ABC | Volume 113, Nº4, Outubro 2019

Artigo Original Francisco et al. Tabagismo e alimentação não saudável Arq Bras Cardiol. 2019; 113(4):699-709 Introdução Os fatores comportamentais de risco são responsáveis pela maioria das mortes por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) 1,2 epor partedasdoenças oriundasdessas enfermidades. 3-5 Dentre esses fatores destacam-se o tabagismo, consumo abusivo de bebidas alcoólicas, alimentação inadequada, inatividade física, obesidade, dislipidemias, ingestão excessiva de gorduras de origem animal e ingestão insuficiente de frutas e hortaliças. 6,7 De acordo com estudo realizado em 52 países, os referidos fatores, juntamente com a hipertensão arterial, diabetes mellitus e estresse psicossocial, respondem por 90% e 94% do risco atribuível populacional para doenças cardiovasculares entre homens e mulheres, respectivamente. 8 Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) atribuem ao tabagismo seis milhões de mortes/ano. O consumo insuficiente de frutas/hortaliças responde anualmente, por 2,7 milhões de mortes e por 31% das doenças isquêmicas do coração, 11% das doenças cerebrovasculares e 19% dos cânceres gastrointestinais ocorridos no mundo. 9 No Brasil, a despeito da redução do percentual de fumantes nos últimos anos, 10,11 inquéritos populacionais de saúde têm apontado maior prevalência de tabagismo em adultos (40 a 59 anos) e naqueles com menor escolaridade. 10-12 A prevalência de consumo de alimentos não saudáveis é elevada, 10,13,14 principalmente entre os homens, os jovens e os indivíduos com menor nível de instrução. 13,14 As DCNT decorrem de múltiplas causas que atuam simultaneamente e resultam em efeitos que podem ser distintos. 5 Estudos apontam que o acúmulo de dois ou mais fatores de risco modificáveis eleva a ocorrência de DCNT, 8,15,16 de doenças cardiovasculares 8 e também se relaciona à mortalidade total e por causas específicas. 1,2 Os comportamentos de risco são ações prejudiciais que aumentam a probabilidade de doença ou impedem a recuperação da saúde. 17 Portanto, os fatores de risco comportamentais, também denominados modificáveis, são causas componentes que contribuem para a elevação da incidência de morbimortalidade por doenças cardiovasculares, diabetes mellitus e neoplasias entre adultos e idosos. 1,5,15 O maior impacto da exposição a esses fatores é observado em idades mais avançadas, no entanto, sinais iniciais de alterações nas condições de saúde ocorrem, mais frequentemente, a partir dos 40 anos. 18,19 O Brasil possui cerca de 114 milhões de pessoas com idade entre 18 e 59 anos. A prevalência simultânea do tabagismo e alimentação não saudável ainda é pouco descrita na literatura. Exposições a fatores de risco comportamentais como o tabagismo e principalmente a alimentação inadequada se iniciam precocemente, 16,18 consolidando-se na vida adulta 13 com reflexos na saúde nas diversas fases da vida. O objetivo do estudo foi estimar a coocorrência de tabagismo e alimentação não saudável na população adulta brasileira e verificar sua associação com características sociodemográficas e indicadores de saúde. Métodos Estudo transversal de base populacional com a população adulta (18 a 59 anos) residente nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. Os dados se referem aos registros de 28.950 indivíduos entrevistados pelo inquérito telefônico Vigitel em 2014. Estabeleceu-se um tamanho amostral mínimo de 1.500 indivíduos em cada cidade para estimar a frequência de qualquer fator de risco na população adulta, 20 considerando um coeficiente de confiança de 95% e erro máximo de cerca de três pontos percentuais. 7 A coleta de dados foi realizada em três etapas: a primeira consiste no sorteio sistemático de pelo menos cinco mil linhas telefônicas. Este sorteio, sistemático e estratificado por código de endereçamento postal (CEP) foi realizado pelo cadastro eletrônico de linhas residenciais fixas das empresas telefônicas. Em seguida, as linhas sorteadas em cada uma das cidades foram ressorteadas e divididas em réplicas de 200 linhas, cada réplica reproduzindo a mesma proporção de linhas por CEP do cadastro original. Na terceira etapa da amostragem realizou-se o sorteio de um dos adultos residentes no domicílio selecionado, após a identificação, entre as linhas sorteadas, das elegíveis para o sistema. Nessa etapa excluíram‑se as linhas empresariais, fora de serviço ou inexistentes, assim como os números que não responderam a seis ligações realizadas em horários/dias variados, incluindo sábados e domingos e períodos noturnos 7 (Figura 1). Para compensar o viés da não cobertura universal de telefonia fixa foram usados fatores de ponderação. Por meio do uso de um peso pós-estratificação, calculado com base em 36 categorias de análise por sexo (feminino e masculino), faixa etária (18-24, 25-34, 35-44, 45-54, 55-64 e ≥65 anos) e nível de instrução (sem instrução ou fundamental incompleto, fundamental completo ou médio incompleto, médio completo ou superior incompleto e superior completo), as estimativas foram ajustadas à população. No cálculo do peso pós-estratificação de cada indivíduo da amostra foi usado o método ‘rake’. Informações sobre o desenho amostral do Vigitel e sobre o instrumento de coleta de dados, bem como dos procedimentos realizados nas entrevistas estão publicadas. 7 Neste estudo, a coocorrência de tabagismo e alimentação inadequada foi considerada como variável de interesse. Para o tabagismo, considerou-se fumante o indivíduo que respondeu positivamente à questão: “Atualmente, o(a) sr.(a) fuma?”, independente do número de cigarros, da frequência e da duração. O indicador de alimentação não saudável foi elaborado a partir de um conjunto de alimentos marcadores de perfil de consumo associado à proteção para doenças crônicas (feijão, frutas, leite e hortaliças cruas e cozidas) ou de risco (carnes vermelhas, doces, refrigerante ou suco artificial). Dependendo do alimento e da frequência de consumo, foram atribuídas pontuações que variavam de zero a quatro. Os alimentos marcadores de perfil de proteção ingeridos diariamente e os de perfil de risco nunca ou quase nunca consumidos, não foram pontuados (zero). A pontuação máxima (4 pontos) foi atribuída para os alimentos de proteção, nunca ou quase nunca consumidos e também para aqueles considerados de risco ingeridos diariamente (Tabela 1). O escore total foi representado pela soma dos itens alimentares, variando de 0 a 32 pontos, ou seja, quanto maior a pontuação, pior a qualidade da alimentação. Esta nova variável foi então categorizada considerando-se os tercis da distribuição. Em seguida, foram agrupados os indivíduos pertencentes aos 700

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