ABC | Volume 113, Nº6, Dezembro 2019

Artigo Original Avila et al. Gravidez e cardiopatias congênitas complexas Arq Bras Cardiol. 2019; 113(6):1062-1069 Introdução Nas últimas décadas, a contínua e progressiva habilidade no tratamento cirúrgico e a condução do pós-operatório imediato e tardio têm possibilitado que crianças portadoras de CCC alcancem a idade reprodutiva. O Registro de 1.000 casos de gestantes acompanhadas no InCor 1 entre 1989 e 1999 mostrou que naqueles 10 anos as cardiopatias congênitas corresponderam a 19,2% dos casos, ocupando o segundo lugar como lesão cardíaca estrutural, ressaltando-se que menos de 1% era de lesões complexas. Contudo, atualmente, a experiência brasileira vivencia uma tendência expressiva ao aumento do percentual de CCC durante a gravidez, outrora relatada em países europeus, como mostra o Registro Europeu de Cardiopatias e Gravidez (ROPAC), em que 20% dos 66% de casos de cardiopatias congênitas eram complexas. 2 Esse cenário exigiu a elaboração de um escore de riscos para as mulheres com cardiopatias congênitas de modo geral, a fim de que houvesse orientação à concepção. A classificação idealizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) 3,4 é o modelo de estratificação de risco mais bem aceito para a gravidez em portadoras de cardiopatias congênitas e considera as CCC como risco III, o que significa desaconselhamento à gestação. Apesar dessa orientação, tanto a gravidez desejada como a não planejada vem gradativamente crescendo, o que aumenta, portanto, o número de gestantes portadoras de CCC. A escassez de publicações sobre a evolução da gestação nessas mulheres motivou tal estudo. Objetivos Avaliar a evolução de portadoras de CCC durante a gravidez e identificar variáveis relacionadas ao pior desfecho materno-fetal. Método Foram consecutivamente incluídas no Registro-InCor de Cardiopatia e Gravidez, no período de 10 anos (2007 a 2017), 435 gestantes com cardiopatias congênitas. Destas, foram selecionadas para este estudo 42 gestações em 40 portadoras de cardiopatias congênitas classificadas como complexas pela conferência de Bethesda 5,6 (Tabela 1) e incluídas na categoria III de risco pela OMS 3,4 (Tabela 2). Portanto, trata-se de um estudo observacional, retrospectivo, realizado em um único Centro de Cardiologia e Obstetrícia. Na primeira consulta do pré-natal, todas as pacientes tiveram diagnóstico anatômico e funcional definido pela Unidade de Cardiopatias Congênitas do InCor e iniciaram o acompanhamento periódico quinzenal até o segundo trimestre da gestação. Depois, durante o terceiro trimestre, isso se tornou semanal, sempre com a mesma equipe de cardiologistas e obedecendo ao protocolo estabelecido pelo Setor de Cardiopatia e Gravidez do InCor, que incluiu: • Orientação quanto às medidas higienodietéticas (repouso, restrição de atividades físicas, controle de anemia e infecção, ajuste de dose ou substituição da terapêutica prévia para o atual estado gravídico) • Avaliação periódica de saturação de oxigênio, hematócrito e hemoglobina materna • Atualização do ecodopplercardiograma bidimensional pela equipe de especialistas em cardiopatias congênitas do InCor • Seguimento em conjunto com os obstetras • Hospitalização eletiva após 28 semanas em pacientes de alto risco (hipoxemia, hipertensão pulmonar, lesões obstrutivas graves e disfunção ventricular importante) • Parto de indicação obstétrica • Profilaxia da endocardite infecciosa na ocasião do parto, com ampicilina 2,0 g por via intravenosa associada a gentamicina 1,5 g/kg/peso por via intramuscular, aplicadas 1 hora antes do parto • Consulta no pós-parto para exame clínico e coleta de informações sobre o parto, fundamentadas no resumo clínico da alta da maternidade, e sobre intercorrências maternas e do recém-nascido. Para este estudo, foram consideradas as seguintes variáveis maternas: idade, cardiopatia de base; cirurgia cardíaca prévia; hipoxemia (saturação < 92% em repouso, medida pelo oxímetro digital e/ou por sinais clínicos de cianose periférica); hematócrito e hemoglobina maternos; disfunção ventricular (fração de ejeção [FE] ventricular ≤ 50%); ocorrência de complicações cardíacas e obstétricas ou morte materna. Quanto aos recém-nascidos, as variáveis consideradas foram: idade gestacional do parto; perdas fetais, como aborto (< 20 semanas), natimorto (entre 20 e 36 semanas) e neomorto (até 30 dias após o parto); e malformações relacionadas à cardiopatia materna. As condições de hipoxemia, cirurgia cardíaca prévia e anatomia univentricular foram as variáveis estudadas como presumíveis de prognóstico materno e fetal. Análise estatística Foram consideradas as variáveis categóricas em tabelas contendo frequências absoluta (n) e relativa (%). A associação Tabela 1 – Cardiopatias congênitas complexas no adulto segundo a Conferência de Bethesda Conduíte valvulado ou não valvulado Cardiopatia congênita cianótica Dupla via de saída de ventrículo Síndrome de Eisenmenger Procedimento de Fontan Atresia mitral; atresia tricúspide; atresia pulmonar Ventrículo único (dupla entrada ou saída, comum ou primitiva) Doença obstrutiva vascular pulmonar Transposição das grandes artérias Truncus arteriosus ou hemitruncus Outras anormalidades de conexão atrioventricular ou ventrículo atrial (crisscross cardíaco, isomerismo, síndromes heterotáxicas, inversão ventricular) Bethesda Conference, JACC 37 2001:1161 1063

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