ABC | Volume 113, Nº6, Dezembro 2019

Minieditorial Correlação entre a Apneia Obstrutiva do Sono e a Função Diastólica do Ventrículo Esquerdo avaliada pelo Ecocardiograma Correlation between Obstructive Sleep Apnea and Left Ventricular Diastolic Function Assessed by Echocardiography Cláudio L. Pereira da Cunh a Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR – Brasil Minieditorial referente ao artigo: Correlação entre Risco de Apneia Obstrutiva do Sono e Parâmetros do Ecocardiograma Correspondência: Cláudio L. Pereira da Cunha • Rua Olavo Bilac, 181. CEP 80440-040, Curitiba, PR – Brasil E-mail: cpcunha@cardiol.br Palavras-chave Doenças Cardiovasculares; Apneia Obstrutiva do Sono; Hipertrofia Ventricular Esquerda; Indicadores de Morbimortalidade; Insuficiência Cardíaca; Ecocardiografia/ métodos; Polissonografia/métodos; Fatores de Risco. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20190695 A apneia obstrutiva do sono (AOS) é uma doença caracterizada por obstrução recorrente das vias aéreas superiores durante o sono, decorrente do colapso repetitivo destas vias, resultando em hipóxia e fragmentação do sono. 1 É um transtorno bastante frequente, sendo mais comum em homens, mas também pode afetar mulheres e crianças. 1 Sua prevalência tem sido estimada em aproximadamente 14% entre os homens e 5% entre as mulheres, definindo-se AOS nestes levantamentos como a presença de um índice de apneia-hipopneia maior que cinco eventos por hora de sono, associadas a 4% de desaturação de oxigênio. 2 AOS é associada com um aumento significativo da atividade simpática durante o sono, influenciando a frequência cardíaca e a pressão arterial. O aumento da atividade simpática é induzido por uma série de mecanismos, incluindo estimulação quimiorreflexa pela hipóxia e hipercapnia, barorreflexos, disfunção endotelial, alterações do retorno venoso e do débito cardíaco. 3 O padrão anormal da respiração durante o sono, associado a repetidos despertares, resulta em efeitos hemodinâmicos, autonômicos, inflamatórios e metabólicos que podem contribuir na patogênese de uma série de doenças cardiovasculares: hipertensão arterial sistêmica, doença coronariana, arritmias cardíacas (fibrilação atrial ou morte súbita por arritmia), insuficiência cardíaca, hipertrofia do ventrículo esquerdo (VE), acidente vascular cerebral e hipertensão pulmonar. 4 AOS deveria ser suspeitada sempre que um paciente se apresente com sonolência diária excessiva, ronco e asfixia durante o sono, particularmente na presença de fatores de risco como a obesidade, sexo masculino e idade avançada. Todavia, a AOS não é um diagnóstico clínico e testes objetivos devem ser feitos para o diagnóstico. 5 Nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Leite et al., 6 apresentam a correlação entre o risco de AOS e parâmetros ecocardiográficos relacionados com disfunção diastólica do VE. Foram incluídos 354 indivíduos que responderam ao Questionário de Berlim (QB), ferramenta empregada para estimar o risco de AOS, sendo 63% classificados como tendo alto risco para este transtorno. A maioria dos estudiosos das doenças do sono não recomenda o uso rotineiro de ferramentas de avaliação como questionários ou algoritmos para selecionar os pacientes sob maior risco de AOS, desde que estes instrumentos não têm demonstrado serem superiores à história e ao exame físico na avaliação clínica destes pacientes. 7 A diretriz clínica da American Academy of Sleep Medicine publicada em 2017, tem recomendação forte para que questionários e algoritmos de predição clínica não sejamusados para diagnóstico de AOS na ausência de polissonografia. 7 Estas ferramentas são consideradas de baixa acurácia diagnóstica. Em relação ao QB, empregado no trabalho em análise, 6 a literatura revela um grande número de resultados falso-negativos, assim limitando sua utilidade como um instrumento para diagnosticar AOS. Revisão de 19 trabalhos que analisaramo desempenho doQB emcomparação comos dados da polissonografia, demonstraram uma sensibilidade global de 0,76 (95% IC: 0,72 a 0,80) enquanto a especificidade global foi 0,45 (95% IC: 0,34 a 0,56). Este resultado revela um número muito alto de falso-negativos (209 entre 1.000 pacientes), com acurácia diagnóstica comprometida. Assim, esta é uma limitação da investigação em análise, visto que não se estuda uma população de pacientes com AOS, mas indivíduos com risco elevado de virem a apresentar AOS, utilizando-se uma ferramenta diagnóstica considerada de baixa acurácia diagnóstica. Entende-se que em ambiente sem especialistas dos distúrbios do sono, os instrumentos de avaliação, como questionários e algoritmos de predição clínica, possam ser úteis por promoverem a uniformização da avaliação do sono, e, quando necessário, ampliar o seu uso contando com outros profissionais da equipe de saúde na sua aplicação. Deve-se ter na mente, todavia, que a aplicação destes testes não substitui uma boa avaliação clínica, com anamnese e exame físico, e, muito menos, a polissonografia, que continua sendo o padrão ouro para o diagnóstico da AOS. 7 No estudo de Leite et al., 6 buscou-se avaliar o comportamento de parâmetros ecocardiográficos na AOS. Restrições são feitas à caracterização da população estudada (pacientes com risco de AOS através do QB), mas os resultados obtidos foram compatíveis com os achados da literatura. Aumento do volume atrial esquerdo e o comportamento de índices do fluxo mitral caracterizam a disfunção diastólica do VE. 6 1090

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