ABC | Volume 114, Nº1, Janeiro 2020

Minieditorial Endocardite Infecciosa: Ainda uma Doença Mortal Infective Endocarditis: Still a Deadly Disease Cristiane da Cruz Lamas 1,2, 3 Coordenação de Ensino e Pesquisa, Instituto Nacional de Cardiologia, 1 Rio de janeiro, RJ – Brasil Centro Hospitalar, Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Fiocruz, 2 Rio de Janeiro, RJ – Brasil Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO), 3 Rio de Janeiro, RJ – Brasil Minieditorial referente ao artigo: Fatores de Risco para Mortalidade Hospitalar na Endocardite Infecciosa Correspondência: Cristiane da Cruz Lamas • Rua das Laranjeiras, 374, Rio de Janeiro, RJ – Brasil E-mail: cristianelamas@gmail.com Palavras-chave Insuficiência Cardíaca/fisiopatologia; Endocardite/ complicações; Endocardite/cirurgia; Mortalidade Hospitalar; Comorbidades; Choque Séptico; Ecocardiografia/métodos. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20190809 A importante questão da mortalidade intra-hospitalar em endocardite infecciosa (EI) é discutida por Marques et al., 1 A mortalidade intra-hospitalar na coorte International Collaboration in Endocarditis (ICE) (2000-2005) foi de 18%, 2 semelhante à taxa de 17%na grande coorte europeia publicada recentemente, 3 inaceitavelmente altas, considerando que a maioria dos pacientes incluídos era de países desenvolvidos e registros voluntários. No presente artigo, a mortalidade hospitalar foi de 42/134 (31,3%), superior ao esperado. Os fatores de risco identificados para mortalidade intra-hospitalar foram etiologia por Staphylococcus aureus , hemoculturas negativas, evidência de obstrução valvar no ecocardiograma, insuficiência cardíaca secundária à EI e choque séptico. A cirurgia cardíaca foi um fator protetor para mortalidade. Para mim, a mensagem mais importante é “a cirurgia cardíaca foi um fator protetor para mortalidade”. Isso foi demonstrado em vários estudos. 1-6 O tratamento cirúrgico é necessário em aproximadamente metade dos pacientes com EI devido a complicações graves, das quais a insuficiência cardíaca (aguda ou crônica agudizada) é a mais frequente, ocorrendo em40 a 60%dos casos. 7 Representa a indicação mais comum de cirurgia em EI de válvula nativa esquerda. A cirurgia pode precisar ser realizada em caráter de emergência (dentro de 24 horas) ou de urgência (dentro de alguns dias, 7 dias), independentemente da duração do tratamento com antibióticos, ou após 1 ou 2 semanas de tratamento com antibióticos. 7 Embora não esteja claro qual é o melhor momento, 6,8 certamente antes do instalação da insuficiência cardíaca aguda parece ser uma boa hora. 9 Uma revisão sistemática e uma meta-análise avaliaram artigos emque foram realizadas intervenções cirúrgicas precoces versus tardias ou tratamento conservador para EI. 5 A definição utilizada para cirurgia valvar precoce nesta publicação foi a realização de cirurgias com 20 dias ou menos de diagnóstico de EI ou durante a hospitalização inicial. A mortalidade por todas as causas foi mencionada em 21 estudos e, no grupo que foi submetido à cirurgia precoce, foi significativamente menor do que no grupo sem intervenção cirúrgica precoce (OR 0,61, IC 95% 0,50 a 0,74, p < 0,001). A heterogeneidade foi alta entre os estudos incluídos. No entanto, em relação à mortalidade intra-hospitalar, um total de 11 estudos relatou-a e não houve diferença significativa entre os grupos de cirurgia precoce e terapia convencional. 5 Wang et al., 8 abordaram a questão do momento da cirurgia em pacientes com diagnóstico definitivo de EI do lado esquerdo, de acordo com os critérios de Duke modificados que foram submetidos a cirurgia cardíaca durante a hospitalização‑índice. 8 Essa foi uma coorte prospectiva do estudo ICE-PLUS e avaliou 485 pacientes submetidos à cirurgia durante a mesma hospitalização. É importante observar que os casos de EI relacionados a dispositivo foram excluídos da análise, assim como acidente vascular cerebral hemorrágico antes da cirurgia, EI nosocomial e realização da cirurgia mais de 60 dias após a hospitalização. Um modelo de regressão logística multivariada foi adequado para calcular um escore de propensão (probabilidade) para o tratamento cirúrgico precoce. A mediana do tempo até a cirurgia foi de 7 dias ([IIQ] 2-15). Pacientes submetidos à cirurgia mais precocemente apresentaram uma porcentagem menor de insuficiência cardíaca preexistente (antes do diagnóstico de EI), mas uma taxa mais alta de insuficiência cardíaca aguda; não foi encontrada diferença na sobrevida em 6 meses entre os quartis (Quartil 1, dia da cirurgia 0 ou 1; Q2, dia 2 a 6; Q3 dia 7 a 15; Q4 mais de 15 dias) do tempo cirúrgico. O risco de mortalidade em6meses foi maior nos pacientes submetidos à cirurgia nos primeiros 2 dias após a hospitalização ou transferência. Os autores concluíram que o uso rotineiro de cirurgia muito precoces para qualquer indicação não é apoiado pelos dados atuais. 8 O estudo EURO-ENDO envolveu uma coorte prospectiva de 3.116 pacientes adultos (2.470 da Europa), nos anos de 2016 a 2018 com diagnóstico de EI provável ou definitivo. 3 A cirurgia cardíaca foi indicada em 2.160 (69,3%) pacientes, mas no final, foi realizada em apenas 1.596 (73,9%), sendo que a mortalidade hospitalar ocorreu em 532 (17,1%) pacientes e foi mais frequente na EI de prótese valvar. 9 Os preditores independentes de mortalidade foram o índice de Charlson, creatinina >2 mg/dL, insuficiência cardíaca congestiva, maior diâmetro da vegetação >10 mm, complicações cerebrais, abscesso e falha na realização da cirurgia, quando indicada. As indicações cirúrgicas foram hemodinâmicas em 46,3% dos casos, embólicas em 32,1% e infecciosas em 64,2% (este último percentual muito diferente de outras grandes séries de EI). A cirurgia foi realizada de maneira emergencial em 6,7%, como urgência em 24,8%, além da 1ª semana em 32% e de maneira eletiva em 36,5%. Ter uma indicação para cirurgia e não ser submetido a ela foi o grupo com maior mortalidade no 9

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