ABC | Volume 113, Nº6, Dezembro 2019

Minieditorial Perfusão Miocárdica por Tomografia Computadorizada: Mais Uma Peça no Tabuleiro Myocardial Computed Tomography Perfusion: One More Piece on The Board Gabriel Blacher Grossman 1, 2 Serviço de Medicina Nuclear do Hospital Moinhos de Vento, 1 Porto Alegre, RS – Brasil Clínica Cardionuclear - Instituto de Cardiologia, 2 Porto Alegre, RS – Brasil Minieditorial referente ao artigo: Perfusão Miocárdica por Angiotomografia de Coronárias na Avaliação da Isquemia Miocárdica: Protocolo de Estresse Simultâneo com SPECT Correspondência: Gabriel Blacher Grossman • Rua Gal. Oscar Miranda, 160 Apt. 1001. CEP 90440-160, Bela Vista, Porto Alegre, RS – Brasil E-mail: ggrossman@cardiol.br , ggrossman@terra.com.br Palavras-chave Doença Arterial Coronariana/fisiopatologia; Isquemia Miocárdica; Tomografia Computadorizada de Emissão de Fóton Único/métodos; Cineangiografia/métodos; Perfusão Miocárdica; Cateterismo Cardíaco; Exercício. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20190671 A maneira mais apropriada de avaliar pacientes com doença arterial coronariana (DAC) estável e a subsequente definição da abordagem terapêutica têm sido objeto de debate nos últimos anos. Por vários anos, a avaliação anatômica foi considerada suficiente para indicar a revascularização do miocárdio. O surgimento de vários métodos de avaliação funcional não-invasiva na prática clínica, bem como dados de estudos observacionais demonstrando que existe um nível de isquemia acima do qual a estratégia de revascularização pode resultar em benefício em relação a eventos cardiovasculares levantou dúvidas sobre se uma estratégia baseada em achados anatômicos coronarianos era a melhor opção. 1,2 Esse questionamento mudou o paradigma da avaliação da DAC. Embora os ensaios clínicos randomizados tenham falhado em demonstrar que a extensão da isquemia pode determinar quais pacientes se beneficiariam de uma estratégia de revascularização, 3-5 o fato de que a presença de isquemia moderada a grave é inegavelmente um marcador de risco cardiovascular levou a avaliação funcional a tornar-se parte fundamental no manejo de pacientes com DAC estável. Nesse contexto, Ker et al., 6 nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, avaliaram 35 pacientes submetidos a um protocolo simultâneo de estresse farmacológico para avaliação da perfusão miocárdica por angiotomografia (angio-TC) e tomografia por emissão de fóton único (SPECT) e compararam a sensibilidade dos métodos utilizando a presença de lesão obstrutiva evidenciada por angio-TC > 50% como padrão-ouro para a presença de DAC significativa. 6 Para a detecção de DAC obstrutiva, a avaliação da perfusão miocárdica por angio-TC apresentou área sob a curva de 0,84 [intervalo de confiança de 95% (IC95%): 0,67 a 0,94, p < 0,001]. O SPECT apresentou uma área sob a curva de 0,58 (IC95%: 0,40 a 0,74, p<0,001). A sensibilidade do SPECT para detectar estenose superior a 50% determinada pela angio‑TC foi de 66%, com especificidade de 50%. A sensibilidade da perfusão por angio-TC para detecção de DAC obstrutiva foi de 93%, com especificidade de 75% para a detecção de ausência de DAC obstrutiva pela angiografia coronariana. Neste estudo, foram considerados resultados falsos positivos quando a isquemia estava presente em um estudo por SPECT com ausência de DAC obstrutiva demonstrada pela angio-TC. Os autores concluíram que a avaliação da perfusão miocárdica pela angio-TC apresenta resultados satisfatórios em comparação com o SPECT, e que a angio-TC pode excluir resultados falsos- positivos dos estudos com SPECT. Embora caiba ressaltar a importância do desenvolvimento de novas técnicas para melhorar a avaliação de pacientes com DAC, é fundamental analisar qual padrão-ouro é utilizado para testar a acurácia de novas modalidades diagnósticas. Reconhece-se que uma das limitações da angiotomografia é uma especificidade e valores preditivos positivos abaixo do ideal e uma tendência a superestimar lesões nas coronárias, sendo sua sensibilidade e valor preditivo negativo excelentes, tendo na capacidade de excluir DAC a sua principal característica. 7 Essa limitação dificulta uma análise mais adequada da acurácia diagnóstica dos métodos deste estudo, pois o método utilizado como referência tem sua principal limitação em predizer a presença de isquemia. Além disso, a anatomia avaliada pela TC serviu como padrão-ouro para avaliar a sensibilidade e a especificidade da perfusão por TC, ou seja, o método testado serviu como seu próprio padrão-ouro. No estudo CORE 320, o cateterismo cardíaco foi utilizado como referência para o diagnóstico de DAC. 8 No estudo CORE 320, a sensibilidade da angio-TC foi de 88% e a especificidade de 55%, e o SPECT apresentou sensibilidade e especificidade de 62% e 67%, respectivamente. Recentemente, o cateterismo associado à medida da reserva fracionada de fluxo (RFF) tem sido considerado o método de escolha para testar a acurácia diagnóstica de outros métodos funcionais. Por outro lado, a presença de anormalidades de perfusão em um teste funcional na ausência de DAC obstrutiva nem sempre pode ser categorizada como resultado “falso-positivo”. É cada vez mais reconhecido o papel da disfunção da microcirculação coronária como causa de isquemia e sintomas, gerando o termo angina microvascular. 9 Nesse sentido, métodos que quantificam o fluxo coronariano absoluto, como a tomografia por emissão de pósitrons (PET), permitem a quantificação do fluxo miocárdico e a reserva de fluxo coronário e podem detectar disfunções microvasculares. Infelizmente, o PET cardíaco não é uma realidade no Brasil. 1102

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=