ABC | Volume 113, Nº6, Dezembro 2019

Artigo Original Avila et al. Gravidez e cardiopatias congênitas complexas Arq Bras Cardiol. 2019; 113(6):1062-1069 de se ajustar ao débito cardíaco aumentado. Contudo, não houve morte materna face às saudáveis, porque foram obtidas boas respostas ao tratamento clínico com uso de diurético e betabloqueador nas pacientes que desenvolveram insuficiência cardíaca (casos 15 e 41) e à cardioversão elétrica no caso do flutter atrial (caso 21). A evolução desfavorável para o feto foi documentada em seis casos de Fontan, resultando em um aborto espontâneo e cinco partos prematuros. Uma revisão da literatura que incluiu seis estudos com 255 gestações em 133 mulheres mostrou 137 perdas fetais (69%), e dentre os 115 recém-nascidos vivos, 68 (59%) foram prematuros e 6 (5,2%) evoluíram para óbito neonatal. As causas da prematuridade não foram detalhadas, particularmente naquelas induzidas pela antecipação do parto devido a razões maternas. Todavia, a rotura prematura da bolsa amniótica e o descolamento prematuro de placenta foram as intercorrências associadas em 6,2% e 10,9%, respectivamente. 16 O mau prognóstico fetal foi corroborado pelo estudo multicêntrico do Reino Unido, que incluiu 50 mulheres e 124 gestações. Ele mostrou incidência de 68 abortos espontâneos (54,8%); dentre os 56 recém-nascidos vivos (45,2%), quatro morreram devido a prematuridade extrema (parto com idade gestacional abaixo de 32 semanas). Por outro lado, as complicações maternas, como insuficiência cardíaca em 13,5%, arritmias em 11,3% e tromboembolismo pulmonar em 1,19% dos casos, não acarretaram morte da mãe. 17 A conduta de anticoagulação plena em pacientes com circulação de Fontan considerou o risco alto de tromboembolismo peculiar a essa técnica e o estado de hipercoagulabilidade da gravidez e do puerpério. No entanto, não se pode desconsiderar o estudo com 59 gestações em 37 pacientes, o qual destacou que a anticoagulação plena foi associada a pior evolução neonatal. Contudo, houve três casos de tromboembolismo materno, dois deles em pacientes não anticoaguladas. Diante dos dilemas da conduta durante a gravidez de pacientes submetidas à cirurgia de Fontan, a maioria dos especialistas considera que função ventricular deprimida, cianose, insuficiência valvar mitral importante ou enteropatia perdedora de proteína são fatores que desaconselham a gravidez. 15-17 Ao analisar as variáveis presumíveis de prognóstico materno e fetal, o presente estudo destacou a pior evolução empacientes hipoxêmicas. O fato de o inusitado resultado das variáveis, univentricular e cirurgia prévia, não terem demonstrado diferenças na evolução da gravidez, possivelmente se deve ao pequeno número da casuística e à anatomia da lesão cardíaca, que foi favorável à sobrevida durante a idade reprodutiva. Nesse sentido, o estudo que analisou 102 necrópsias de portadores de cardiopatias congênitas verificou que a média de idade dos casos não operados era maior quando comparada à dos operados, alémde essas pacientes apresentaremproblemas anatômicos menos graves. 9 Outro destaque do estudo desenvolvido é o registro de dois casos (5%) de cardiopatia congênita no neonato, o que corresponde a seis vezes mais que os 0,8% estimados para a população geral. Esse percentual é ainda superior ao do relato de Oliveira et al., que identificaram três casos (3,2%) de malformações cardíacas em filhos de 100 gestantes portadoras de cardiopatia congênita acompanhadas no InCor. 19 A recorrência de cardiopatia nos bebês de mães com cardiopatias congênitas deve ser considerada no planejamento familiar, em resposta aos questionamentos sobre a herança familiar, e na indicação de ecocardiograma fetal de rotina para o rastreamento intrauterino durante a gestação nessas pacientes. Limitações do estudo O número pequeno e a heterogeneidade dos defeitos anatômicos limitama análise estatística acurada. Contudo, há de se considerar que a amostra de pacientes foi exclusiva ao grupo de alto risco, no qual a gravidez é desaconselhada, e constitui o grande dilema de orientação no planejamento familiar. Ocaráter do estudo – retrospectivo e observacional, restrito a um único centro – pode também influenciar as conclusões adequadas. Considerações finais As cardiopatias congênitas afetam aproximadamente 0,8% de todos os recém-nascidos vivos, e as taxas de sobrevida de 86% são destaques nos registros internacionais. Estima-se que, atualmente, existam mais adultos com cardiopatias congênitas do que crianças, o que, naturalmente, proporciona um número considerável de mulheres em idade reprodutiva. A capacitação da equipe multiprofissional é fundamental no planejamento familiar da jovem cardiopata, sobretudo no aconselhamento à gravidez, como as alternativas à anticoncepção segura e efetiva. Apesar da estratificação do risco da OMS, que permite desaconselhar a gravidez, deve-se considerar o que consta na legislação brasileira: “Ademais há de se considerar o artigo 226: Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas” (grifo dos autores). Essa norma remete a outros institutos: o da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III) e o do direito à liberdade (artigo 5°, caput). 20 Conclusões O rígido protocolo de atendimento durante a gravidez, o parto e o puerpério não evitoumortes maternas, prematuridade e perdas fetais em portadoras de CCC. A hipoxemia foi um fator de mau prognóstico, e se a evolução materna foi insatisfatória, pior foi a parte reservada ao concepto. Embora a autonomia da intenção à concepção precise ser respeitada, a gravidez ainda deve ser desaconselhada em mulheres com CCC. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa: Avila WS, Rossi EG, Miura N; Obtenção de dados: Avila WS, Ribeiro VM, Testa C; Análise e interpretação dos dados: Avila WS, Ribeiro VM, Rossi EG, Binotto MA; Análise estatística: Rossi EG; Redação 1068

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