ABC | Volume 113, Nº4, Outubro 2019

Editorial Colafranceschi Economia comportamental e adesão à inovação Arq Bras Cardiol. 2019; 113(4):664-666 Ainda, existe uma resistência à telemedicina por parte dos profissionais. 2 A telemedicina envolve agentes multidisciplinares, incluindo profissionais da saúde de várias disciplinas, experts em tecnologia da informação e comunicação, administradores e políticos. A adoção dessa tecnologia requer a reformulação dos processos de trabalho em seus múltiplos aspectos que geram tensões e conflitos. Os médicos, emgeral, não são treinados para fazeremparte de um time e tendema se comportar como chefes, o que pode aumentar a tensão entre os membros. Além disso, a telemedicina muda a típica relação médico-paciente, o que demanda umprocesso de aceitação, por todos, damediação feita pela tecnologia. Mais que isso, os médicos acreditam que essas tecnologias possam constituir uma prática médica insegura, em parte pela inviabilidade de se realizar umexame físico à distância. Superar barreiras culturais profissionais e institucionais é um passo importante no processo de disseminação e consolidação da telemedicina. Finalmente, o reembolso é outra questão; os médicos se sentirão pressionados a cuidar de ummaior número de pacientes, dedicando menos tempo para cada paciente, e recebendo menor taxa de reembolso. A.3) Pacientes: o que eles desejam? Será que estão dispostos a negociar? Consumidores como parte interessada Pela perspectiva do paciente, apesar de a telemedicina proporcionar um valor adicional à sua necessidade, bem como um acesso à saúde com menor custo, como consumidor da saúde, é possível que se recuse a comprar o produto “inovador” por esse demandar uma mudança de comportamento. 5 Apesar do menor custo em termos financeiros, existem custos psicológicos associados a mudanças de comportamento: as pessoas normalmente supervalorizam os benefícios que já possuem em relação àqueles que não possuem, de maneira irracional. 6 B) Economia comportamental e a adoção da inovação A compreensão da psicologia dos ganhos e perdas, e mais profundamente, dos conceitos de aversão à perda, viés do status quo , e o efeito de dotação, 4,6 associados ao porquê do fracasso da adoção da inovação, 5 pode ajudar na criação de soluções específicas em que a telemedicina seja aceita por fornecedores e desejada pelos pacientes. 7 Exemplos de abordagens relacionadas à telemedicina que possam promover benefícios à sociedade e, ao mesmo tempo, serem justas para os médicos estão descritos a seguir: B.1) Desenvolver produtos que sejam compatíveis em termos comportamentais: o desenvolvimento e a incorporação de sensores móveis podem oferecer um senso de segurança que esteja faltando nos médicos à distância. Se o indivíduo pudesse confiar nesse tipo de dispositivo para dar feedback de um exame físico “remoto”, os médicos se sentiriam mais seguros em orientar e opinar sobre a condição de um paciente por meio da tecnologia. Isso possivelmente minimizaria a resistência à telemedicina pelos médicos. B.2) Buscar indivíduos carentes (sem acesso à saúde): a telemedicina temo potencial de solucionar importantes desafios atuais. Além da extensão territorial do Brasil, existem milhares de localidades isoladas, de difícil acesso, onde os serviços e profissionais de saúde são extremamente escassos. Alguns médicos são enviados para trabalhar em áreas remotas (médicos militares). O incentivo ao desenvolvimento da infraestrutura necessária para a implementação da telemedicina em áreas remotas abrirá as portas para comunidades terem acesso não somente à saúde como também a outros recursos, como a educação. Isso promoverá ganhos secundários como o progresso da economia local e regional, e poderá atrair médicos e seus familiares a viverem em lugares que, em outras circunstâncias, não seriam seus lugares de escolha para morar. B.3) Encontrar indivíduos que acreditamna telemedicina ( Millenials , ou geração Y): de acordo com Ripton, 8 a geração Y está mudando o cuidado em saúde, ao exigir soluções tecnológicas para o provimento dos serviços de saúde. O desenvolvimento de soluções tecnológicas voltadas a essa população poderia acelerar e sustentar a adoção da telemedicina não só no Brasil como em outros países. A demanda por parte da geração Y faria com que os médicos se adaptassem ao cuidado mediado por tecnologia (e o incorporassem) para se manterem competitivos no mercado. B.4) Lutar por melhorias 5 : os benefícios promovidos pela telemedicina seriam tão significativos que superariam possíveis perdas temidas por médicos e pacientes. Além de conferir eficiência e reduzir custos, a telemedicina tem o potencial de expandir as ações dos profissionais de saúde, integrando-as aos serviços e sistemas de saúde. Ainda, pode-se explorar as economias potenciais e compartilhá-las com outros profissionais em um novo tipo de relação de trabalho e modelo de reembolso que possammelhorar a aceitação da telemedicina entre os médicos enquanto promove benefícios à sociedade. C) Outras considerações C.1) Aspectos éticos e legais na era digital: a tecnologia está evoluindo mais rápido que o esperado? Além do que foi discutido anteriormente, existe também uma falta de sincronização entre o enorme potencial dessas tecnologias e o aparato ético e legal atual. Ao contrário de uma política nacional abrangente, há um cenário de fragmentação, caracterizado pela existência de diferentes normas e padrões com diferentes focos, estabelecidos por variadas entidades. 3 Embora um único instrumento dificilmente alcançaria esses objetivos, a fragmentação é mais um obstáculo a ser superado para se atingir o potencial da telemedicina. C.2) Infraestrutura – os humanos são mais lentos que o esperado? Ainda, deve-se mencionar a escassez de recursos e competência técnica, bem como aspectos de infraestrutura. O Brasil possui uma distribuição geográfica desigual de disponibilidade de banda larga. 3 Isso significa que a 665

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=