ABC | Volume 113, Nº5, Novembro 2019

Minieditorial Manuseio Clínico de Pacientes com Primeiro Episódio de Fibrilação Atrial Detectado na Fase Aguda do Infarto do Miocárdio Clinical Management of Patients with First-Episode Atrial Fibrillation Detected in the Acute Phase of Myocardial Infarction Mauricio Scanavacca 1 e Tan Chen Wu 1 Universidade de São Paulo - Faculdade de Medicina Hospital das Clínicas - Instituto do Coração – Cardiologia, 1 São Paulo SP – Brasil Minieditorial referente ao artigo: Fibrilação Auricular de Novo no Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST: Preditores e Impacto na Terapêutica e Mortalidade Correspondência: Mauricio Scanavacca • Av. Joaquim C. A. Marques, 1205. CEP 05688-021, Morumbi, SP – Brasil E-mail: mibrahim@cardiol.br , mauricio.scanavacca@gmail.com Palavras-chave Fibrilação Atrial/complicações; Infarto Agudo do Miocárdio/ complicações; Disfunção Ventricular; Anti-Hipertensivos; Anticoagulantes; Acidente Vascular Cerebral. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20190733 Episódios de fibrilação atrial (FA) t m sido observados tradicionalmente em até 20% dos pacientes que sofrem infarto agudo do miocárdico (IAM); 5-10% desses, como primeiro episódio, durante a internação hospitalar. 1 A etiologia da FA, nessa fase do IAM tem vários fatores, incluindo aumento da pressão atrial pela disfunção ventricular aguda, isquemia atrial associada (mais comum no IAM inferior), reação inflamatória secundária, mudanças no comportamento do sistema nervoso aut nomo e no padrão neuro-humoral relacionados à fisiopatologia do IAM, principalmente naqueles com disfunção ventricular. 1-3 Estudo recente, publicado nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia por Congo et al., 4 sugere que nos últimos anos a incid ncia de FA na fase aguda do IAM pode estar diminuindo, devido ao maior acesso dos pacientes à reperfusão precoce e ao melhor tratamento clínico, com uso mais frequente de inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), beta bloqueadores estatinas e terapia antiplaquetária. Adicionalmente, o estudo confirma observações anteriores de que o surgimento de FA associa-se a pior evolução clínica hospitalar e alerta em relação ao manuseio clínico desses pacientes, em particular da não utilização de anticoagulantes orais na alta hospitalar. O estudo foi realizado a partir de dados obtidos de um registro nacional portugu s de IAM, que incluiu 6.325 pacientes no período de 2010 a 2017, dos quais 365 (5,8%) apresentaram episódio inicial ou primeiro registro de FA na fase aguda do IAM, a maioria já no primeiro dia de internação. Foram comparados pacientes internados por IAM e supradesnivelamento do segmento ST que tiveram FA (primeiro episódio), com pacientes que não desenvolveram FA durante a internação hospitalar. A taxa e estratégias de reperfusão aguda foram semelhantes nos dois grupos (sem FA = 83,2%, com FA = 82,9%), aparentemente sem impacto na ocorr ncia de FA. Mas, observaram que os pacientes com FA tiveram tempo porta balão mais prolongado, menor prescrição de betabloqueadores, IECA e bloqueadores dos receptores da angiotensina. Fatores como idade avançada, acidente vascular cerebral (AVC) prévio, bloqueio atrioventricular completo e o infarto inferior foram preditores independentes da ocorr ncia de FA. A ocorr ncia de FA associou-se à internações mais prolongadas, maior incid ncia de complicações e maior mortalidade (13,4%) em comparação com o grupo controle (3,8%; p<0,001).Entretanto, a ocorr ncia de FA não foi preditor independente demortalidade hospitalar, indicando que pode ser apenas um indicador de maior gravidade da doença. Infelizmente, o estudo não fornece informação sobre a apresentação clínica da FA, o manuseio clínico detalhado dos pacientes durante a internação e a taxa de recorr ncia na evolução. Dois terços dos pacientes com FA de início recente receberam amiodarona durante a internação, que foi mantida em 26% dos pacientes na alta hospitalar. Adicionalmente, apenas 20,6% tiveram alta sob anticoagulação oral, com ou sem dupla agregação plaquetária. Nesse sentido, há car ncia na literatura sobre a melhor conduta a ser tomada e dados mais robustos sobre decisões em relação ao controle da frequ ncia cardíaca (FC) ou o controle do ritmo e a necessidade de manutenção da anticoagulação após a alta hospitalar, ainda são necessários. Por exemplo, no estudo VALIANT ( Valsartan in Acute Myocardial Infarction Trial ) 5 foram avaliados 1.131 pacientes que apresentaram FA após o IAM e insufici ncia cardíaca; 371 foram tratados com controle do ritmo (amiodarona em 87,3%) e 760 pacientes com a estratégia do controle de FC. Após os ajustes para os perfis clínicos dos pacientes, o controle do ritmo foi associado ao aumento de mortalidade nos primeiros 45 dias (HR: 1,9, 95% CI 1,2 a 3,0, p = 0,004), mas não à mortalidade tardia. Nesse estudo, a mortalidade não pode ser atribuída ao uso de antiarrítmico (AA) de classe I, já que a maioria das mortes ocorridas no grupo controle do ritmo receberam amiodarona (95,6%). A correlação entre amiodarona e mortalidade foi observada também no estudo GUSTO-3 ( The Global Use of Strategies to Open Occluded Coronary Arteries ). 6 Para controle do ritmo, 132 pacientes (12%) usaram AA de classe I, 55 (5%) sotalol e 168 (15%) amiodarona. O ritmo sinusal foi restaurado em 72% dos pacientes que receberam fármacos de classe I, 67% dos que receberam sotalol, e 79% daqueles que receberam amiodarona. Houve tend ncia a menor mortalidade com uso de AA da classe I e sotalol em relação aos pacientes com 958

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