ABC | Volume 113, Nº3, Setembro 2019

Artigo Original Santos et al. Hipertensão arterial em comunidades quilombolas Arq Bras Cardiol. 2019; 113(3):383-390 Introdução Os quilombolas são grupos formados por indivíduos com ancestralidade negra, emdecorrência da descendência africana, traficados para o Brasil entre os séculos XVI e XIX. Eles vieram para trabalhar nos engenhos de forma escravizada e em condições de vida precárias. Após a abolição da escravidão surgiram inúmeras comunidades quilombolas no Brasil; atualmente existem 2.958 comunidades em todo o país, sendo 35 no estado de Sergipe. Os estados de Bahia, Maranhão, Pará, Minas Gerais e Pernambuco têm maiores números de comunidades em seus territórios. 1 As terras delimitadas como territórios quilombolas garantem a reprodução física, social, econômica e cultural dos remanescentes dos quilombos. 2 As comunidades quilombolas estão inseridas em um contexto de vulnerabilidade social devido ao baixo nível socioeconômico, influenciando diretamente a assistência à saúde e o desenvolvimento de doenças crônicas. 3 Estudos têm apontado que a hipertensão arterial sistêmica (HAS) em populações quilombolas é uma das doenças mais relevantes, podendo estar associada a fatores genéticos. Porém, estudos brasileiros não conseguiram associar o polimorfismo genético à elevação dos níveis pressóricos nos quilombolas, o que pode estar relacionado com a intensa miscigenação brasileira. 4,5 A prevalência da HAS nas comunidades quilombolas tem variado entre 38,4% 6 e 45,4%, 7 representando um índice percentual maior que o da população geral do Brasil. 8 Os fatores de risco para desenvolvimento e agravo da hipertensão arterial são doenças como dislipidemia, obesidade abdominal, intolerância à glicose, diabetes melito (DM), além de fatores modificáveis como os determinantes socioeconômicos e o acesso inadequado aos cuidados de saúde. 9 A HAS pode ocasionar danos permanentes aos indivíduos mediante o desencadeamento de doenças cardiovasculares, cerebrovasculares e renais. 10 Dessa maneira, o objetivo do presente estudo foi identificar a prevalência de HAS e sua associação a fatores de risco cardiovasculares na população quilombola do estado de Sergipe, Brasil. Métodos Desenho do estudo e amostra Trata-se de umestudo transversal, realizado emcomunidades quilombolas do estado de Sergipe, Brasil, no período de setembro de 2016 a abril de 2017. O delineamento amostral foi realizado por meio de seleção aleatória das comunidades quilombolas, mediante a proporção existente da população das comunidades. Esses dados foram cedidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). 1 Aplicou-se seleção aleatória amostral por agregados ( clusters ) em duas etapas. Existem 35 comunidades quilombolas registradas no estado de Sergipe, distribuídas em oito territórios, dos quais quatro foram selecionados aleatoriamente. Desses quatro territórios, 15 comunidades foram selecionadas aleatoriamente de um total de 19. Estimou-se uma taxa de adesão voluntária entre 15% e 20% da população adulta. Para cada etapa, uma vez criado o registro dos territórios e das comunidades quilombolas, utilizou-se o procedimento de amostragem aleatória sem substituição ( random sampling without replacement ) em programa estatístico Stata ® , versão 15.1. As comunidades estudadas estão localizadas distante das sedes municipais, em áreas de difícil acesso. Algumas comunidades (Resina e Pontal da Barra) margeiam o principal rio da região e o mar, respectivamente. As demais comunidades (Mocambo, Canta Galo, Pirangy, Terra Dura, Forte, Caraíbas, Bongue, Patioba, Ladeiras, Alagamar, Aningas e Quebra Chifre) localizam-se entre grandes áreas particulares de terras. A comunidade quilombola Maloca é a única que está localizada em área urbana dentre as demais comunidades existentes no estado. 1 A população-alvo da pesquisa, de acordo com os registros oficiais, 1 foi estimada em 1.979 indivíduos adultos, habitantes das 15 comunidades quilombolas. Para o cálculo do tamanho amostral, utilizou-se o programa G*Power 3, 11 respeitando os seguintes parâmetros: poder, 80%; alfa bicaudal, 0,05; padrão de distribuição de covariáveis, log normal; correlação potencial entre preditores, 0,80; prevalência esperada da hipertensão arterial na população geral (20,4%). 8 De acordo com esses parâmetros, cerca de 350 indivíduos seriam necessários para se detectar odds ratio ≥ 1,5 para diferenças entre preditores categóricos, em análise logística de regressão múltipla. Como objetivo de preservar essas características em situação de eventual presença de dados faltantes, aumentou-se o tamanho amostral em cerca de 10%, totalizando 390 indivíduos. Os critérios de inclusão adotados para seleção dos indivíduos foram: idade ≥ 18 anos; e estar cadastrados como quilombolas nas comunidades às quais pertenciam e no Incra. Os critérios de exclusão foram: realização de exercícios físicos nos últimos 60 minutos; ingestão de bebidas alcoólicas, café ou alimento; uso de cigarro ou consumo de outras substâncias nos 30 minutos que antecedessem a aferição da pressão arterial; estado de gestação; e, ainda, ter membros superiores amputados. Coleta dos dados clínicos e sociodemográficos Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais. Os entrevistadores foram capacitados para tal procedimento. O instrumento de entrevista utilizado foi um questionário semiestruturado adaptado dos seguintes estudos: Manual de alimentação saudável 12 e Manual de avaliação da efetividade do programa de educação física no Brasil , 13 ambos do Ministério da Saúde; Política Nacional por Amostra de Domicílios; 14 critério de classificação econômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), que divide a sociedade entre classes econômicas A, B1, B2, C1, C2, D-E, segundo parâmetros de itens presentes no domicílio, escolaridade e serviços públicos disponíveis. 15 As questões relacionadas com drogas lícitas e ilícitas foram baseadas na versão brasileira do teste de triagem do envolvimento com álcool, cigarro e outras substâncias (ASSIST). 16 O histórico de doenças foi baseado nas perguntas das internações hospitalares por condições sensíveis à atenção primária. 17 384

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