ABC | Volume 113, Nº4, Outubro 2019

Editorial Economia Comportamental e Adesão à Inovação: Construindo Novas Habilidades para Superar Barreiras ao Cuidado Mediado pela Tecnologia Behavioral Economics and Innovation Uptake: Building New Capabilities to Overcome Barriers to Technology-Enabled Care Alexandre Siciliano Colafranceschi 1,2,3 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 1 Rio de Janeiro, RJ – Brasil Instituto Nacional de Cardiologia, 2 Rio de Janeiro, RJ – Brasil Hospital Pró-Cardíaco, 3 Rio de Janeiro, RJ – Brasil Correspondência: Alexandre Siciliano Colafranceschi • Instituto Nacional de Cardiologia - Cirurgia Cardíaca - Rua das Larangeiras, 374. CEP 22240-002, Rio de Janeiro, RJ – Brasil E-mail: alexandre.siciliano@gmail.com Palavras-chave Telemedicina/economia; Telemedicina/legislação e jurisprudência; Telemedicina/tendências; Política Nacional de Ciência; Tecnologia e Inovação emSaúde; Telemedicina/métodos. DOI: 10.5935/abc.20190216 Introdução O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou recentemente uma nova resolução sobre o uso da telemedicina no Brasil. A resolução número 2227 de 2018, que estabelece os critérios para o uso da telemedicina, foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) em 6 de fevereiro de 2019. 1 Essa nova resolução, que definiu a telemedicina como uma maneira de oferecer serviços médicos por meio da tecnologia, é bemmais agressiva que a anterior publicada em 2002. Essa limitava o uso da telemedicina a consultas médicas realizadas por telefone ou internet, e exigia a presença de um profissional da saúde em cada uma das pontas do canal de comunicação. A resolução atual expandiu o conceito da telemedicina em prover soluções tecnológicas para o monitoramento e tratamento remoto (prescrição de medicamentos e intervenções cirúrgicas) dos pacientes, e análise de resultados laboratoriais. Contudo, logo após sua divulgação, o novo documento causou intensa discussão pública sobre o tema, dividindo partes a favor e contra a prática da telemedicina em todo o país. O debate foi tão intenso, que o Conselho Federal de Medicina revogou a resolução, conforme publicado do DOU em 6 de março de 2019. 2 A revogação da resolução após intensa discussão da sociedade indica os grandes desafios acerca da implementação no Brasil do cuidado em saúde mediado pela tecnologia. Esse debate não deveria ser o fim, e sim o início de uma mobilização social para remodelar o uso da tecnologia conectada na saúde no país. Para vencer as barreiras à adesão do cuidado mediado por tecnologia no Brasil, deve-se compreender melhor a posição das partes interessadas, bem como considerar o meio político e cultura, as bases legais e éticas, e a infraestrutura de tecnologia disponível. 3 É fundamental um entendimento mais abrangente do cenário atual para que o cuidado mediado pela tecnologia possa se ajustar às necessidades dos brasileiros, e abordagens criadas possam não só beneficiar a sociedade como serem aceitas por médicos e outras partes interessadas. Objetivos Trata-se de um artigo exploratório, cujo objetivo é apresentar uma visão pessoal de potenciais barreiras para a incorporação e disseminação da telemedicina no Brasil. Outro objetivo é discutir abordagens para superar tais barreiras. A) Análise das partes interessadas ( stakeholders ) A.1) O Estado e a telemedicina – O governo como parte interessada Do ponto de vista político, as iniciativas governamentais em relação à telemedicina foram tomadas principalmente pelo Ministério da Saúde e criadas para promover o seu uso na expansão e melhoria dos serviços de saúde. No entanto, as dimensões envolvidas encontram-se além dos limites estabelecidos pelo Ministério da Saúde. É necessária uma ação efetiva interministerial para estimular a economia (inovação e eficiência econômica) e a dimensão social (interesse da população e igualdade) para impulsionar a telemedicina em direção à expansão e melhoria do cuidado em saúde. A.2) Desafiando o “ status quo ” – Fornecedores como parte interessada: instituições, médicos e outros profissionais A cultura é outro fator limitante na disseminação da telemedicina do ponto de vista das instituições, médicos e outros profissionais. Desde a necessidade de se ajustar ao novo processo de trabalho, à desafiadora relação entre estrutura de poder e estrutura profissional, a adoção de uma nova tecnologia pode gerar grande resistência. A resistência à mudança é impulsionada pelos conceitos de aversão ao risco 4 e incertezas comumente relacionadas à introdução de uma “nova maneira de se fazer as coisas”. Por outro lado, o cuidado viabilizado pela tecnologia pode superar o obstáculo de acesso imposto pela distância (especialmente em um país de dimensão continental como o Brasil), com ganhos esperados com tecnologias da informação e da comunicação, ou seja, aumentando o acesso e reduzindo-se os custos. No entanto, a interdependência entre a telemedicina e a organização dos serviços de saúde em direcionar novos investimentos pode causar uma mudança na arena de poder. Tais complexidades e incertezas impõem uma barreira importante à disseminação de novas tecnologias. 664

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