ABC | Volume 114, Nº1, Janeiro 2020

Minieditorial Lamas Endocardite infecciosa: uma doença mortal Arq Bras Cardiol. 2020; 114(1):9-11 estudo e constituiu a principal mensagemdo artigo. É importante ressaltar que o principal motivo para a não realização da cirurgia foi a morte dos pacientes antes da cirurgia (53%). 3 Está claro que é importante encaminhar precocemente para avaliação cirúrgica por uma equipe experiente no tratamento da endocardite e realizar a cirurgia em tempo hábil. O prazo entre a indicação cirúrgica e a cirurgia foi de 2 semanas no artigo de Marques et al. 1 Apenas um terço dos pacientes foi operado e 2/3 dos pacientes não tiveram indicação de cirurgia devido a comorbidades significativas. 1 Em um estudo observacional multicêntrico sobre EI, o tratamento cirúrgico para EI foi realizado em 733 pacientes, o que representou 57% de todos os pacientes e 76% dos pacientes com indicação cirúrgica. 6 A média da idade foi 57 anos para pacientes submetidos à cirurgia, estatisticamente diferente em comparação aos 68 anos para aqueles que não foram submetidos à cirurgia. Os pacientes submetidos à cirurgia tiveram maior probabilidade de apresentar nova insuficiência mitral ou aórtica moderada ou grave, perfuração valvar ou abscesso e embolização. Por outro lado, pacientes que não foram submetidos ao tratamento cirúrgico para EI tiverammaior probabilidade de apresentar comorbidades, como doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca anterior, diabetes mellitus e doença renal moderada / grave (os achados de comorbidades são semelhantes 3 ) e de ter infecção causada por S. aureus . A mortalidade intra-hospitalar foi de 26% vs. 14,8% e mortalidade em 6 meses foi de 31,4% vs. 17,5% entre os pacientes que não foram submetidos à cirurgia em comparação com os que foram submetidos, respectivamente. Os motivos da não realização da cirurgia para aqueles que tinham indicações cirúrgicas foram um prognóstico ruim, independentemente do tratamento (33,7%), instabilidade hemodinâmica (19,8%), óbito antes da cirurgia (23,3%), acidente vascular cerebral (22,7%) e sepse (21,0 %). A sepse foi o fator único associado ao manejo não cirúrgico da EI por S. aureus em comparação com outras causas microbiológicas, e a mediana do escore STS-IE para pacientes que não tinham EI por S.aureus foi maior (32) em comparação com 24 em pacientes não- S. aureus , com significância estatística. No estudo de Marques et al., 1 como esperado, o choque séptico foi associado à mortalidade, com umOR de 20. A sepse continua sendo um desafio, com taxas de mortalidade muito altas em todo o mundo, principalmente quando associada ao choque. 10 As principais medidas terapêuticas são abordadas na Surviving Sepsis Campaigns , das quais a versão mais recente reforça a rapidez no início de fluidos intravenosos, coleta de hemoculturas, início de antibióticos apropriados logo após isso, medidas de lactato e, principalmente, início das drogas vasoativas prontamente (em 1 hora) se os fluidos intravenosos não normalizarem a pressão arterial e os níveis de lactato. 11 Apesar dos benefícios da cirurgia na sobrevivência, muitas mortes ocorrem após a cirurgia, e os escores prognósticos da cirurgia valvar na EI foram debatidos nos últimos anos. As taxas demortalidade no estudo EUROENDO 3 mostramque, a mortalidade hospitalar pós-cirurgia cardíaca foi de 170/532 (32%) no geral, 74/187 (39,6%) se fosse EI protética, e 79/286 (27,6%) se fosse EI de válvula nativa. Um pequeno estudo recente de nossa equipe incluiu 154 pacientes submetidos a cirurgia para EI de 2006 a 2016; eramem suamaioria do sexomasculino (66,9%) e a média de idade era de 42,7±15 anos. 12 Valvopatia reumática estava presente em 31,2%; os microrganismos isolados mais frequentemente foramestreptococos do grupo viridans (29,9%), seguidos por culturas negativas em 26,6% dos pacientes. A principal indicação cirúrgica foi insuficiência cardíaca (65,6%), e amortalidade hospitalar foi de 17,5%. Na análisemultivariada, as variáveis consideradas estatisticamente significantes para óbito foram bloqueio atrioventricular, choque cardiogênico, diabetes mellitus insulinodependente, Gram-negativos nãoHACEK como etiologia da EI e uso de inotrópicos. A sensibilidade calculada para isso foi de 88,9% e a especificidade, de 91,8%; a AUC foi de 0,97. Isso foi chamado de escore INC-Rio e um aplicativo para foi criado para Android (endocarditeinc.org) . No presente estudo, 1 a EI com hemocultura negativa foi associada à mortalidade; uma publicação do nosso grupo mostrou que, embora não houvesse diferença na mortalidade para EI com hemocultura positiva e EI com hemocultura negativa, esta última estava associado a mais insuficiência cardíaca, que é o principal fator associado à morte na EI e o principal motivo para indicar cirurgia cardíaca na maioria das séries. 13 Em conclusão, o trabalho de Marques et al, apesar de limitado em suas inferências devido à natureza de estudo retrospectivo, de centro único, é importante, pois chama a atenção dos cardiologistas para a questão da mortalidade muito alta associada a EI, principalmente em um centro sem cirurgia cardíaca. Amensagem importante é dada: a EI do lado esquerdo é frequentemente uma doença cirúrgica, e um “endocarditis team” é mais rápido em reconhecer e tratar melhor essa condição, especialmente no que diz respeito à indicação de cirurgia, esperamos que no momento mais apropriado. Agradecimentos Agradeço ao Dr. Carlos Rochitte, Editor-chefe dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, pela oportunidade de debater endocardite infecciosa nesta prestigiada revista, e aos meus colegas do Instituto Nacional de Cardiologia por sua parceria no “endocarditis team” e no Mestrado Profissional em Ciências Cardiovasculares. Fontes de Financiamento Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ; bolsa Jovem Cientista do Nosso Estado, # E26/202.782/2015). 10

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