ABC | Volume 113, Nº6, Dezembro 2019

Artigo de Revisão Ferrari et al. Captação da glicose mediada pelo exercício físico Arq Bras Cardiol. 2019; 113(6):1139-1148 quais o EF aumenta o conteúdo de GLUT4 intramuscular 12 e diminui o estado inflamatório, especialmente por meio da liberação de citocinas anti-inflamatórias 13 – e pela redução do conteúdo lipídico total. 14 O objetivo desta revisão é abordar a regulação da captação da glicose em estados de RI e inflamação subclínica crônica, e o papel do EF nesta situação. Em um primeiro momento serão discutidos os mecanismos bioquímicos e moleculares que explicam o efeito hipoglicemiante do exercício, com especial atenção para o aumento da sensibilidade à insulina e à translocação de GLUT4 independente à insulina; e, posteriormente, evidências do EF como ferramenta anti‑inflamatória e sua ligação com estados de RI. Sinalização da insulina e captação de glicose pelo músculo esquelético A insulina é umhormônio peptídico secretado pelo pâncreas, mais especificamente pelas células β das ilhotas pancreáticas. 15 Para que ocorra a sinalização intracelular de insulina em tecidos sensíveis à sua ação, é necessária a ligação do hormônio a um receptor específico da membrana, denominado receptor de insulina (IR; do inglês insulin receptor ), que é constituído por quatro subunidades: duas subunidades α , localizadas na parte externa damembrana; e duas subunidades β , transmembranares. A insulina se liga às subunidades α e permite que as subunidades β adquiram atividade cinase, o que promove a auto fosforilação de resíduos de tirosina localizados na região intracelular do IR. 16 Ocorre sequencialmente o recrutamento de proteínas adaptadoras e a fosforilação de diversos substratos proteicos, dentre os quais estão os membros da família do substrato do IR (IRS-1, 2, 3 e 4). 17 Entre os substratos do IR, destacam-se o IRS-1 e o IRS-2. Estes, quando fosforilados em tirosina – reação que se dá pela adição de um grupo fosfato – ligam-se e ativamproteínas com domínios com homologia de Src 2 (SH2), como a proteína citosólica fosfatidilinositol-3-cinase (PI3K). Odomínio SH2 exibe aproximadamente 100 aminoácidos, e tem como característica o reconhecimento e ligação à tirosina fosforilada. 18 A PI3K, por sua vez, catalisa a formação de fosfatidilinositol-3,4,5-trifosfato (PI3P), 19 um regulador alostérico da cinase fosfatidilinositol- dependente (PDK). 20 A PDK ativa uma das isoformas da proteína cinase B (PKB), também conhecida como Akt, bem como a proteína cinase C atípica (aPKC). 21 Evidências sugerem a aPKC como necessária para o transporte de glicose estimulado por insulina no músculo esquelético, e a ativação da mesma está comprometida no estado de RI; 22 além disso, a sua ação parece ser potencializada por meio do EF. 23 Dentre as isoformas de aPKC, a PKC-iota/lambda tem demonstrado um importante papel no transporte de glicose. Esta enzima fosforila a proteína b de duplo domínio C2 (DOC2b), que regula o receptor de ligação da proteína solúvel de fusão sensível a N-etil-maleimida (SNARE), promovendo a interação coma sintaxina-4 e iniciando o processo de fusão àmembrana de vesículas contendoGLUT4. 24 Alémda aPKC, outras isoformas da PKC tambémestão envolvidas na translocação de GLUT 4, como a PKC α e a PKC θ , que são ativadas pelo aumento de cálcio intracelular. 25 Por sua vez, juntamente com as diferentes isoformas de PKC, a enzima Akt promove a fosforilação do complexo de proteínas ativadoras da GTPase Rab (RabGAPs), que envolve as enzimas TBC1 membro da família de domínio 4 (TBC1D4) e TBC1 membro da família de domínio 1 (TBC1D1), proporcionando a dissociação da proteína Rab, o que levará a maior captação da glicose via aumento da translocação de GLUT4. 26 As proteínas TBC1D1 e TBC1D4 atuam cooperativamente na regulação da translocação de GLUT4 em resposta a um estímulo, uma vez que as mesmas são co-expressas em músculo esquelético. 27 Em síntese, o TBC1D4 – anteriormente chamado de substrato de Akt de 160 kDa (AS160) – é uma proteína que, quando fosforilada em treonina-642, auxiliando na translocação das vesículas que contêm os GLUT4 para a membrana, no aumento da expressão de GLUT4 e, consequentemente, leva ao aumento da captação de glicose. 28 A Akt também induz a fosforilação de uma serina/treonina cinase com uma localização catalítica atípica de lisina, denominada cinase sem lisina 1 (WNK1), que é expressa de forma onipresente, incluindo o músculo esquelético. A WNK1, por sua vez, fosforila a enzima TBC1D4, promovendo a translocação de GLUT4 no músculo esquelético. 29 Desta forma, a ativação da cascata que envolve as enzimas PI3K/Akt, permite a entrada de glicose nas células por difusão facilitada, por meio do estímulo da translocação de GLUT4 de vesículas intracelulares para a membrana sarcoplasmática. 30 Simultaneamente ao estímulo da translocação de GLUT4, a PI3K é capaz de estimular a síntese de glicogênio hepático e muscular. 31 Além disso, um outro mecanismo importante neste cenário foi proposto. Estudos prévios utilizando cultura de células demonstraram que a inibição da proteína Rac1 (pertecente à familía das Rho GTPases) endógena bloqueou a translocação de GLUT4 induzida por insulina. 32,33 Por sua vez, a Rac1 foi descrita como fundamental na estimulação da captação de glicose pela insulina no músculo esquelético e na homeostase da glicose em todo o corpo, 34,35 exercendo papel preponderante na regulação da translocação de GLUT4 em resposta à insulina, por exemplo, em células musculares cultivadas. 36 Ainda, quando a produção de insulina endógena fica comprometida (ou em estados muito resistentes a ela), o EF ganha ainda mais destaque, por seu efeito hipoglicemiante independente da insulina. 37 Exercício físico na regulação da captação da glicose pelo músculo esquelético Durante a realização de EF, o consumo de substratos energéticos (principalmente glicose e ácidos graxos livres) aumenta de maneira considerável em relação ao repouso. Esses substratos são provenientes de depósitos intramusculares, da produção hepática ou da mobilização no tecido adiposo por ação da enzima lipase hormônio sensível. 38 Tanto o EF aeróbico agudo quanto o treinamento crônico podem potencializar a ação da insulina, e evidências provenientes de modelos animais nos ajudam a entender os mecanismos envolvidos. Em ratos sob dieta hiperlipídica, o EF agudo parece influenciar a ativação do IR, uma vez que uma única sessão de EF aumenta a fosforilação do IR estimulada por insulina no músculo esquelético. 39 Em ratos obesos, tanto o EF com alto volume (seis horas de duração) quanto com baixo volume (45minutos de duração) mostrou-se eficaz no aumento da sensibilidade à insulina, pelo aumento fosforilação do IR, 1140

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