ABC | Volume 113, Nº6, Dezembro 2019

Minieditorial Cardiopatias Congênitas Complexas e Gravidez: Riscos Maternos e Fetais Complex Congenital Heart Diseases and Pregnancy: Maternal and Fetal Risks Valéria de Melo Moreir a Universidade de São Paulo - Faculdade de Medicina dos Hospital das Clinicas do Instituto do Coração, São Paulo, SP – Brasil Minieditorial referente ao artigo: Gravidez em Portadoras de Cardiopatias Congênitas Complexas: Um Constante Desafio Correspondência: Valéria de Melo Moreira • Av. Dr. Eneas de Carvalho Aguiar, 44 Andar AB. CEP 05403-000, São Paulo, SP – Brasil E-mail: valeriamelomoreira@gmail.com Palavras-chave Gravidez/complicações, Cardiopatias Congênitas/ complicações, Cardiopatias Congênitas/tendências, Mortalidade Materna, Mortalidade Fetal, Resultados Materno-Fetais. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20190764 O diagnóstico e o tratamento da doença cardíaca congênita tiveram um notável avanço nas últimas décadas e o sucesso desta abordagem é refletido com o número cada vez maior de adultos com cardiopatias congênitas. Muitos destes pacientes possuem lesões residuais ou foram submetidos a cirurgias paliativas e enfrentam desafios adicionais na fase adulta, necessitando de cuidados integrados para um potencial de vida completo. 1 Consequentemente o número de mulheres em idade fértil com doença congênita submetida a correção cirúrgica, procedimento paliativo ou em evolução natural da doença é crescente, comum riscomaior materno-fetal na dependência da cardiopatia. O aconselhamento reprodutivo é imprescindível, informando as consequências e possíveis complicações e desaconselhando a gestação em defeitos mais complexos. 2 Existem vários modelos de classificação e de preditores de risco aplicados ao acometimento cardiovascular materno que auxiliam no aconselhamento e no manejo clínico destas pacientes. 3 Pijuan-Domenech et al., 4 demonstraram que a versão modificada da classificação idealizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) consiste no melhor preditor de complicações cardíacas na gestação em comparação aos outros modelos de previsão de risco e é o modelo mais bem aceito para a gravidez em portadoras de cardiopatias congênitas. 4 A gestação promove profundas alterações hemodinâmicas e estas adaptações fisiológicas ocorrem para permitir uma adequação das necessidades metabólicas da mãe e do feto, proporcionando uma perfusão placentária adequada. A frequência cardíaca se eleva em 15 a 30% com pico no final do segundo ou início do terceiro trimestre. Ocorre um aumento da pré-carga devido um aumento no volume plasmático e o débito cardíaco aumenta em 30 a 50%. Além disso ocorre um aumento na produção endotelial de prostaciclina e óxido nítrico, promovendo uma redução na resistência vascular total. Tais ajustes cardiovasculares são bem suportados em mulheres com reserva cardíaca normal. No entanto, estas modificações podem não ser bem toleradas em gestantes portadoras de cardiopatia congênita, principalmente as portadoras de cardiopatias complexas com capacidade limitada de adaptação a alterações hemodinâmicas significativas, podendo ocorrer descompensação e risco aumentado de resultados materno fetais adversos. 5 Pacientes com alterações estruturais complexas são associadas a maiores chances de arritmias, insuficiência cardíaca descompensada e eventos tromboembólicos. A sobrecarga de volume que ocorre na gestação associado a uma excitabilidade aumentada dos receptores adrenérgicos pelo fator hormonal são fatores que podem facilitar o desenvolvimento de arritmias em pacientes que tem como substrato defeitos cardíacos estruturais ou residuais após o reparo. A formação de tecido cicatricial em topografia de manipulação cirúrgica pode estar envolvida com um dos fatores fisiopatológicos das arritmias. 6 A heterogeneidade e complexidade destas malformações exigem estratégias de manejo específicos e uma abordagem multidisciplinar. 7 Os resultados fetais e neonatais também estão intimamente relacionados com a complexidade e gravidade da cardiopatia congênita materna. Perdas gestacionais precoces e restrição de crescimento intrauterino têm sido relatados nestas gestações. 8 Nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Avila et al., 9 avaliaram a evolução da gestação em portadoras de cardiopatias congênitas complexas tentando identificar variáveis que poderiam levar a um maior risco de desfecho materno-fetal desfavorável. Através de um estudo retrospectivo e observacional dos últimos dez anos, realizado em um único centro de Cardiologia e Obstetrícia foram incluídas 42 gestações de 40 pacientes com cardiopatias congênitas complexas classificadas na categoria III de risco pela OMS que corresponde a desaconselhamento da gravidez. Os resultados do estudo estão de acordo com a literatura mundial, havendo alta taxa de problemas maternos e fetais. As principais complicações foram a insuficiência cardiaca e arritmia, tendo ocorrido duas mortes maternas decorrentes de causas obstétricas. Dentre os defeitos estruturais mais frequentes foram a transposição das grandes artérias (com correção em nível atrial ou arterial) e coração univentriclar (cirurgia Fontan). No estudo, a maioria das portadoras de transposição das grandes artérias tiveram evolução favorável materno-fetal. É sabido que em pacientes com transposição das grandes artérias, os riscos associados à gravidez são principalmente relacionados às pacientes que foram submetidas a correção em nível atrial (cirurgia de Senning ou Mustard). Há maior risco de desenvolver arritmias e disfunção ventricular do ventrículo sistêmico. Em relação às pacientes submetidas a troca arterial (cirurgia de Jatene) embora o risco pareça ser mais baixo, deve-se ter vigilância maior nos casos em que há dilatação na NeoAorta ou outras complicações residuais. 10 1070

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