ABC | Volume 113, Nº6, Dezembro 2019

Artigo Original Elias Neto et al. Comportamento das grandes artérias durante a ortostase Arq Bras Cardiol. 2019; 113(6):1072-1081 Introdução As grandes artérias não são vistas apenas como meros condutores passivos de sangue, funcionando apenas no seu transporte e distribuição, mas desempenhando um papel fundamental e complexo na manutenção da homeostase circulatória e na gênese das doenças cardiovasculares. 1-2 As grandes artérias podem ser consideradas um órgão funcional com diversas funções, como atividade endócrina e parácrina, além da capacidade de abafar o fluxo sanguíneo pulsátil. O comportamento funcional das grandes artérias em decúbito dorsal foi avaliado de forma não invasiva, medindo‑se a velocidade da onda de pulso (VOP) em vários segmentos arteriais. 3-5 Estudos epidemiológicos e longitudinais feitos com essa metodologia mostraram a relevância clínica dessa abordagem para a predição de eventos cardiovasculares mórbidos. 1,6–7 No entanto, devido a limitações metodológicas, a resposta funcional das grandes artérias não foi investigada na posição ortostática. 8 Há muito tempo, o teste de inclinação tem sido utilizado para avaliar a influência do estresse gravitacional no comportamento dos parâmetros hemodinâmicos. 9–10 Embora essa técnica permita uma reprodutibilidade adequada da ação gravitacional sobre os indivíduos em posição ortostática ativa, somente a partir do final da década de 1980 é que foram realizados estudos com primatas, com o objetivo de avaliar a influência das alterações posturais sobre o comportamento da onda de pulso aórtica e da VOP. 8,11–13 O estudo da função das grandes artérias na posição ortostática pela medida não invasiva da VOP carotídeo-femoral pode ser importante para a compreensão dos mecanismos vasculares de adaptação à gravidade e suas implicações na homeostase cardiocirculatória, no desenvolvimento ou progressão de doenças cardiovasculares e ocorrência de eventos posturais não adaptáveis. O presente estudo é o primeiro a avaliar os efeitos da posição ortostática sobre a função das grandes artérias em humanos, medindo a VOP carotídea-femoral em indivíduos saudáveis e em indivíduos com hipertensão arterial leve a moderada não tratada. Testamos a hipótese de que o ortostatismo poderia levar ao aumento da VOP em relação à posição de decúbito dorsal e considerando a influência da pressão arterial, idade e frequência cardíaca. Métodos Características dos pacientes Para definir o tamanho da amostra, foram utilizados estudos que avaliaram a VOP em decúbito dorsal. 4-7 Participaram do estudo 93 indivíduos, sendo 74 do sexo masculino e 19 do sexo feminino, com idade entre 18 e 75 anos (42 ± 16 anos). Vinte e nove (31,1%) indivíduos apresentavam níveis de pressão arterial sistólica ≥ 140 e/ou níveis de pressão arterial diastólica >90 mmHg. Esses indivíduos tinham hipertensão arterial não diagnosticada ou haviam interrompido voluntariamente o tratamento anti-hipertensivo por mais de 30 dias. Suas características antropométricas e hemodinâmicas são apresentadas na Tabela 1. Os critérios de exclusão foram os seguintes: histórico clínica ou evidência de algum tipo de doença estrutural cardíaca; excesso de peso ou obesidade; diabetes mellitus; tabagismo; dislipidemia; doença vascular periférica; insuficiência renal crônica; dados clínicos sugestivos de disautonomia; e intolerância ortostática ou antecedentes de eventos vasovagais. Pacientes com hipertensão arterial em tratamento anti-hipertensivo e pacientes sob qualquer medicação que pudesse interferir nos resultados dos parâmetros avaliados ou que poderiam explicar a ocorrência de hipotensão ortostática durante o teste de inclinação também foram excluídos do estudo. Medição automática da VOP carotídea-femoral O índice da VOP carotídea-femoral, uma medida da rigidez aórtica, foi avaliado com um dispositivo automático (Complior, Colson, França) que mede o tempo de retardo entre o rápido movimento ascendente dos pés das ondas de pulso registradas simultaneamente nas artérias carótida e femoral utilizando-se 2 transdutores de pressão (tipo TY-306; Fukuda Deshi Co., Tóquio, Japão). A VOP foi calculada como a razão entre a distância e o retardo de tempo pelo método foot-to-foot , sendo expressa emmetros por segundo. (6). Todas as medidas VOP em decúbito dorsal foram obtidas e avaliadas por um único observador. A obtenção da VOP durante o teste de inclinação exigiu 2 pesquisadores, que estavam familiarizados com a técnica em decúbito dorsal e foram treinados para a medição da VOP na posição ortostática. Protocolo do teste de inclinação associado à medição da VOP Todos os indivíduos foram avaliados no período da manhã, tendo sido previamente orientados a permanecerem em jejum por 12 horas. Antes do exame, foram obtidas as medidas antropométricas de peso, altura e perímetros de cintura e quadril. Em seguida, os indivíduos foram colocados emdecúbito dorsal em uma mesa mecânica para o teste de inclinação. Após um descanso de 20 minutos, durante o qual os indivíduos foram instruídos sobre a sequência dinâmica do protocolo, as seguintes medidas basais foram obtidas: VOP, frequência cardíaca (FC), pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), pressão arterial média (PAM) e pressão de pulso (PP). Em seguida, os pacientes foram inclinados em um ângulo de 70º. O teste de inclinação durou 20 minutos. As medidas dos parâmetros monitorados durante o teste de inclinação foram realizadas em intervalos de 2 minutos e 2 minutos após o retorno à posição de decúbito dorsal. A monitorização eletrocardiográfica foi realizada continuamente. A pressão arterial foi medida de maneira não invasiva em intervalos de 2 minutos usando o monitor Omega 1400 (Invivo Research Laboratories, EUA) durante a obtenção das medidas de VOP ou quando o paciente relatava algum sintoma ou havia apresentado sinais clínicos ou alterações eletrocardiográficas sugestivas desse diagnóstico. Análise estatística As características antropométricas, biológicas ehemodinâmicas foram expressas em média ± desvio-padrão (DP). A análise de variância unidirecional (ANOVA) foi utilizada para comparar os parâmetros hemodinâmicos obtidos na condição basal, durante 1073

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