ABC | Volume 113, Nº5, Novembro 2019

Artigo de Revisão Fernandes et al Doenças de depósito e hipertrofia ventricular Arq Bras Cardiol. 2019; 113(5):979-987 observado que alguns pacientes permanecem sintomáticos, a despeito do tratamento intervencionista da valva aórtica, e que na verdade a real etiopatogenia dos sintomas era a concomitância de amiloidose forma ATTRwt. Depósitos incidentais de amiloidose podem também ser encontrados em estudo histopatológico de pacientes com CMH submetidos a cirurgia de miectomia. 15,16 A mutação da TTR pode ser frequente em indivíduos com idade >55 anos com diagnóstico de CMH, particularmente afro-americanos. Foram avaliados 298 pacientes em 9 centros franceses para avaliação sistemática da pesquisa de amiloidose TTR em pacientes com hipertrofia ventricular >15 mm. Foi encontrado genótipo de mutação da ATTRm em 17 pacientes. A preval ncia de mTTR foi de 5% e 8,3% nos pacientes com idade >55 anos, respectivamente As mutações encontradas foram: V142I, V50M e I127V. Os pacientes com espessamento ventricular pela mutação da ATTRm eram mais idosos, tinhammaior frequ ncia de neuropatia (53%), síndrome do túnel do carpo (46%), baixa voltagem no eletrocardiograma (ECG) (36%), hipertrofia simétrica (92%), alteração da função ventricular esquerda, aumento das pressões de enchimento e realce tardio pelo gadolínio quando comparados aos pacientes sem mutação. Dessa forma, a amiloidose deve ser cogitada no diagnóstico diferencial de pacientes com hipertrofia ventricular e cardiopatia hipertrófica. 17 Em nosso ambulatório, quatro pacientes inicialmente diagnosticados como CMH na verdade tinham amiloidose ATTRm V142I. A amiloidose deveria ser suspeitada com as seguintes pistas diagnósticas: história de síndrome de tunel do carpo bilateral em pacientes do sexo masculino, dores neuropáticas inexplicadas, hipotensão ortostática e diagnóstico de CMH após a 6ª década de vida. 6 Os exames de imagem (ECO e RMC) contribuem para o reconhecimento da infiltração amiloide cardíaca, pois avaliam a presença e a gravidade da hipertrofia ventricular e da disfunção sistólica e diastólica. 18,19 Figura 2 no entanto, estas alterações morfológicas e funcionais representamumquadro avançado da doença e correlacionam-se com a quantidade de amiloide no corpo inteiro. 20 Este estágio da doença tambémestá relacionado com piora nos sinais e sintomas clínicos. 21 Achados ecocardiográficos típicos desta doença são: aumento conc ntrico da espessura ventricular com envolvimento do ventrículo direito (VD), função diminuída do eixo longitudinal biventricular com FE preservada e aumento do espessamento valvar 22 e a avaliação do fluxo sanguíneo pelo Doppler permite também a identificação da hemodinâmica cardíaca presente na forma restritiva. 23,24 Quando se compara as formas de amiloidose cardíaca, observa-se que pacientes com forma ATTRwt caracterizam-se por maior HVE e menor FE e o s train longitudinal é menor nas formas ATTRwt e AL do que nas formas ATTRm. 2 (Figura 3, 4 e 5) Técnicas mais avançadas do ECO como s train e s train rate derivados do speckle tracking podem auxiliar na avaliação de movimentos cardíacos de torção e facilitar a diferenciação entre amiloidose cardíaca e miocardiopatia hipertrófica. Nos pacientes com amiloidose existe uma variação regional da base para o ápice ao s train longitudinal, onde a porção apical encontra-se preservada, sendo esse padrão acurado e reprodutivo na diferenciação entre amiloidose cardíaca e outras formas de hipertrofia de ventrículo esquerdo (VE). 18 Além disso, a análise de strain do VE em repouso é um preditor independente de mortalidade tanto por causas cardíacas, quanto por outras causas. 25 A RMC é outro meio de avaliação por imagem que fornece informações sobre função e morfologia cardíaca em pacientes com amiloidose, assim como o ECO. 19 No entanto, as informações provenientes da RMC são melhores para avaliar e quantificar as anormalidades na função diastólica dos ventrículos. As imagens provenientes da RMC possibilitam avaliação em 3 dimensões dos volumes cardíacos, espessamento das paredes cardíacas e massa. Além disso, novas técnicas utilizadas pela RMC como o realce tardio com gadolínio são fundamentais na identificação das infiltrações amiloides cardíacas e possibilitam a diferenciação entre um paciente com amiloidose de pacientes com hipertrofia ventricular, como por exemplo, pacientes com hipertensão e CMH. No entanto, o clínico, deve considerar o alto grau de suspeita clínica aliado aos métodos de imagem complementares, pois muitas vezes as características anat micas da hipertrofia podem simular ambas doenças. 26 O padrão assimétrico de hipertrofia miocárdica nos pacientes com amiloidose ATTR difere dos pacientes com forma AL, geralmente simétrico. Em estudo de 263 pacientes com amiloidose ATTR confirmado pela cintilografia miocárdica grau 2 e comparados com 50 pacientes com a forma AL, observou‑se: na forma TTR presença de hipertrofia assimétrica em 79% dos casos, simétrica em 18% e 3% semHVE. O padrão de realce tardio foi 29% subendocárdico e 71% transmural. 26 Podemos identificar tr s fases da evolução da doença pela ressonância com prognóstico variado: fase 1 - sem evid ncia de realce tardio, mas com aumento do volume extracelular e do mapa T1 com sobrevida de 92% em 24 meses; fase 2 - aumento do volume extracelular e do mapa T1 e aparecimento de realce tardio subendocárdico com sobrevida de 81% e fase 3 - aumento do volume extracelular e do mapa T1 e progressão para realce tardio transmural com sobrevida de 61%. Na análise multivariada a presença de realce tardio transmural aumentou a mortalidade em 4 vezes e o espaço extravascular correlacionou-se com a carga de amiloide e foi um marcador prognóstico independente de sobrevida. 19 A cintilografia óssea com tecnécio pode ser útil para diferenciar a forma AL da ATTR. A amiloidose ATTR frequentemente apresenta maior número de microcalcificações, o que justificaria maior intensidade de captação desses radiofármacos. Utilizando umescore visual (0: aus ncia de captação, 1: captação menor que osso, 2: captação igual ao osso e 3: captação acentuada – mais intensa que a captação óssea) para avaliação da captação cardíaca de tecnécio, é possível diferenciar a forma ATTR dos demais tipos de amiloidose cardíaca emconjunto com a aus ncia sérica de imunoglobulinas de cadeia leve no sangue e urina. Dessa forma pode-se fechar o diagnóstico de amiloidose ATTR sem a necessidade de biopsia. 6 Na Figura 2 observa-se fluxograma para avaliação de pacientes com suspeita de amiloidose cardíaca. A amiloidose é uma doença de apresentação cardíaca fenotípica heterog nea e em muitos casos há sintomas sist micos antecedendo em anos o aparecimento das 981

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