de QV para pacientes com IC, que foi traduzido e validado para a população brasileira. 11,12 As perguntas são relacionadas a como o paciente se sentiu nos últimos 30 dias anteriores ao preenchimento do questionário. O MLwHF é composto por 21 perguntas que abordam a percepção do bem estar físico (fortemente correlacionado com dispneia e fadiga), emocional (correlacionado com aspectos emocionais e sociais), e geral (correlacionado com questões financeiras, efeitos colaterais da medicação e estilo de vida), e seus escores variam de 0 a 40, de 0 a 25 e de 0 a 40, respectivamente. Escores mais altos indicam uma pior QV. A HADS foi desenvolvido especificamente para populações clinicamente doentes e se baseia no humor, depressão e anedonia, e exclui sintomas físicos, tais como distúrbio do sono, fadiga, e dor no corpo, os quais podem ser confundidos com sintomas de outras doenças. O questionário é composto de 14 questões, cada pergunta com quatro respostas possíveis. Consiste emduas subescalas – ansiedade e depressão – cada um com sete itens. As respostas referem-se a como os pacientes se sentiamnos últimos sete dias, e a soma de cada subescala varia de 0 a 21. AHADS foi traduzido e validado emuma versão brasileira, utilizando-se um ponto de corte ≥8, em amostras de pacientes clinicamente doentes. 13,14 Para as análises, esse ponto de corte foi considerado indicador de depressão e ansiedade, as quais foram referidas neste estudo como “sintoma de depressão e ansiedade”. Essa variável foi dicotomizada em “possível ansiedade” (8 a 11) e “provável ansiedade” (12 a 21), e o mesmo para “possível depressão” e “provável depressão”. As variáveis de desfecho foram as dimensões do MLwHF – Escore total, Física, Emocional e bem estar geral – e as variáveis independentes foram as variáveis sociodemográficas, as variáveis clínicas, os sintomas de ansiedade e de depressão, medicamentos em uso, internações anteriores, e FEVE. 26

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