ABC | Volume 114, Nº1, Janeiro 2020

Minieditorial Desproporção Paciente-Prótese após Troca Valvar Aórtica: Encontrando Preditores para a Prevenção Prosthesis-Patient Mismatch Following Aortic Valve Replacement: Finding Predictors for Prevention Flávio Tarasoutc hi Instituto do Coração (InCor) - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil Minieditorial referente ao artigo: Determinantes da Desproporção de Prótese Aórtica em Hospital de Atendimento de Saúde Pública Brasileiro: Pacientes Grandes ou Próteses Pequenas? Correspondência: Flávio Tarasoutchi • Rua Domingos Lopes da Silva, 575/62. CEP 05641-030, São Paulo, SP – Brasil E-mail: tarasout@uol.com.br Palavras-chave Valva Aórtica/cirurgia; Próteses Valvulares Cardíacas/efeitos adversos; Biopróteses; Percepção de Tamanho; Qualidade de Vida; Ecocardiografia/métodos. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.201907 A desproporção entre o tamanho de uma bioprótese aórtica e o paciente (desproporção paciente-prótese - DPP) é uma entidade pouco estudada, e pode estar associada a resultados pós-operatórios adversos, com comprometimento na qualidade de vida e pior prognóstico entre aqueles com DPP grave. 1 Impacto da desproporção paciente-prótese Atualmente, a principal indicação de cirurgia valvar, em pacientes com valvopatia aórtica anatomicamente importante, ocorre pelo surgimento de sintomas, dado o presumido benefício da redução de morbimortalidade desta intervenção nesse contexto. 2-4 Dessa maneira, a presença de DPP após o implante cirúrgico de uma bioprótese aórtica faz com que não ocorra a esperada redução da sintomatologia, tão pouco da mortalidade, minimizando assim o ganho que tal procedimento invasivo poderia gerar ao paciente. 5 Portanto, necessitamos de ferramentas para predizer o risco de DPP e assim implementar estratégias que possam prevenir tal entidade. Esse cenário foi avaliado por Otto et al. 6 na edição atual dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia. A DPP é definida ecocardiograficamente por uma área do orifício efetivo indexada (AOEi) ≤ 0,85 cm²/m² e considerada importante quando ≤ 0,65 cm²/m². 7 Como tal parâmetro é indexado pela superfície corpórea, indivíduos com índice de massa corpórea ≥35 kg/m² têm valores de referências menores (≤ 0,70 cm²/m² e ≤ 0,55 cm²/m², respectivamente) para evitar superestimar a gravidade anatômica em tais pacientes. 8 Sua prevalência tem grande variabilidade, sendo descrita em até 70% na DPP moderado e 20% quando importante. 5 Estudo atual Neste estudo, os autores demonstraram uma incidência de DPP acentuada de 33,4% numa população representativa tratada pelo Sistema Público de Saúde no Brasil, significativamente maior que a descrita em outros trabalhos. 5 Tal fato pode ser justificado pelo delineamento do estudo, mas também por se tratar de uma população caracteristicamente diferente, com predomínio de pacientes jovens e com etiologia reumática. Além disso, os autores criaram um modelo para predição de DPP acentuada, contendo os seguintes parâmetros: idade, gênero masculino, diâmetro de via de saída de ventrículo esquerdo ≤ 2,1 cm, índice de massa corpórea e etiologia da doença valvar. Um escore específico para tal predição, contendo fatores pré-operatórios, é de extrema relevância para reconhecermos pacientes nos quais há necessidade de intervenções diferenciadas e evitar a DPP. Em pacientes idosos com estenose aórtica degenerativa, o implante de bioprótese aórtica transcateter (TAVI) é uma possibilidade com provável benefício. Existem evidências de que a incidência de DPP em pacientes submetidos à TAVI seja menor que nos pacientes submetidos à cirurgia convencional, principalmente naqueles com diâmetro do anel aórtico pequeno. 9 No momento, existe um trial randomizado multicêntrico (Transcatheter Aortic Valve Replacement Versu Surgical Aortix Valve Replacement for Treating Elderly Patients With Severe Aortic Stenosis and Small Aortic Annuli: A Prospective Randomized Study - The VIVA Trial; NCT03383445) comparando, em pacientes idosos e com anel pequeno (diâmetro médio do anel aórtico < 22 mm), o implante de TAVI e a cirurgia convencional para testar tal hipótese. 9 Já nos indivíduos jovens e reumáticos, como os do estudo atual, restam alternativas terapêuticas cirúrgicas, como ampliação do anel aórtico, próteses de implante supra-anular, próteses sem sutura ( sutureless ) e próteses sem stent /suporte ( stentless ). Entretanto, a literatura ainda é escassa em relação a esse tema e estudos randomizados são aguardados para a definição do melhor tratamento dentre estes. 10 O estudo atual traz algumas limitações. O desenho transversal retrospectivo e a exclusão de aproximadamente metade da população inicial devido à perda de dados fazem com que as informações de prevalência de DPP possam estar superestimadas e reiteram a necessidade de estudos prospectivos sobre o tema. Conclusão A predição da DPP importante continua sendo um dilema. O trabalho de Otto et al.6 traz informações relevantes sobre essa entidade em uma população selecionada do Sistema Público de Saúde brasileiro. Novos estudos prospectivos são necessários a melhor compreensão da DPP e também para validação do escore proposto. 23

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