ABC | Volume 113, Nº5, Novembro 2019

Diretrizes Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Telemedicina na Cardiologia – 2019 Arq Bras Cardiol. 2019; 113(5):1006-1056 em que parte do processo de trabalho médico tal tecnologia pode agregar valor ao processo e à saúde do paciente. Além disso, faz-se necessário planejar a incorporação e desenhar a jornada de transformação digital do serviço de cardiologia, buscando garantir um nível elevado de adoção da tecnologia. A incorporação dessas tecnologias na prática clínica deve envolver, a priori, rigorosa avaliação de desempenho e o valor final para o paciente. Essa avaliação deve respeitar e seguir o processo vigente de avaliação de incorporação de novas tecnologias em saúde liderado pelo Ministério da Saúde, considerando todos os seus aspectos, normas e regulamentações. A incorporação deve ser baseada na evid ncia científica da geração de valor final para a saúde do paciente, na perspectiva do indivíduo exposto à tecnologia. Deve-se ter claro que a ferramenta de IA, uma vez incorporada, atua aumentando as capacidades do profissional, nunca o substituindo, e que as responsabilidades civis, criminais e em relação ao paciente e seu problema de saúde, permanecem com o médico assistente. 64 Recomenda-se que essa capacitação seja multiprofissional e interdisciplinar, voltada para a construção de serviços devotados à geração de valor final para o paciente. Sugere- se que os currículos médicos de cardiologia contemplem a inserção de conteúdos relacionados ao conhecimento técnico, desenvolvimento de compet ncia e técnicas de utilização de IA, e que os serviços de cardiologia estruturem um programa contínuo de capacitação profissional e formação de recursos humanos para gestão de incorporação, treinamento e adoção de novas tecnologias digitais em saúde. No atual momento, não há uma regulação específica sobre o uso da IA na área da saúde, porém alguns países como o Canadá, o Reino Unido e os Estados Unidos iniciaram as primeiras fases para planejar e implementar a regulamentação da IA na saúde. A União Europeia publicou um documento sobre seus aspectos éticos. 63 A acelerada transformação digital tem gerado reflexões sobre como equilibrar a adoção da tecnologia e dos sistemas digitais emergentes com valores éticos, morais, emocionais, sociais e, particularmente, ligados à segurança do paciente. 2. Usos e Aplicação da Telemedicina em Cardiologia 2.1. Telemedicina no Brasil Desde o advento da Sociedade da Informação no final do século 20, fruto da globalização e da utilização em larga escala de TIC, tornou-se premente o surgimento de inovações organizacionais, sociais, políticas e econ micas da sociedade, que requerem nova forma de aprender, ensinar e exercer as profissões. Omundo passou a se preocupar com os princípios da igualdade de oportunidades, participação e integração para que todos pudessem ter acesso e se beneficiar das aplicações da sociedade da informação. Na saúde, a Telemedicina teve importante avanço em todo o mundo, pois é vista classicamente como um conjunto de ações com enorme potencial para melhorar o acesso aos serviços de saúde, a qualidade do cuidado e sua efetividade, com menor custo. 65 Como uma marca do novo mil nio, evidenciamos o envelhecimento da população, o aumento das DCNT e a consequente necessidade de prover serviços de saúde por um tempo maior, com aumento do custo da saúde. Torna-se, portanto, fundamental a incorporação de soluções inovadoras, eficientes e eficazes como a Telemedicina e biotecnologia para promover a universalidade e integralidade do cuidado. As diversas ações de Telemedicina estão atualmente presentes em todos os continentes e, para seu sucesso, devem ser planejadas de acordo com a necessidade local. De acordo com Bashshur et al., 66 o sucesso dessas ações depende de tr s pilares: acesso, qualidade e custo. 66 Nos países desenvolvidos, representa uma alternativa aos métodos tradicionais, estando já presente como opção na saúde suplementar ou para resolver lacunas do sistema de saúde, mas sempre visando à integralidade do cuidado. Nos países em desenvolvimento, o acesso é o principal pilar, pois muitas vezes a Telemedicina pode ser a única opção em regiões onde não está disponível o cuidado especializado tradicional. No Brasil, o desenvolvimento da Telemedicina e telessaúde no sistema público de saúde iniciou sistematicamente a partir de 2006, com investimentos do Ministério da Saúde, Secretarias de Estado da Saúde e Secretarias Municipais de Saúde. O principal objetivo era o fortalecimento da Atenção Primária, em especial a Estratégia Saúde da Família de municípios remotos, por meio de teleconsultorias, telediagnóstico e teleducação. Se utilizados em larga escala, poderiam reduzir o encaminhamento de pacientes aos grandes centros, com consequente melhoria no acesso da população aos cuidados especializados e redução dos custos com a saúde. 67 Portanto, desde o início, a Telemedicina pública brasileira está ancorada nos princípios básicos do SUS de universalidade, equidade e integralidade. Pela universalidade, a saúde é um direito de todos e cabe ao Estado assegurá-lo. A equidade pretende diminuir desigualdades ou investir mais onde a car ncia é maior. A integralidade considera as pessoas como um todo, atendendo a todas as suas necessidades. 68 A telecardiologia, um dos ramos mais desenvolvidos da Telemedicina, por meio de suas múltiplas ações na promoção da saúde, prevenção de doenças, diagnóstico, tratamento e reabilitação, com impacto na melhora da qualidade de vida, pode ser considerada uma importante aliada do sistema de saúde, seja ele público, suplementar ou privado, para promover atenção à saúde integral e com qualidade. 2.2. Na Atenção Primária A Atenção Primária à Saúde (APS) envolve cuidados integrados e multidisciplinares e é a base para alcançar a saúde universal, de acordo com a OPAS, que também defende outros determinantes da saúde como a educação, alimentação, moradia, proteção financeira, água potável e ambientes seguros. 69 Para alcançar a saúde universal, é necessário transformar os sistemas de saúde, principalmente tornando a APS eficiente, integrada, organizada, com o paciente no centro do sistema. Ainda de acordo com a OPAS, estima-se que na região das Américas cerca de um terço da população não tem acesso a cuidados de saúde e que seriam 1023

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