ABC | Volume 114, Nº1, Janeiro 2020

Artigo Original Marques et al. Mortalidade hospitalar na endocardite infecciosa Arq Bras Cardiol. 2020; 114(1):1-8 Introdução A endocardite infecciosa (EI) está associada a complicações graves e alta mortalidade, apesar da melhora em seu tratamento médico e cirúrgico. 1,2 A natureza diversificada e o perfil epidemiológico evolutivo da EI amantémcomo umdesafio diagnóstico. 2 A apresentação e evolução da EI são altamente variáveis, dependendo dos fatores do hospedeiro (como existência de doença cardíaca prévia, válvulas prostéticas ou dispositivo cardíaco implantado, bem como fatores quemodulam a resposta imune), omicrorganismo envolvido e a adequação do tratamento fornecido (antibióticos, tratamento médico para insuficiência cardíaca, cirurgia). 2 A interação desses fatores resulta em uma taxa de mortalidade hospitalar de pacientes com EI que varia de 15% a 30%. 3-9 A avaliação das taxas de mortalidade e de preditores de eventos fatais é importante para identificar fatores modificáveis e o padrão de tratamento, a fim de melhorar ainda mais os desfechos. Essa abordagem identifica os pacientes com maior risco de morte para os quais o nível de cuidados deve ser intensificado. Portanto, objetivamos avaliar os resultados clínicos de pacientes com EI e determinar os preditores de mortalidade hospitalar. Métodos Foi realizado um estudo retrospectivo de centro único, incluindo todos os pacientes adultos consecutivos durante um período de 10 anos (janeiro de 2006 a dezembro de 2015), em um hospital geral público português, terciário, sem departamento de cirurgia cardíaca no local. O protocolo foi aprovado pelo conselho de ética institucional e pelo comitê de ética local. A população de interesse foi constituída por todos os casos de EI com diagnóstico definitivo ou possível, de acordo com os critérios de Duke modificados, 10 incluindo aqueles de pacientes que apresentaram mais de um episódio de EI. Para fins de diagnóstico, os critérios consideraram as culturas positivas durante um período estendido de incubação de hemoculturas por até 21 dias, de acordo com o protocolo local de suspeita de EI. Todos os casos foram identificados por códigos de alta hospitalar. Os pacientes foram acompanhados até a alta ou morte (incluindo hospitalização no centro cirúrgico). Dados sobre características demográficas e clínicas, tipo de endocardite (válvula nativa, prótese ou associada a dispositivo), achados ecocardiográficos e microbiológicos, assim como procedimento cirúrgico e resultados de hospitalização foram obtidos. A amostra foi caracterizada através de medidas estatísticas descritivas básicas. Os pacientes que faleceram durante a internação foram comparados com os que sobreviveram em relação às suas características demográficas e clínicas, achados microbiológicos e ecocardiográficos e desfechos de hospitalização. O desfecho primário foi mortalidade hospitalar por todas as causas. Os outros desfechos adversos de interesse foram insuficiência cardíaca (definida como a presença de sintomas e sinais típicos causados por uma anormalidade cardíaca estrutural e/ou funcional, resultando em débito cardíaco reduzido e/ou pressões intracardíacas elevadas), choque séptico (caracterizado pelo presença de uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica a um processo infeccioso, com disfunção orgânica induzida por sepse ou hipoperfusão tecidual e hipotensão arterial persistente, apesar da administração de fluidos intravenosos), evidência de infecção local não controlada ou complicação perianular (destruição ou perfuração da válvula, aumento do tamanho da vegetação, formação de abscesso, pseudoaneurisma, aneurisma valvar e fístula intracardíaca) e eventos embólicos (acidente vascular cerebral isquêmico, acidente vascular cerebral hemorrágico, aneurisma micótico, mielite/meningite, isquemia periférica e infarto ou abcesso esplênico, pulmonar ou hepático, diagnosticados por tomografia computadorizada e/ou ressonância magnética, realizadas conforme suspeita clínica de embolia). A EI associada aos cuidados de saúde foi definida como EI manifestando-se mais de 48 horas após a admissão no hospital ou a EI adquirida em associação com um procedimento invasivo realizado nos 6 meses antes do diagnóstico, durante uma internação e/ou manipulação em ambiente hospitalar. A insuficiência valvar detectada no ecocardiograma incluiu tanto a regurgitação valvar significativa em casos de EI valvar nativo quanto vazamentos intra e paraprotéticos significativos em casos de EI protético. Análise estatística As variáveis categóricas foram apresentadas como frequências e porcentagens e comparadas pelo teste do qui‑quadrado. As variáveis contínuas foram expressas em média e desvio padrão (DP) e comparadas pelo teste t de amostras independentes, após verificação da distribuição normal com o teste de Kolmogorov-Smirnov ou valores de assimetria e curtose. As variáveis contínuas com distribuições assimétricas foram apresentadas como medianas e intervalos interquartis (IQR), utilizando-se um método não paramétrico (teste U de Mann-Whitney). Para identificar preditores demortalidade hospitalar, variáveis com valor de p < 0,1 na análise univariada foram incluídas em uma regressão logística utilizando o método Enter Stepwise . Dois modelos foram executados; um modelo incluiu todas as espécies de estreptococos e o outro o organismo Streptococcus gallolyticus , por serem variáveis que não são independentes uma da outra e que apresentaram valor de p < 0,1 na análise univariada. O desempenho preditivo do modelo foi testado avaliando sua discriminação e calibração. A discriminação foi medida com a área sob a curva da Característica de Operação do Receptor (AUROC) e a calibração foi medida utilizando-se o pseudo R 2 (Nagelkerke R 2 ). O modelo final definido foi aquele de maior desempenho preditivo de acordo com a AUROC e o pseudo R2. Todos os valores de p reportados foram bicaudais, com um valor de p < 0,05 indicando significância estatística. As análises estatísticas foram realizadas no software IBM SPSS Statistics, versão 22. 2

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