ABC | Volume 113, Nº3, Setembro 2019

Artigo Original Figueiredo et al. Febre reumática: uma doença sem cor Arq Bras Cardiol. 2019; 113(3):345-354 pode levar ao sobrediagnóstico. Embora controversas, as evidências suportam uma ligação entre lesões valvares leves, detectadas pela ecocardiografia, e cardiopatia reumática, particularmente as taxas de detecção de casos substancialmente mais altas dessas lesões em populações com risco de febre reumática aguda. 31 O controle sustentado da doença reumática cardíaca a nível populacional requer um sistema de saúde altamente funcional, que atenda às necessidades das pessoas vulneráveis. Em ambientes de alta renda, a doença reumática cardíaca demonstra uma persistente desigualdade. 32 Por exemplo, os indígenas australianos no Território do Norte com menos de 35 anos são 122 vezes mais propensos a ter doenças reumáticas cardíacas do que seus pares não-indígenas na mesma região, reforçando que é fundamental um foco maior na prevenção e controle da DRC através do fortalecimento de programas existentes baseados em registros (ou o desenvolvimento desses programas onde estão ausentes) em países com alta carga de doença, melhorando os cuidados primários e aumentando a conscientização sobre a FRA e a DCR. Os governos, assim como os médicos, devem priorizar o controle da DRC para garantir o financiamento contínuo e o reconhecimento de grandes organizações regionais. 30 Em um cenário clínico desafiador caracterizado por altas taxas de FRA/DRC, como no Brasil, um estudo australiano mostrou uma melhora significativa no atendimento de pessoas com FRA/ DRC associada à implementação de um programa de melhoria contínua de qualidade (CQI, do inglês continuous improvement quality ), com base em princípios de pesquisa participativa. Os principais achados incluem melhoras nos principais indicadores de cuidados clínicos, incluindo a administração de injeções programadas de PGB, agendamento de injeções no intervalo recomendado de 4 semanas e revisão periódica da documentação por ummédico especialista, além de melhoras significativas na manutenção de registros, que também foram relacionados à FRA/DRC. 33 Outro estudo realizado em Bangladesh mostra que a febre reumática e as doenças reumáticas cardíacas são as doenças cardiovasculares mais comuns em jovens com menos de 25 anos de idade, e contribuem de forma importante para a morbidade e mortalidade cardiovascular. Também mostra que a DRC crônica continua a prevalecer, e a carga real da doença pode ser muito maior, indicando que pesquisas epidemiológicas e clínicas em larga escala são necessárias para formular políticas nacionais, baseadas em evidências, para abordar esse importante problema de saúde pública no futuro. 34 Como no Brasil, a DRC continua a exigir uma alta taxa de saúde e econômica nos países africanos, mas as medidas de prevenção e tratamento baseadas em evidências são atualmente subutilizadas. 35 Um passo inicial para o Brasil poderia ter como base o relatório do Comitê Social da Comissão da União Africana (AUC, African Union Commission – Social Committee ), que descreveu as ações a serem adotadas pelos governos para eliminar a FRA e erradicar a DRC: (a) criar registros prospectivos de doenças nas áreas sentinelas; (b) descentralização do conhecimento técnico e tecnologia para diagnóstico e manejo de FRA e DRC (incluindo ecocardiografia), (c) estabelecimento de centros nacionais e regionais de excelência para cirurgia cardíaca, e (d) promoção de parcerias internacionais para mobilizar recursos e conhecimento. 36 Forças-tarefa preventivas já bem estabelecidas, com impacto de campanhas mundiais, inclusive no Brasil, são as campanhas Outubro Rosa e Novembro Azul. Destacamos que esses dois programas estão relacionados à prevenção da mortalidade por CM (câncer de mama) e CP (câncer de próstata), cuja magnitude se comporta de maneira semelhante à mortalidade por FRA e DRC. O Novembro azul ( Blue November ) começou com um movimento chamado Movember na Austrália em 2003, aproveitando as comemorações do Dia Mundial de Combate ao Câncer de Próstata, realizado em 17 de novembro, iniciando as atividades no Brasil em 2008. Apesar do apoio de várias entidades não-governamentais, o movimento, principalmente em seu aspecto relacionado ao câncer de próstata, é repudiado pelo Ministério da Saúde do Brasil e pelo Instituto Nacional do Câncer devido à falta de indicações científicas para a triagem. A história do Outubro Rosa ( Pink October ) remonta à última década do século XX. Em 1997, entidades das cidades de Yuba e Lodi, nos Estados Unidos, começaram efetivamente a celebrar e promover ações voltadas para a prevenção do câncer de mama, chamado Outubro Rosa. 37 Todas as ações foram e são direcionadas para a prevenção e diagnóstico precoce. De 1989 a 2015 (dados disponíveis mais recentes), a mortalidade por câncer de mama diminuiu em 39% (evitando mais de 320.000 mortes). 38 A primeira iniciativa vista no Brasil em relação ao Outubro Rosa foi em 2002, e atualmente tem uma grande disseminação em todo o país, onde há o envolvimento de equipes de saúde e da população. 12 A campanha contra a doença reumática cardíaca precisa de uma vontade política firme, impulsionada pela capacidade de conscientização e pelo esforço dos profissionais de saúde. Os princípios que fundamentam o controle dessa doença em países de alta renda podem não se aplicar aos países em desenvolvimento. Nesses países, onde os recursos financeiros dos serviços de saúde são significativamente escassos e a saúde muitas vezes é fornecida por organizações não‑governamentais (ONGs), a doença reumática cardíaca pode não ser percebida como uma prioridade. 39 Três abordagens bem-sucedidas originárias da América Central e do Caribe, em diferentes contextos econômicos e políticos, mostraram a eficiência das estratégias combinadas que consistem em educação e profilaxia primária e secundária. 31 Algumas iniciativas nesse sentido já foram realizadas no Brasil, como o programa PROVAR ( Rheumatic Valvular Diseases Screening Program ), sendo o primeiro programa de triagem ecocardiográfica em larga escala no Brasil, utilizando a ecocardiografia para estimar a prevalência de DRC latente em crianças assintomáticas entre 5 e 18 anos frequentando escolas públicas nas áreas carentes das cidades de Belo Horizonte, Montes Claros e Bocaiúva, no estado brasileiro de Minas Gerais. 40 352

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