ABC | Volume 113, Nº5, Novembro 2019

Artigo de Revisão Fernandes et al Doenças de depósito e hipertrofia ventricular Arq Bras Cardiol. 2019; 113(5):979-987 manifestações cardíacas. Dessa forma, os clínicos devem ter um alto grau de suspeição para poder direcionar os exames complementares e chegar a um correto diagnóstico. Doença de Fabry A DF é uma enfermidade genética, de armazenamento lisoss mico, que ocasiona defici ncia total ou parcial da enzima alfa-galactosidase ( α -Gal A) que tem como função a degradação do glicolipídeo globotriaosilceramida (Gb3) nos lisossomos. 27 Deste modo, de forma progressiva, ocorrem depósitos do Gb3 nas células endoteliais de vários órgãos e coração, resultando em disfunção orgânica e aparecimento da doença. 28 O gene deficiente causador da DF localiza‑se no braço longo do cromossomo X ( locus Xq22) e, atualmente, centenas de mutações patog nicas já foram descritas. 29 Assim, doentes do sexo masculino, homozigotos, desenvolvem a doença clássica, enquanto no sexo feminino, heterozigotos, apresentam manifestações clínicas variáveis, desde condições sem doença clínica aparente até a expressão completa da doença. 29-31 Na prática clínica torna-se imprescindível o diagnóstico precoce de pacientes acometidos pela DF, sobretudo pela possibilidade de tratamento específico com a terapia de reposição enzimática (TRE) que alteram o curso natural, reduzindo e/ou estabilizando a progressão da doença. 32,33 Do ponto de vista cardiológico, manifestação característica da DF é o achado de HVE e em pacientes que apresentam esta alteração sem uma etiologia definida a DF deve ser sempre considerada no diagnóstico diferencial. Em pacientes com CMH a exclusão da DF é um passo importante já que até 5% destes doentes teriam o diagnóstico de DF. Temos observado em nosso ambulatório, pacientes com DF e aparecimento de hipertrofia em fase adulta, de caráter progressivo, com alterações eletrocardiográficas e ecocardiográficas semelhante às da CMH, inclusive com presença de obstrução de via de saída de VE. À semelhança da amiloidose, existem também manifestações sist micas que podem inferir no diagnóstico de DF. 34-36 Os depósitos de Gb3 estão presentes em todos os componentes celulares do coração, como cardiomiócitos, células do sistema de condução, fibroblastos valvulares, células endoteliais e células musculares lisas vasculares, porém sua totalidade representa apenas 1% a 2% de toda massa cardíaca, sugerindo que ocorra ativação de outras vias de sinalização que levariam à hipertrofia, apoptose, necrose e fibrose. 37 A hipertrofia ventricular de forma conc ntrica é a mais comum encontrada na cardiopatia de Fabry, mas aproximadamente 5% dos casos se apresentam como hipertrofia septal assimétrica e a presença de obstrução dinâmica da via de saída do VE é rara, mas pode ocorrer. Embora a HVE tenha sido detectada em algumas crianças, os sinais e sintomas cardiovasculares geralmente estão presentes na terceira ou quarta décadas de vida nos homens e uma década depois nas mulheres. 38,39 A presença de HVE leva a uma redução da expectativa de vida em aproximadamente 20 anos em homens e 15 anos em mulheres, quando não tratados, em comparação com a população em geral. 40,41 A magnitude da hipertrofia aumenta com a idade e é inversamente relacionada com a função renal e atividade da α -Gal A. O acometimento do VD é comum, mas não ocorrem consequ ncias funcionais ou clínicas. 42 As manifestações cardíacas, apesar de acompanharem outras manifestações da DF, podem também ocorrer como única manifestação da doença, conhecida como "variante cardíaca". 43 Figura 2 – Amiloidose cardíaca - fluxograma diagnóstico. 1 ECO: ecocardiograma; ECG: eletrocardiograma. Amiloidose Cardíaca – Diagnóstico ECO com strain, ECG, suspeita clínica Imunofixação sérica e urinária, dosagem imunoglobulina Kappa e Lambda Proteína monoclonal presente Positivo Gordura abdominal Medula óssea Depósito amiloide Eco/RMC típicos Amiloidose cardíaca confirmada Negativo Cintilografia óssea (mTCPYP) Grau 0 - 1 Graus 2 e 3 Biópsia endomiocárdica Teste genético TTR selvagem TTR hereditária – – + + 982

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