ABC | Volume 113, Nº5, Novembro 2019

Artigo Original Gouvea et al. O ETEc na dilatação vascular pulmonar na EHE Arq Bras Cardiol. 2019; 113(5):915-922 Introdução A dilatações vasculares intrapulmonares (DVP) constitui o substrato anat mico das alterações clínicas, marcadamente a hipoxemia observada em pacientes com doença hepática cr nica, hipertensão portal ou shunt portossist mico cong nito ou adquirido, e integra a tríade da síndrome hepatopulmonar (SHP). 1-3 Entretanto, em pacientes com esquistossomose hepatoespl nica (EHE) e hipertensão portal, mesmo com função hepática preservada, a DVP e a SHP t m sido pouco descritas. 4,5 A exclusão da passagem do sangue venoso pelo fígado, que ocorre na hipertensão portal em cirróticos ou na EHE, ou ainda em anastomoses cavopulmonares (cirurgia de Glenn), seria o determinante fisiopatológico para a ocorr ncia das DVP. O desequilíbrio entre substâncias vasodilatadoras e vasoconstritoras, dependentes de produção ou metabolização hepática, favorece o acúmulo de substâncias vasodilatadoras no pulmão, dentre elas o óxido nítrico, que desempenha importante papel nesse mecanismo. 6,7 Capilares dilatados, associados a débito cardíaco aumentado, presente em disfunções hepáticas sem cardiopatia ou pneumopatia, t m como consequ ncia um desequilíbrio na relação ventilação‑perfusão, provocando hipoxemia ou aumento da diferença alveoloarterial de oxig nio (D(A-a)O 2 ). As DVP podem ser identificadas por meio do ecocardiograma transtorácico com contraste (ETTc) de microbolhas. Embora essa técnica seja considerada o método diagnóstico padrão, 8 tem limitações devido a janela inadequada ou falso‑positivo para o diagnóstico de DVP, pela presença de shunt esquerda-direita através de forame oval patente (FOP). 9 O ecocardiograma transesofágico com contraste (ETEc) de microbolhas tem possibilitado melhor definição de imagem e maior acurácia diagnóstica que o ETTc na identificação e graduação das DVP em cirróticos. 10-12 Adicionalmente, possibilita a identificação precisa e direta do FOP, ao verificar o aparecimento precoce das microbolhas no átrio esquerdo através do pertuito. Embora alguns estudos tenham descrito o uso do ETTc em pacientes com EHE, 4 não há relatos de uso do ETEc nesses indivíduos. Considerando-se o melhor desempenho diagnóstico do ETEc na detecção da DVP em cirróticos, foi proposto o presente estudo para estabelecer o papel do ETEc na identificação e quantificação das DVP na EHE e comparar com os resultados obtidos pelo ETTc. Métodos Pacientes Inicialmente, 29 pacientes com diagnóstico prévio de EHE semhipertensão pulmonar sob tratamento emhospital terciário foram avaliados com o objetivo de investigar a presença da SHP, incluindo a detecção de DVP ao ETTc. Todos tinham critérios epidemiológicos, clínicos (hepatoesplenomegalia), laboratoriais (presença de ovos de Esquistossoma mansoni nas fezes ou biópsia retal) e ultrassonográficos (fibrose de Symmers) para o diagnóstico de EHE. A função hepática estava relativamente preservada em todos, apenas um paciente apresentava ascite caracterizada ao exame clínico. Sete pessoas foram excluídas inicialmente: duas por esplenectomia prévia, duas por doença pulmonar, uma por cirrose hepática, uma por trombose de veia porta e uma por imagem ecocardiográfica inadequada para avaliação. Após o ETEc, foram excluídos mais tr s pacientes pela presença de FOP, sendo a análise final realizada em 19 indivíduos, que constituíram o grupo de estudo com EHE (GEHE). Dezessete pacientes (89%) apresentavam varizes esofageanas à endoscopia, tratadas com escleroterapia prévia. Nenhum paciente tinha disfunção ventricular esquerda, valvopatia, doença arterial coronariana suspeita ou comprovada ou cardiopatia cong nita associada. As características demográficas e clínicas do GEHE estão relacionadas na Tabela 1. Um grupo de 19 pacientes submetidos ao ETEc para pesquisa de eventos embólicos foi selecionado para controle dos graus de contraste com microbolhas, pareado por idade e sexo com o grupo EHE. Os indivíduos do primeiro grupo não apresentavam doenças hepática, cardíaca ou pulmonar nem FOP ao ETEc. Todos os indivíduos do GEHE e controles apresentavam ritmo sinusal estável, com fração de ejeção do ventrículo esquerdo normal (> 0,55), velocidade do refluxo tricúspide (VRT) inferior a 2,8 m/s 13 e aus ncia de sinais indiretos de hipertensão pulmonar. Todos os indivíduos assinaram o termo de consentimento esclarecido, e o protocolo de estudo foi aprovado pelo comit de ética da instituição. Avaliação clínica Os pacientes do GEHE foram submetidos a exames laboratoriais, que incluíram testes para avaliação da função hepática, gasometria arterial (posição sentada, repouso e em ar ambiente), ultrassonografia abdominal, endoscopia digestiva alta, radiografia de tórax e espirometria no intervalo máximo de 3 semanas em relação ao ETEc. A D(A-a)O 2 foi calculada por meio da fórmula: D(A-a)O 2 = [FiO 2 x (Pb-PH 2 O)-PACO 2 /R] - PaO 2 Em que FiO 2 é a fração inspirada de O 2 ; Pb é a pressão barométrica na cidade de São Paulo (690 mmHg); PH 2 O representa a pressão de vapor d’água a 37°C = 47mmHg; PACO 2 é a pressão alveolar de CO 2 , assumida como igual à PaCO 2 ; R é a razão de troca gasosa (V’CO 2 /V’O 2 ), sendo considerado o valor de 0,8. Analisou-se também a saturação de oxig nio (SatO 2 ). O diagnóstico da SHP foi estabelecido considerando-se a D(A-a)O 2 maior que 15 mmHg e/ou a PaO 2 inferior a 80 mmHg, 14 associada à presença de DVP caracterizada pelo exame ecocardiográfico com contraste de microbolhas. Ecocardiograma Todos os indivíduos do GEHE e do grupo-controle se submeteram inicialmente ao ETTc, seguido do ETEc. Foi utilizado equipamento HDI 7, Phillips Health Care, com transdutor 4 MHz para o ETTc e sonda esofágica multiplanar 3-7 MHz para o ETEc. Inicialmente, foi feita avaliação estrutural e funcional do coração ao ETTc, de acordo com as recomendações da ASE (American Society of Echocardiography). 15‑17 A fração de ejeção do ventrículo esquerdo foi calculada pelo método biplanar de 916

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