ABC | Volume 113, Nº6, Dezembro 2019

Artigo de Revisão Mecanismos Bioquímicos e Moleculares da Captação da Glicose Estimulada pelo Exercício Físico no Estado de Resistência à Insulina: Papel da Inflamação Biochemical and Molecular Mechanisms of Glucose Uptake Stimulated by Physical Exercise in Insulin Resistance State: Role of Inflammation Filipe Ferrari, 1, 2 P atrícia Martins Bock, 3,4, 5 Marcelo Trotte Motta, 6 Lucas Helal 1, 3 Programa de Pós-graduação em Cardiologia e Ciências Cardiovasculares - Faculdade de Medicina - Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1 Porto Alegre, RS – Brasil Grupo de Pesquisa em Cardiologia do Exercício - CardioEx (HCPA/UFRGS), 2 Porto Alegre, RS – Brasil Laboratório de Fisiopatologia do Exercício (LaFiEx), (HCPA/UFRGS), 3 Porto Alegre, RS – Brasil Instituto de Avaliação de Tecnologias em Saúde (IATS), Hospital de Clínicas de Porto Alegre, 4 Porto Alegre, RS – Brasil Faculdades Integradas de Taquara, 5 Taquara, RS – Brasil Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), 6 Feira de Santana, BA – Brasil Palavras-chave Exercício; Resistência à insulina; Inflamação Crônica; Transtornos do Metabolismo de Glicose; Anti-Inflamatórios; Transportador de Glucose Tipo 4. Correspondência: Lucas Helal • Programa de Pós-graduação em Cardiologia e Ciências Cardiovasculares, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre – Brasil Laboratório de Fisiopatologia do Exercício, Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, Brasil - Rua Ramiro Barcelos, 2350. CEP 90035‑003, Santa Cecília, Porto Alegre, RS – Brasil E-mail: lucas.helal@ufrgs.br , lhelal@hcpa.edu.br Artigo recebido em 18/11/2018, revisado em 26/03/2019, aceito em 15/05/2019 DOI: 10.5935/abc.20190224 Resumo A obesidade associada à inflamação sistêmica induz resistência à insulina (RI), com consequente hiperglicemia crônica. Este processo envolve o aumento na liberação de citocinas pró-inflamatórias, ativação da enzima c-Jun N-terminal cinase (JNK), do fator nuclear kappa-B (NF- κ B) e dos receptores do tipo Toll 4 (TLR4). Dentre as ferramentas terapêuticas disponíveis, o exercício físico (EF) tem efeito hipoglicemiante conhecido, explicado por mecanismos moleculares complexos. Dentre eles, ocorre aumento na fosforilação do receptor da insulina, na atividade da proteína quinase ativada por AMP (AMPK), na via da proteína cinase cinase dependente de Ca+2/ calmodulina (CaMKK), composterior ativação do coativador-1 α do receptor ativado por proliferador do peroxissoma (PGC-1 α ), proteínas Rac1, TBC1 membro das famílias de domínio 1 e 4 (TBC1D1 e TBC1D4), além de uma variedade de moléculas de sinalização, como as proteínas GTPases, Rab e proteína solúvel de fusão sensível a N-etil-maleimida (SNARE); estas vias promovem maior translocação de transportador de glicose do tipo 4 (GLUT4) e consequente captação de glicose pelomúsculo esquelético. A cinase fosfatidilinositol-dependente (PDK), proteína quinase C atípica (aPKC) e algumas das suas isoformas, como a PKC-iota/lambda também parecem desempenhar papel fundamental no transporte de glicose. Nesse sentido, a associação entre autofagia e EF também temdemonstrado papel relevante na captação de glicose muscular. A insulina, por sua vez, utiliza um mecanismo dependente da fosfatidilinositol- 3-quinase (PI3K), enquanto que o sinal do EF pode ter início mediante liberação de cálcio pelo retículo sarcoplasmático e concomitante ativação da AMPK. O objetivo desta revisão é descrever os principais mecanismos moleculares da RI e da relação entre o EF e a captação de glicose. Introdução A resistência à ação da insulina (RI) em tecidos-alvo é diretamente relacionada coma inflamação subclínica crônica e, se inadequadamente controlada, resulta emestado hiperglicêmico permanente, caracterizando o quadro fisiopatológico do diabetes mellitus tipo 2 (DM2). 1 Por sua vez, a doença cardiovascular se constitui como a principal causa demorbidade emortalidade em pacientes com DM2, 2 gerando custos atuais que se aproximam dos 40 bilhões de dólares por ano. 3 A hiperglicemia, por si só, é uma condição devastadora para o sistema cardiovascular. Dentre as complicações que a hiperglicemia crônica causa nos pacientes com DM2, podemos destacar a redução na capacidade vasodilatadora do endotélio (via redução da disponibilidade de óxido nítrico), o aumento da concentração de produtos finais de glicação avançada, além do aumento do estresse oxidativo, o que leva em longo prazo à disfunção endotelial e aterogênese, com consequente aumento no risco cardiovascular. 4,5 O exercício físico (EF), em conjunto com o tratamento farmacológico, é eficaz para o manejo do DM2, com ação direta sobre o controle glicêmico, 6,7 por sua capacidade de reduzir as concentrações de glicose sanguínea 8 e por seu efeito anti-inflamatório no longo prazo, 9 podendo ter impacto positivo na redução das complicações cardiovasculares desses pacientes. De forma aguda, a atividade contrátil inicia uma sequência de reações bioquímicas que culminam no aumento da captação de glicose pelo músculo. Isto ocorre em função de dois importantes eventos: o aumento da sensibilidade à insulina 10 e a translocação de transportadores de glicose do tipo 4 (GLUT4; do inglês type 4 glucose transporter ) para a membrana sarcoplasmática de forma independente à insulina. 11 Existem também efeitos crônicos, por meio dos 1139

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