ABC | Volume 113, Nº6, Dezembro 2019

Editorial Silveira e Stein Terapias alternativas com base em evidências que “tocam o coração” Arq Bras Cardiol. 2019; 113(6):1059-1061 quebras, buscando a quietude dentro do próprio movimento. Apesar de lentos e aparentemente de fácil execução, os movimentos do TCC funcionam, para muitos pacientes, como um tipo de exercício físico estruturado. Estudos demonstram efeitos benéficos da sua prática tanto em aspectos físicos quanto mentais, destacando-se: redução de estresse, depressão e ansiedade; aumento da capacidade funcional; redução da PA e melhora no perfil lipídico. 6,7 Alémdisso, estudos em idosos evidenciarammelhora importante no equilíbrio, redução do risco de quedas, diminuição de dores musculares e articulares, melhora na osteoporose e até mesmo aumento ou manutenção do desempenho cognitivo. 6 Devido a uma lacuna científica avaliando o impacto da prática do TCC em pacientes com doença arterial coronariana (DAC), 8 o grupo de pesquisa em cardiologia do exercício do Hospital de Clínicas de Porto Alegre estudou o seu efeito em 61 pacientes pós-infarto agudo do miocárdio (IAM). 9 Eles foram randomizados para a prática de TCC durante 60 minutos, três vezes por semana, ou para alongamento (grupo‑controle). Após 12 semanas de treinamento, o grupo que realizou TCC apresentou melhora significativa no consumo de oxigênio de pico (14% = 3,1 mL.kg -1 min -1 ), enquanto o grupo alongamento não apresentou melhora. Efeitos semelhantes foram encontrados em alguns estudos em pacientes com IC, o que comprova que essa prática pode impactar positivamente no incremento da capacidade funcional. Ioga A última das três práticas orientais citadas é a que apresenta o maior corpo de evidências a favor de potenciais benefícios, seja por contar com maior volume de estudos ou por ser mais difundida no Ocidente. Sua prática data de 1.500 a.C. e está presente em todos os livros sagrados hindus (Vedas, Bhagavad Gita e Upanishads ). A palavra ioga é derivada do sânscrito e significa “união”. Sua prática é divida em três componentes, a saber: os asanas , que são as diferentes posturas praticadas; os pranayamas , que são exercícios respiratórios; e os dhyanas , que nada mais são do que práticas meditativas. Diferentes estudos demonstram benefícios fisiológicos da sua prática, dentre eles: efeitos metabólicos (redução da PA, melhora no perfil lipídico e na glicemia), anti-inflamatórios (redução da proteína C reativa e de citocinas), imunológicos (aumento da atividade dos linfócitos T CD4+ e da telomerase), neuroendócrinos (diminuição de cortisol, epinefrina e aldosterona) e autonômicos (aumento da VFC e melhora no barorreflexo). 10,11 As evidências também apontam para um aumento no consumo de oxigênio e na força em pacientes com IC, redução da angina e elevação da capacidade funcional em indivíduos comDAC, além da diminuição de sintomas em pacientes com fibrilação atrial. 10 Uma revisão sistemática e metanálise avaliou os efeitos do ioga sobre alguns fatores de risco cardiovasculares, encontrando redução média de 5 mmHg nas pressões sistólica e diastólica, diminuição da massa corporal e do índice de massa corporal, redução da lipoproteína de baixa densidade (LDL) e dos triglicerídeos, além de aumento no colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDLc). 11 Mais recentemente, um grupo de pesquisadores de diferentes instituições do Rio Grande do Sul realizou um ECR arrolando pacientes com IC e fração de ejeção preservada. Os autores compararam os efeitos do ioga associado a técnicas respiratórias com um grupo-controle, conforme protocolo recentemente publicado. 12 Efeitos positivos foram encontrados na força muscular inspiratória e na modulação autonômica avaliada por meio da análise da VFC no grupo exposto à intervenção (dados não publicados). Risoterapia O riso é mais do que um comportamento visual e vocal; ele é sempre acompanhado de uma série de mudanças fisiológicas, incluindo contrações espasmódicas da musculatura esquelética, elevação da frequência cardíaca por liberação de catecolaminas e hiperventilação com aumento da troca de ar residual e consequente aumento da saturação de oxigênio. 13 O estudo dos efeitos do riso e do humor e seu impacto psicológico e fisiológico no corpo humano é chamado de gelotologia. Os primeiros experimentos nessa área são da década de 1930, avaliando o efeito do riso sobre o tônus muscular e omecanismo respiratório da risada. O aumento da quantidade de estudos sobre o assunto baseia-se no pressuposto de que, se o mau humor é prejudicial ao sistema cardiovascular, o bom humor (risoterapia) e suas alterações fisiológicas devem ser benéficos. Um dos poucos estudos que utilizou a risoterapia em indivíduos não saudáveis foi realizado por Tan et al. 14 No experimento, 48 diabéticos com IAMrecente foramdivididos em dois grupos. Os 24 pacientes do grupo experimental deveriam assistir a um vídeo de humor diariamente durante 30 minutos, além de permanecer em tratamento convencional. Após um ano de acompanhamento, os autores observaram uma redução significativa na PA em relação aos indivíduos do grupo-controle. Além disso, os que foram expostos à comédia evidenciarammenos episódios de arritmias, usomenos frequente de nitroglicerina para a angina e menor recorrência de IAM (apenas dois versus dez do grupo-controle). Por fim, um ECR está em andamento com o objetivo de avaliar as respostas hemodinâmicas e bioquímicas de pacientes com DAC estável submetidos a risoterapia. 15 Nesse experimento, pessoas de ambos sexos, com 18 anos ou mais, em acompanhamento regular em um hospital universitário do sul do Brasil estão sendo alocados para um grupo de intervenção (que assistirá a um filme de comédia de 30 minutos) ou para um grupo-controle (que assistirá a um documentário neutro de 30 minutos). A previsão é de que alguns resultados já estejam disponíveis em 2020. Conclusão Este é um tempo em que a cardiologia acelera na direção de novas tecnologias, e recursos como a inteligência artificial, por exemplo, começam a apresentar-se como parceiros reais do médico. É nesse momento que tradições milenares como a meditação, o TCC e o ioga, assim como algo tão gostoso quanto a risada, têm sido testadas e podem ser utilizadas no manejo de pacientes com diferentes cardiopatias. Mesmo sem apresentar um corpo de evidências tão robusto, sendo amparadas mais comumente em pequenos estudos de eficácia, essas terapias são uma alternativa terapêutica simples, segura e barata, que, além de melhorar a qualidade de vida, 1060

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