ABC | Volume 113, Nº5, Novembro 2019

Artigo de Revisão Doenças de Depósito como Diagnóstico Diferencial de Hipertrofia Ventricular Esquerda em Pacientes com Insuficiência Cardíaca e Função Sistólica Preservada Deposit Diseases as Differential Diagnosis of Left Ventricular Hypertrophy in Patients with Heart Failure and Preserved Systolic Function Fábio Fernandes, 1 Murillo Oliveira Antunes, 1 Viviane Tiemi Hotta, 1, 2 C arlos Eduardo Rochitte, 1 Charles Mady 1 Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 1 São Paulo, SP – Brasil Fleury Medicina e Saúde, 2 São Paulo, SP – Brasil Palavras-chave Insufici ncia Cardíaca; Hipertrofia Ventricular; Cardiomiopatia Restritiva; Amiloidose; Doença de Fabry. Correspondência: Fábio Fernandes • Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Av. Dr. Eneas C. Aguiar, 44. CEP 05403-000, São Paulo, SP – Brasil E-mail: fabio.fernandes@incor.usp.br Artigo recebido em 22/11/2018, revisado em 10/04/2019, aceito em 15/05/2019 Editora convidada para este artigo: Dra. Gláucia Maria Moraes de Oliveira DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20180370 A insufici ncia cardíaca (IC) com fração de ejeção preservada (ICFEP) é uma das principais manifestações clínicas de pacientes com hipertrofia ventricular. O tratamento convencional baseia-se na melhora da disfunção diastólica e congestão. Entretanto, até o momento nenhuma terapia medicamentosa mostrou-se eficaz na sobrevida desses pacientes. Dessa forma, é de fundamental importância a pesquisa da etiologia da hipertrofia ventricular com o objetivo de um tratamento específico direcionado para a doença de base. Dentre os pacientes com ICFEP e aumento da espessura da parede ventricular, o clínico deve ter como diagnósticos diferenciais: doença cardíaca hipertensiva, doenças de depósito e cardiomiopatia hipertrófica (CMH) (Figura 1). 1 As cardiomiopatias restritivas são as formas menos comuns de doenças do músculo cardíaco. Podem ser caracterizadas como infiltrativas e não infiltrativas, doença de depósito ou desordens endomiocárdicas. As possíveis cardiomiopatias restritivas que podem simular e até ser diagnosticadas como CMH são: a amiloidose, doença de Fabry (DF) e doença de depósito de glicog nio. 1 Temos observado em nosso grupo, que é especializado em miocardiopatias, que muitos desses pacientes com doenças de depósito são acompanhados por anos com diagnóstico de hipertrofia ventricular esquerda (HVE) ou CMH. Diante do exposto, realizou-se uma revisão não sistemática da literatura a fim de abordar os principais trabalhos que sugerem doenças de depósito como etiologia de hipertrofia ventricular e os “ red flags ” para um possível diagnóstico. A base de dados consultada foi o PubMed (www.ncbi.nlm.nih. gov/pubmed). Foram selecionados artigos originais e revisão realizados em humanos, redigidos na língua portuguesa e inglesa e utilizou-se como palavras-chave os descritores MeSH: cardiomiopatia hipertrófica, amiloidose, DF e depósito de glicog nio. Na presente revisão da literatura, primeiro abordaremos amiloidose, posteriormente DF e, por fim, depósito de glicog nio. Amiloidose é uma doença causada pela deposição de fibrilas amiloides em diversos órgãos, 2 inclusive no coração, onde as proteínas amiloides infiltram a parede ventricular, com consequente espessamento ocasionando disfunção sistólica e diastólica, IC congestiva e distúrbios de condução, com elevada mortalidade. 2-4 Mais de 30 proteínas podem causar amiloidose e, entre essas, cinco podem afetar o coração. No entanto, os tipos mais comuns de amiloidose que infiltram o coração são: 1) depósito de imunoglobulina cadeia leve, também chamada de amiloidose primária ou AL; 5 2) depósito de transtiretina denominada amiloidose-ATTR, que pode ser de origem genética, também chamada de forma familiar ATTRm e a forma ATTRwt, também chamada de selvagem. A detecção e a diferenciação entre essas duas formas são de fundamental importância, pois apresentam tratamento e evolução clínica diferentes. Alguns pacientes com a forma ATTR e ATTRwt podem apresentar um aumento de imunoglobulinas séricas o que pode confundir o clínico quanto ao tipo de amiloidose. A importância do correto diagnóstico da amiloidose reside no fato do tratamento ser diferente das outras formas de IC e da CMH. Nos pacientes com amiloidose não se deve usar digital, bloqueadores de cálcio e elevadas doses de beta‑bloqueador, além do fato de atualmente existirem novas possibilidades terap uticas relacionadas à doença de base. 6 O objetivo do tratamento na amiloidose é interromper a produção de proteínas reduzindo a carga das proteínas amiloides circulantes. 6-8 Na forma AL de amiloidose existe um efeito tóxico direto dos precursores das imunoglobulinas circulantes que podem contribuir para disfunção miocárdica e ocasionar disfunção diastólica inicial. Tal fato pode explicar os achados discrepantes entre a gravidade dos sintomas e das alterações de função diastólica em pacientes com pouco ou sem espessamento ao ecocardiograma (ECO). Os pacientes passam por cinco clínicos de diversas especialidades com uma média de dois anos antes do correto diagnóstico de amiloidose AL e quando esse é feito muitas vezes o prognóstico é reservado. 1,8 Mais de 150 mutações são descritas na forma genética relacionadas ao gene da proteína ATTR. O alelo mais 979

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