ABC | Volume 113, Nº5, Novembro 2019

Diretrizes Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Telemedicina na Cardiologia – 2019 Arq Bras Cardiol. 2019; 113(5):1006-1056 Introdução Há mais de 26 anos, a SBC, com a publicação do Consenso sobre Cardiopatia Grave 1993, 2 edita regularmente diretrizes sobre os mais diversos temas da especialidade que norteiam a prática da cardiologia no Brasil. Em 1999, o Conselho Federal de Medicina (CFM), 3 em conjunto com a Associação Médica Brasileira (AMB), com o objetivo de auxiliar na decisão médica e, consequentemente, otimizar o cuidado aos pacientes, desencadearam um processo junto às Sociedades de Especialidade para a elaboração de Diretrizes Médicas baseadas nas evid ncias científicas disponíveis na atualidade. Portanto, o compromisso da SBC antecede a iniciativa da própria AMB, constituindo um dos objetivos societários, inclusive expresso em seu estatuto social. O CFM, por intermédio da Resolução CFM nº 1.642/2002, 4 à guisa de preservar a autonomia dos médicos, definiu que as empresas de seguro-saúde, de Medicina de grupo, cooperativas de trabalho médico, empresas de autogestão ou outras que atuem sob a forma de prestação direta ou intermediação dos serviços médico-hospitalares devem, em seu relacionamento commédicos e usuários, adotar diretrizes ou protocolos médicos somente quando estes forem elaborados pelas sociedades brasileiras de especialidades, em conjunto com a AMB. Nesse contexto, 5 em 2018, iniciaram-se as discussões sobre a atualização da regulamentação da Telemedicina pelo CFM. A Telemedicina pode ser contextualizada como o emprego de tecnologias de informação e comunicação (TIC) na saúde com o objetivo de ofertar serviços relacionados com a saúde em sua concepção ampla, desde a atenção primária às cirurgias robóticas, passando pela educação, através da ampliação da atenção da cobertura, em áreas remotas de umpaís continental. AOPAS e aOMS definirama Telemedicina como “a prestação de serviços de saúde remotos nos componentes de promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação, pelos profissionais de saúde que utilizam as tecnologias de informação e comunicação, que lhes permitem trocar dados como objetivo de facilitar o acesso e a oportunidade na prestação de serviços à população que tem limitações de fornecimento e acesso a serviços, ou ambos, em sua área geográfica”. A OPAS estimou que um terço da população das américas não tem acesso a cuidados de saúde e que seriamnecessários 800mil profissionais de saúde adicionais para atender às necessidades dos sistemas de saúde na região. 6 A Telemedicina, se aplicada em seu contexto amplo, poderia permitir o acesso e reduzir a iniquidade para essas populações, ofertando serviços de qualidade com suposto custo-efetividade, especialmente pelo aumento da preval ncia e da mortalidade das doenças cr nicas não transmissíveis (DCNT) nos países de baixa e média renda, dentre os quais o Brasil está situado. Acrescenta-se ainda, nesse contexto, o envelhecimento e adoecimento da população brasileira, o que transforma a Telemedicina em uma ferramenta importante que permitiria o enfrentamento dos desafios contemporâneos dos sistemas de saúde universais. 7 Para além das grandes possibilidades e aplicações da telemedicina, é necessário que avaliações rigorosas de projetos de telemedicina sejam realizadas não só porque todos os sistemas de saúde enfrentam desafios de sustentabilidade financeira que não se restringem somente aos investimentos nas intervenções de saúde, mas também pela pouca evid ncia clínica disponível, especialmente nos ditames atuais damedicina baseada emvalor. Esse tema se reveste de grande importância sendo motivo de várias publicações da OMS. Como exemplo, o Digital Health Atlas , 8 um repositório global virtual para apoiar os governos no monitoramento e coordenação de investimentos digitais, o “BeHe@lthy, BeMobile” (BHBM) 9 , para prevenção e controle das DCNT, o mHealth Assessment and Planning for Scale (MAPS) , manual paraMonitoramento e Avaliação da Saúde Digital 10 cujo objetivo é fortalecer a pesquisa e implementação da saúde digital, entre outros. Esses documentos culminaram na publicação, em 17 de abril de 2019, da primeira diretriz sobre intervenções de saúde digital da OMS. 11 Esta diretriz de Telemedicina aplicável à cardiologia tem como principal objetivo, além de atualizar a diretriz publicada sobre o tema em 2015, responder às seguintes questões: Existe suporte legal e ético para o emprego da Telemedicina no Brasil? Existem condições técnicas para o emprego da Telemedicina no País? Qual a prioridade para sua incorporação no sistema de saúde? Para quais modalidades de emprego há evid ncia científica de qualidade para suportar sua prática? Nas modalidades onde existem evid ncias mais robustas para sustentar à prática, o custo-efetividade justifica seu emprego? Qual seria o impacto orçamentário? A rede assistencial no Brasil tem capacidade de prover o atendimento de forma integral? Essa diretriz, em consonância com as orientações da OMS, 11 preconiza que a implementação da Telemedicina deve ser um processo planejado que preveja: a viabilidade da cobertura da rede para acesso a lugares remotos, a construção do arcabouço legal e jurídico para sua efetivação, o impacto orçamentário e a avaliação de custo-efetividade de execução de cada etapa do projeto, além da elaboração de indicadores do continuum clínico da aplicabilidade para segurança dos usuários. A Telemedicina pode representar uma ferramenta potencial para melhorar a prestação de serviços de saúde, embora não seja isenta de riscos e desafios para sua execução e avalição do impacto real de seus benefícios. Desse modo, os autores apresentam uma súmula das recomendações no capítulo final, que foram baseadas nas evid ncias atuais, procurando nortear as discussões que certamente irão permear a democratização dos serviços de saúde integrais, especialmente das ações de Telemedicina como ferramenta para ampliar a universalidade e integralidade do Sistema Único de Saúde (SUS), recomendações também extensivas à saúde suplementar. Brasil, junho de 2019. Dr. Marcelo Antonio Cartaxo Queiroga, FESC, TEC-SBC Presidente-Eleito da Sociedade Brasileira de Cardiologia Diretor do Departamento de Cardiologia Intervencionista do Hospital Alberto Urquiza Wanderley, João Pessoa, PB, Brasil Membro Titular da Academia de Medicina do Estado da Paraíba Dra. Gláucia Maria Moraes de Oliveira, FACC, FESC, TEC-SBC Professora Associada de Cardiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Coordenadora do Programa de Pós-Graduação de Cardiologia da UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil Presidente da Federação das Sociedades de Cardiologia de Língua Portuguesa (2015-2016) 1013

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