ABC | Volume 113, Nº3, Setembro 2019

Atualização Atualização da Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2019 Arq Bras Cardiol. 2019; 113(3):449-663 prolonga o processo de morte e deixa em segundo plano a dignidade do paciente. Segundo a constituição de 1988, no Art. 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos no nosso Estado. Assim, para os pacientes com doenças incuráveis, deve ser dado o direito de morrer com dignidade, evitando- se as intervenções terapêuticas que lhes tragam mais dor e sofrimento, e que só prolonguem a morte. 1338 É por meio da prática da ortotanásia, que significa morte correta, que o direito de morrer com dignidade fica salvaguardado. A fim de regulamentar a prática da ortotanásia no âmbito das atividades desenvolvidas pelos médicos, o Conselho Federal de Medicina (CFM) brasileiro editou a resolução 1.805/2006, a qual dispõe sobre o conceito que o CRM tem de ortotanásia e estabelece os procedimentos para que ela seja aplicada. Na referida resolução, lê-se: “na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.” O médico tem a obrigação de esclarecer ao paciente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação. A decisão referida deve ser fundamentada e registrada em prontuário. É assegurado, ao doente ou a seu representante legal, o direito de solicitar uma segunda opinião médica. No Brasil, não há legislação específica acerca do direito à morte digna, a não ser a já referida resolução 1.805/2006 do CFM. Em outubro de 2007, a Justiça Federal suspendeu liminarmente os efeitos da resolução do CFM, sob a alegação de que a resolução não versa sobre o direito penal, mas sobre a ética médica e suas consequências. Após 3 anos, a Justiça Federal julgou improcedente a ação civil pública, e a resolução entrou novamente em vigor em dezembro de 2010. Na medicina atual, tem-se valorizado cada vez mais o fortalecimento da relação médico-paciente e a participação ativa do doente, seus familiares e de toda a equipe multidisciplinar de saúde na tomada de decisões transparentes, inclusive aquelas relacionadas aos cuidados e à assistência ao paciente terminal. 20.6. Diretrizes Avançadas Diretrizes avançadas são decisões previamente estabelecidas pelo paciente e a equipe, para nortear condutas a serem tomadas, caso ele esteja incapaz de opinar. A autonomia do paciente é respeitada, reduzindo as probabilidades de incorrer em dano ou futilidade. Ressalta-se que são condutas estabelecidas dentro de preceitos morais e legais, não podendo estar acima da constituição no país. Nos Estados Unidos, a constituição federal assegura aos cidadãos o direito de recusar um tratamento médico, incluindo a RCP. 1339 No Brasil atualmente não dispomos de recurso legal desta plenitude. 20.7. Situações Especiais 20.7.1. Suicídio Nesse contexto, vale a regra geral de iniciar prontamente as manobras de RCP e, em um segundo momento, fazer a avaliação completa, e o plano terapêutico clínico e psiquiátrico. O atendimento de uma PCR no contexto de uma tentativa de suicídio é passível de um dilema ético. Por um lado, valendo-se do princípio da autonomia, pode ser argumentado que uma tentativa de suicídio, por si só, é uma expressão de escolhas pessoais. Isso leva em conta que nem todo doente mental é incapaz de tomar decisões. Por outro lado, é claro que a saúde mental desses pacientes, bem como sua capacidade de escolha, dificilmente poderá ser avaliada com clareza em uma situação de emergência. 1340,1341 20.7.2. Ressuscitação Simbólica Por vezes, são iniciadas medidas de RCP de forma «simbólica», sem pressa e/ou omitindo condutas mais agressivas, dando à equipe médica e aos familiares a ideia de ter “feito algo”, e evitando potencial conflito. Isto é especialmente comum quando não há forte relação médico- paciente, e quando há uma clara falta de informação. Esta “ressuscitação simbólica” é igualmente enganosa e paternalista, e prejudica tanto a relação médico-paciente quanto a formação e a educação das equipes. 1342 Uma alternativa valiosa pode ser um “código sob medida”, onde RCP de alta qualidade pode ser realizada, mas com limites claros e pré-definidos. Neste cenário de transparência, o paciente, os familiares e a equipe estabelecem os benefícios de condutas futuras. 1343,1344 624

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