ABC | Volume 113, Nº6, Dezembro 2019

Artigo Original Calça et al. Reparo da válvula aórtica e função renal Arq Bras Cardiol. 2019; 113(6):1104-1111 Introdução Desde que Bright 1 descreveu a associação entre doença renal crônica (DRC) e cardiopatia pela primeira vez em 1836, muitos estudos epidemiológicos têm confirmado e estendido este achado. Com o aumento da expectativa de vida, a prevalência de valvopatias, tais como a doença valvar aórtica, vem crescendo e os pacientes que necessitam de intervenção são mais velhos e apresentam várias comorbidades. 2 Apesar de a intervenção cirúrgica ser a opção terapêutica mais eficaz, o implante percutâneo de válvula aórtica (TAVI – transcatheter aortic valve implantation ) tem se tornado uma escolha de tratamento importante para pacientes inoperáveis ou de alto risco. 2-4 Muitos estudos indicam resultados ruins de curto e longo prazo em pacientes com DRC submetidos ao TAVI. 5,6 Outros estudos nesta área concentram-se na insuficiência renal aguda (IRA) depois do TAVI, mostrando que a IRA não é meramente uma preditora independente de resultado adverso, mas também predispõe ao desenvolvimento de DRC. Os casos de IRA que necessitam de diálise têm um prognóstico ruim (50% de mortalidade intra-hospitalar) e uma proporção significativa dos pacientes evoluem para o estágio final da doença renal. 7–9 A doença valvar aórtica é frequentemente observada em pacientes com DRC, 10 devido à calcificação progressiva e acelerada do folheto, uma complicação bastante conhecida da insuficiência renal. Os principais moduladores nesta área não foram completamente identificados, mas podem incluir inibidores de calcificação (como a fetuína-A e a proteína Gla da matriz), promotores de calcificação (por exemplo, hiperfosfatemia, produto de fosfato de cálcio, paratormônio) e leptina. Por outro lado, a estenose aórtica de longa duração pode contribuir para a DRC por interromper o fluxo de sangue direto a partir do coração, causando hipoperfusão crônica e resultando em danos ao órgão, e por aumentar a pressão venosa renal associada à insuficiência cardíaca direita. 11,12 Hipoteticamente, esses mecanismos patológicos da DRC podem ser revertidos após a correção da estenose aórtica. Pouco se sabe sobre a reversibilidade da DRC após a substituição da valva aórtica. As mudanças dinâmicas na função renal após o TAVI não foram descritas e não são completamente compreendidas. Dado o potencial de reversibilidade do mecanismo patológico da DRC após a correção da doença valvar aórtica, o presente estudo teve como objetivo analisar as variações da função renal após o TAVI. Métodos Foi realizada uma análise retrospectiva de pacientes submetidos ao TAVI no Hospital de Santa Cruz – Centro Hospitalar de LisboaOcidental, Lisboa, Portugal, entre novembro de 2008 e maio de 2016. Os pacientes em diálise antes do procedimento e aqueles commenos de ummês de seguimento no centro deste estudo foram excluídos (Figura 1). Os dados demográficos e clínicos foram coletados a partir da revisão de prontuários dos pacientes. Todos os pacientes atendiam às indicações padrão para a substituição da valva aórtica. O TAVI foi realizado principalmente por meio de uma abordagem transfemoral. Os acessos transapical, subclávia e transaórtico foram usados quando a primeira abordagem não foi adequada devido à calcificação, tortuosidade ou paquímetro . Cateteres de entrega com tamanhos entre 14 e 20 F foram utilizados para entrega da válvula após a estenose aórtica ser previamente ultrapassada com um fio guia. A preparação por valvoplastia aórtica com um pequeno balão foi deixada ao critério dos operadores, assimcomo a valvoplastia pós‑dilatação. Diversos tipos de válvulas foram selecionadas de acordo com características anatômicas, valvares e clínicas baseadas na angiografia por tomografia computadorizada e/ou ecocardiograma transesofágico (ETE): dispositivos auto‑expansíveis, balões e mecanicamente expansíveis foram implantados (Corevalve ® /Corevalve Evolut ® /Portico ® , Edwards ® e Lotus ® , respectivamente) no laboratório de cateterismo por uma equipe que incluía um cardiologista intervencionista experiente e cirurgiões cardíacos, sob orientação fluoroscópica e ETE intraprocedimento discricionário. O tipo (Iomeron® ou Visipaque®) e o volume (mL) do contraste iodado selecionado foram determinados pelo protocolo do centro. As características basais dos pacientes incluíram dados demográficos e comorbidades, como diabetes, doença coronariana, doença vascular periférica, hipertensão, insuficiência cardíaca crônica e obesidade (índice de massa corporal≥ 30 kg/m 2 ). As comorbidades encontradas nos Figura 1 – Fluxograma da população de pacientes. TAVI: implante percutâneo de válvula aórtica (transcatheter aortic valve implantation). Pacientes submetidos ao TAVI no Hospital de Santa Cruz 401 396 Em diálise antes do TAVI Seguimento < 1 mês em nosso hospital População do estudo 233 1105

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