ABC | Volume 113, Nº4, Outubro 2019

Minieditorial Mill Determinantes sociais na hipertensão arterial Arq Bras Cardiol. 2019; 113(4):696-698 populacionais de menor escolaridade e renda, duas variáveis que estão representadas na classificação socioeconômica dos domicílios. Impressiona a associação da presença da doença com a baixa escolaridade. Enquanto que no segmento de maior escolaridade (ensino médio ou superior) a presença de HA foi constatada em 15,4% dos indivíduos, no segmento mais baixo (sem escolaridade) o número sobe para 44,6%, ou seja, a probabilidade de a doença ser encontrada era quase 3 vezes maior no segmento populacional com baixa escolaridade. Tendo em vista que escolaridade e renda são duas variáveis colineares na população brasileira, na análise multivariada a escolaridade a escolaridade saiu da modelagem, ficando apenas o nível socioeconômico como preditor independente de presença da doença. Entretanto, segundo o padrão brasileiro, tanto a escolaridade como a renda entram no modelo de classificação socioeconômica. O que ainda precisa ser mais bem investigado é a mediação entre variáveis socioeconômicas (escolaridade e renda) e pressão arterial. O ELSA-Brasil trouxe algumas pistas a respeito. 9 Os portadores de ancestralidade africana (pretos e pardos) apresentam pressão arterial mais alta e um incremento pressórico mais alto com a idade predispondo assim ao aparecimento de hipertensão na vida adulta. Não se sabe, entretanto, se essa diferença decorre desde o nascimento ou é mais tardia. Nosso grupo de pesquisa vem buscando respostas estudando crianças e adolescentes de diferentes raça/cor. Mostramos que escolares pré-púberes, apresentam valores pressóricos iguais, independente da raça/ cor. 10 As diferenças, portanto, aparecem mais tardiamente na adolescência ou, mais provavelmente, na vida adulta. Oestresse psicossocial poderia constituir um fator importante na elevação da pressão com a idade e, portanto, no aparecimento de hipertensão. 11 Isso poderia explicar, ainda que em parte, a relação inversa entre escolaridade/renda e prevalência de HA. Indivíduos situados na base da pirâmide social viveriam em maior grau de incerteza em relação ao seu futuro. A luta pela sobrevivência é maior e a rede de suporte social em relação a eventos adversos de vida (desemprego, eventos climáticos adversos, como a seca prolongada no sertão) é menor na base da pirâmide e isso determinaria uma carga alostática de maior intensidade nesses indivíduos (aumento da atividade simpática, ativação do eixo hipotálamo-adrenal- cortisol, atenuação da função vagal) contribuindo para incremento pressórico de maior amplitude ao longo do tempo e contribuindo para o aparecimento mais precoce da doença hipertensiva. Mesmo sem ainda compreendermos onde estaria a desregulação inicial que levaria à hipertensão essencial, essa cadeia de eventos poderia explicar os achados descritos por Santiago et al. 8 e outros autores. Esse raciocínio poderia explicar, em tese, o pequeno decréscimo da prevalência da HA no Brasil descrito por Picon et al. 12 em metanálise com base em estudos de base populacional com medida direta da pressão arterial. 12 Vale ressaltar que nestametanálise a quase totalidade de estudos foram feitos em cidades das regiões Sul e Sudeste do Brasil, onde o grau de escolaridade da população vem melhorando nas últimas décadas. Independentedomecanismo, os dados descritos napopulação brasileira mostrando relação inversa entre escolaridade e HA impõem um desafio adicional no enfrentamento do problema. Uma vez diagnosticada, a doença deve ser tratada. Nesta etapa, a adoção de hábitos saudáveis de vida é mandatória em relação à alimentação (rica emcereais integrais, frutas e legumes frescos), atividade física e abandono do tabagismo e consumo abusivo de álcool. Se tais medidas são insuficientes para normalização da pressão, então o uso de medicamentos insere-se como medida eficaz. Entretanto, vários fatores contribuem para que, tanto a adoção de hábitos saudáveis, como o uso demedicamentos, seja mais difícil para indivíduos situados nos extratos socioeconômicos mais baixos. Ou seja, aqueles que sãomais afetados pela doença vão dispor demenos condições para tratá-la. Os medicamentos, apesar de eficazes, devem ser usados de forma correta, pois seu uso inadequado pode trazer mais malefícios que benefícios. Considerando que a porta de entrada para o diagnóstico e tratamento da HA em nosso país é o setor de atenção primária, representado pelas Unidades de Atenção Básica, é imprescindível o treinamento de todas as equipes de saúde, envolvendo médicos, enfermeiros, nutricionistas, etc., para que a eficácia dos tratamentos à população hipertensa se torne a mais homogênea possível, isto é, independente de fatores socioeconômicos. Por outro lado, os dados apontam para um fato de grande significado. A melhoria da escolaridade traz benefícios à saúde de modo geral e, particularmente, para o enfrentamento das doenças crônicas, como é o caso da HA. Investimentos em educação rebatem de modo favorável na saúde da população. 1. Mills KT, Bundy JD, Kelly TN, Reed JE, Kearney PM, Reynolds K, Chen J, He J. Global disparities of hypertension prevalence and control: A systematic analysis of population-based studies from 90 countries. Circulation. 2016;134(6):441-50. 2. Mochizuki K, Hariya N, Honma K,Goda T. Relationship between epigenetic regulation, dietary habits, and the developmental origins of health and disease theory. Congenit Anom (Kyoto). 2017;57(6):184-90. 3. Kokubo Y, Padmanabhan SP, Iwashima Y, Yamagishi K, Goto A. Gene and environmental interactions according to the components of lifestyle modifications in hypertension guidelines. Environ Health Prev Med. 2019;24:19. 4. Russo A, Di Gaetano C, Cugliari G, Matullo G. Advances in the genetic of hypertension. The effect of rare variants. Int J Mol Sci. 2018;19(3),Pii:E688. 5. Malachias MVB, Souza WKSB, Plavnik FC, Rodrigues CIS, Brandão AA, Neves MFT e cols. 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Arq Bras Cardiol. 2016;107(3 supl 3):64-6. 6. MaltaDC,GonçalvesRPF,MachadoIE,FreitasMIF,AzeredoC,SzwarcwaldCL. Prevalence of arterial hypertension according to different diagnostic criteria, National Health Survey. Rev Bras Epidem. 2018;21(Suppl 1):e180021. 7. Meyerfreund D, Gonçalves C, Cunha R, Pereira AC, Krieger JE, Mill JG. Age-dependent increase in blood pressure in two different Native American communities in Brazil. J Hypertens. 2009;27(9):1753-60. Referências 697

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