ABC | Volume 113, Nº6, Dezembro 2019

Artigo de Revisão Ferrari et al. Captação da glicose mediada pelo exercício físico Arq Bras Cardiol. 2019; 113(6):1139-1148 concentrações de proteínas da família de proteínas sestrinas responsivas ao estresse (SESNs), como a sestrina 2 e sestrina 3, que além de aumentarem a atividade da autofagia, também interagem com a AMPK, estimulando a sua ativação. 72,73 A indução das SESNs resulta na inibição da atividade da Alvo Mecanístico  do  Complexo 1 de Rapamicina (mTORC1) através da estimulação da AMPK. 73 Portanto, a interação entre sestrina‑AMPK induzida pelo EF pode estar envolvida nos efeitos metabólicos benéficos do treinamento, ativando a autofagia. Essa interação fornece um mecanismo molecular que é um alvo potencial em síndromes metabólicas. Obesidade, inflamação e resistência à insulina A RI é uma condição que se desenvolve de forma silenciosa com possível progressão à falência pancreática, com curso natural usual iniciando na resistência dos tecidos-alvo à ação da insulina, com posterior aumento da produção insulinêmica pancreática em resposta ao evento resistente e por fim a inabilidade do pâncreas de continuar a produzir insulina. Tal fato abre portas para o desenvolvimento do DM2, que se caracteriza pelo estado hiperglicêmico crônico adquirido, e que está associado a doenças como a hipertensão e dislipidemia. Os principais fatores que levam a esta síndrome são a obesidade, o sedentarismo e fatores genéticos. 74 A RI é caracterizada por alterações patológicas em vários níveis da via metabólica de ação da insulina, 75 com aumento simultâneo na produção endógena de glicose hepática, resultando em estado hiperglicêmico crônico. 76 Atualmente, sabe-se que a obesidade, especialmente o acúmulo de gordura abdominal, destaca-se como um dos principais fatores de risco e de causalidade para a RI. 77 Diversos mecanismos abrangem a etiopatogenia da RI relacionada à obesidade, caracterizados por alterações em certas etapas na sinalização da insulina, com redução na concentração e atividade cinase do IR, da fosforilação em tirosina do IRS-1 e IRS-2 78 e redução na atividade da PI3K. 79 Ademais, um grande aumento do tecido adiposo abdominal induz a uma elevação dos ácidos graxos livres para o fígado através da veia porta; consequentemente, agrava a resistência hepática à insulina, 80 bem como aumenta a liberação de citocinas pró-inflamatórias através da veia porta para o fígado, retroalimentando o fenômeno. 81 O papel do processo inflamatório crônico neste cenário não pode ser descartado. A RI é relacionada com este, geralmente induzido pela obesidade, cuja elucidação remonta à década de 1990. Nesta época, estudos avaliaram a associação da RI a marcadores inflamatórios clássicos como o fator de necrose tumoral alfa (TNF- α ), e foi mostrado que adipócitos tratados com TNF- α apresentavam prejuízo na sinalização insulínica. Essa resposta foi associada, principalmente, com redução na transcrição de IRS-1 e GLUT4. 82 Citocinas pró-inflamatórias, como o TNF- α , podem levar à ativação da enzima c-Jun N-terminal cinase (JNK), que atua como um determinante crítico da inflamação associada à obesidade e RI, 83 ativando serina ou treonina cinases e desta forma reduzindo a sinalização da insulina por fosforilação de proteínas em resíduos de serina ou treonina. 84 Além disso, a ativação desta enzima está relacionada com vias de sinalização que ativam o fator nuclear kappa β ( NF- κ B) que, por sua vez, estimula a produção de diversas citocinas pró‑inflamatórias. 85 Não obstante, a ativação de JNK também promove a ativação do NF- κ B em ilhotas pancreáticas, levando à sua disfunção. Desta forma, é iniciado um ciclo vicioso de disfunção das células β induzida por inflamação, que retroalimenta o processo inflamatório crônico. 86 Esta retroalimentação promove maior atração de macrófagos que, acompanhados de adipócitos hipertrofiados, liberam mais citocinas pró-inflamatórias. 87 Adicionalmente, os ácidos graxos livres circulantes, bem como outros ligandos como lipopolissacarídeos bacterianos, são capazes de ativar proteínas transmembranares, denominadas receptores do tipo Toll 4 (TLR4), que desencadeiam uma série de vias inflamatórias, reduzindo a captação da glicose pela sinalização insulínica, 88 em um processo denominado inflamação metabólica. 89 O TLR4 é altamente expresso nas células, incluindo o tecido adiposo. No desenvolvimento da obesidade ocorre infiltração de maior número de células imunes neste tecido, particularmente macrófagos, e estes apresentam aumento de expressão de TLR4. 90 Ao se ligarem aos receptores TLR4, os ácidos graxos livres ativam a JNK e a cinase do inibidor do fator de transcrição NF- κ B, IkB cinase (IKK), 91 enzimas das quais os IRS-1 são alvos, levando à interferência na fosforilação em resíduos de tirosina e subsequente redução na translocação do GLUT4. 92 A ativação da IKK promove a fosforilação da IKK β , induzindo a degradação proteassomal de IKK β e ativando o NF- κ B. Essa degradação da IKK β promove, por conseguinte, a transcrição gênica de mediadores inflamatórios, como o TNF- α e interleucina-6 (IL-6). 93 Ademais, a IKK β promove a fosforilação em resíduos de serina do IR e dos substratos dos IRS-1e IRS-2, o que reduz o sinal da insulina em diferentes tecidos. 94 A figura 2 representa esquematicamente os processos descritos acima. Em síntese, a elevação na circulação de ácidos graxos livres é uma característica metabólica do estado insulino-resistente, o que pode promover a RI por meio de vários mecanismos. Evidências têm sugerido que o tecido adiposo emexcesso reduz a fosforilação do IR e promove a ativação crônica de citocinas pró-inflamatórias, bem como de ácidos graxos circulantes, podendo levar à deterioração da resposta natural dos tecidos à ação da insulina. O tecido adiposo, tido no passado como um simples local de armazenamento energético, revelou-se um importante órgão endócrino e pró-inflamatório, especialmente o tecido adiposo branco visceral, que apresenta infiltração de macrófagos com produção local de interleucinas, o que pode auxiliar no desenvolvimento da RI local e sistêmica. 95-97 Com isto, estratégias que visem respostas anti-inflamatórias no tecido adiposo, como o EF, podem ter efeitos benéficos na saúde global do indivíduo, reduzindo o peso da obesidade na desregulação endócrina. Exercício físico na obesidade e resistência à insulina Atualmente, reconhece-se cada vez mais o papel do EF no aumento da sensibilidade à insulina, resulte o treinamento em redução da adiposidade corporal ou não. 98 O efeito protetor do EF pode ser, assim, atribuído ao efeito anti-inflamatório do treinamento físico mediado por redução da massa de gordura 1143

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