ABC | Volume 113, Nº6, Dezembro 2019

Carta ao Editor Dados Longitudinais e o Viés da Correlação de Medidas: A Alternativa dos Modelos Mistos Longitudinal Data and Correlated Measures Bias: The Alternative of Mixed Models Johnnatas Mikael Lopes, 1 Marcello Barbosa O.G. Guedes, 2 Rafael Limeira Cavalcanti, 3 Clecio Gabriel de Souza 2 Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) - Colegiado de Medicina, 1 Paulo Afonso, BA – Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) – Fisioterapia, 2 Natal, RN – Brasil Centro Universitário Maurício de Nassau (UNINASSAU) – Fisioterapia, 3 Natal, RN – Brasil Correspondência: Johnnatas Mikael Lopes • UNIVASF - Colegiado de Medicina - Centro de Formação Profissional de Paulo Afonso (CFPPA) - Rua da Aurora, S/N, Quadra 27, Lote 3. CEP 48607-190, Bairro General Dutra Paulo Afonso, BA – Brasil E-mail: johnnataslopes2@gmail.com Artigo recebido em 02/09/2019, revisado em 04/09/2019, aceito em 04/09/2019 Palavras-chave Estudos de Coortes; Estudos Longitudinais; Estudos Transversais; Epidemiologia; Bioestatística. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20190601 Estudos longitudinais têm duas tipologias importantes de dados: desfechos únicos ou medidas repetidas. 1 Coortes de desfecho único, como a morte ou surgimento de doença, devem ter um tratamento de dados diferente daqueles estudos com desfecho de medidas repetidas. Mas todos eles têm em comum a detecção de mudanças ao longo do tempo e os fatores contribuintes para esta alteração. Isto difere dos estudos transversais que buscam apenas relação de variáveis, sem o necessário efeito de causalidade. O estudo de Fernandes et al., 2 intitulado de Relação entre Estilo de Vida e Custos Relacionados ao Uso de Medicamentos em Adultos, publicado neste periódico no volume 112, número 6 em 2019, utilizou variáveis independentes de comportamento para estimar os efeitos sobre o desfecho de custos com medicamentos, coletado na forma de medidas repetidas em um desenho de coorte prospectiva. O que se pretende com esta exposição é evidenciar que, provavelmente, ocorreu um equívoco na análise de dados do trabalho de Fernandes et al., 2 que compromete as inferências de causalidade devido à grande possibilidade de precisão das estimativas apresentadas estarem equivocadas. Vamos aos fatos. Considerando o desenho de coorte prospectiva com medidas repetidas constata-se a existência de estrutura hierárquica nos dados do desfecho devido ao aninhamento deles nas diversas medidas do mesmo participante. O aninhamento de dados faz com que o erro, isto é, o que foi predito pelo modelo e a real aferição das medidas, do mesmo participante em momentos distintos sejam correlacionados. 3 Isto é uma condição para não uso da regressão linear múltipla (RLM) a qual tem como pressuposto a independência do erro dada pela assunção de que a distribuição de cada participante é igual. A RLM não extrai dos dados aquilo que é variabilidade dentro do indivíduo da variabilidade entre indivíduos (população). 3 Usar RLM em medidas repetidas gera erros-padrão dos coeficientes de regressão viciados. Exige-se nesta situação a aplicação de uma matriz de covariância que produzirá estimativas mais confiáveis, ou seja, intervalos de confiança mais estreitos a partir de modelos de efeitos mistos. 4 Esta é a melhor alternativa para se verificar mudanças ao longo do tempo ou o efeito de condicionantes no desfecho em estudos longitudinais, controlando os efeitos individuais. Como existe uma variabilidade maior entre indivíduos que intra-indivíduo, devido principalmente às diferenças biológicas e de condicionantes sociais, observa-se que os custos com medicamentos irão ser mais correlacionados ao longo do tempo no mesmo indivíduo que entre os participantes. Pensar que essa distribuição é igual nos participantes do estudo, ignora o pressuposto teórico da determinação social em saúde no comportamento das pessoas. 5 A criação de RLM distintas (A, B, C e D), ver Fernandes et al., 2 não controla esse efeito de covariância e, portanto, podem estar produzindo coeficientes com intervalos de confiança enviesados para as variáveis independentes e não consegue também detectar a taxa de mudança em relação ao basal. 3 Além disso, com os modelos mistos seria possível também aproveitar medidas que foram aferidas em participantes perdidos, aumentando a sensibilidade da modelagem. 4 Em outra perspectiva, sendo o objetivo da pesquisa estimar a inter-relação do custo com medicamentos e os hábitos comportamentais, sem o estabelecimento de causalidade, seria necessário apenas um desenho transversal dos participantes com a coleta de dados do desfecho e variáveis independentes em um único momento. Assim, o modelo de regressão basal seria suficiente para estimar associações brutas e ajustadas. 1 Dessa forma, o uso de RLM deve ficar restrito aos desenhos transversais de pesquisa e que estudos longitudinais necessitam diferenciar o efeito individual do efeito populacional na identificação das mudanças temporais e os condicionantes da mesma. Possivelmente, os achados de Fernandes et al., 2 devem estar enviesados quanto às conclusões sobre a relação inversa do uso de álcool com os custos dos medicamentos ou as relações não-significativas do ponto de vista estatístico com a gordura corporal, gênero e tabagismo que têm grande impacto em outras situações de saúde, principalmente crônicas. 1155

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