ABC | Volume 113, Nº3, Setembro 2019

Atualização Atualização da Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2019 Arq Bras Cardiol. 2019; 113(3):449-663 Diferentemente do modelo centrado no médico, dá-se preferência, atualmente, a ummodelo centrado no paciente, trazendo-o para a discussão e tomada de decisões em saúde. Isso nos obriga a reavaliar nossos preceitos éticos e alterar ou reafirmar linhas de conduta. Esta diretriz irá abordar os princípios básicos e as perspectivas, bem como atualização de suas bases legais. 20.2. Princípios Éticos Os pilares da ética médica constituem a base para fundamentar decisões de fim de vida e ressuscitação, são esses: a autonomia, beneficência, não maleficência e justiça. 1323-1325 20.2.1. Autonomia Representa a capacidade do indivíduo de governar a si próprio e fazer parte dos processos de decisões inerentes à sua saúde. Ganha importância em um cenário de condutas centradas no paciente. É um princípio universal na prática médica e que exige que o paciente esteja informado e apto a tomar decisões consistentes, baseado em suas crenças e valores. Para isso, é indispensável que o paciente seja munido de informações precisas e completas, sendo capaz de interpretar de forma realista seu cenário médico e as opções terapêuticas. 1326,1327 20.2.2. Não Maleficência Consiste na obrigação do médico de não causar dano ao paciente, em respeito ao axioma primum non nocere . O cenário da RCP exige do médico discernimento na aplicação de condutas salvadoras. Isso pode ser extremamente difícil no contexto da emergência, em que encontra-se geralmente munido de poucas informações. 20.2.3. Beneficência Fundamentado nas ações que forneçam benefícios ao paciente após ponderar riscos. Sua aplicabilidade encontra-se na realização de RCP em situações em que se preveja melhora do prognóstico e da qualidade de vida. 1328 20.2.4. Justiça Implica em distribuir recursos limitados de uma sociedade igualmente entre os seus membros. No contexto da ressuscitação, significa realizar RCP em todos aqueles que possam se beneficiar dela, considerando os recursos disponíveis. A interrupção das medidas de RCP por limitação financeira não é razoável, mas é ponderado que se considere o custo total de determina medida, principalmente quando o benefício é duvidoso, há relevante chance de não maleficência ou dano. 1326,1327 20.3. Futilidade Médica É fundamental na tomada de decisão médica a ponderação do real benefício ou futilidade de uma ação. Entender seu conceito, então, é de crucial importância. Schneiderman et al. 1329 definem uma ação fútil como aquela que não pode atingir os objetivos, não importando a frequência com que é repetida. A World Medical Association considera um tratamento fútil quando não oferece esperança razoável de cura ou melhora, ou ainda quando o paciente não é capaz de obter benefício, dada sua condição clínica. 1327 Medidas de RCP podem ser consideradas fúteis, quando a chance de sobrevivência com boa qualidade de vida é mínima. 1330 No entanto, algumas considerações são necessárias para sua compreensão. A definição de futilidade pode variar conforme os objetivos; por exemplo, uma ação pode ser fútil para a cura de uma doença, mas eficaz para realizar cuidados paliativos. Além disso, é necessário diferenciar futilidade de dano, que é uma ação cujas desvantagens superam os benefícios. Alguns autores classificam a futilidade em fisiológica e normativa. Na futilidade fisiológica, o tratamento tem pouca chance de atingir um determinado objetivo, e seu estabelecimento envolve um julgamento médico que leva em conta o objetivo terapêutico proposto e a probabilidade de sucesso. Alguns sistemas de pontuação de risco, como o Pre-Arrest Morbidity e o Prognosis After Resuscitation , podem auxiliar nesta definição, mas seus limites mostram-se muitas vezes arbitrários para determinar com exatidão a linha que divide o sucesso improvável da futilidade. 1331 Na futilidade normativa, as decisões levam em conta a qualidade de vida que o paciente teria se sobrevivesse a uma PCR. Assim, alguns fatores, por vezes subjetivos, tornam-se relevantes, de acordo com as preferências e crenças individuais. Dessa forma, uma ordem de não ressuscitar baseada na futilidade normativa não é uma decisão puramente médica. O entendimento de futilidade deve ser compartilhado com a equipe e amplamente esclarecido aos envolvidos, já que uma decisão de não iniciar ou de parar medidas de ressuscitação com base em futilidade não significa abandono. 1332,1333 20.4. Os Desfechos da Ressuscitação Cardiopulmonar A padronização de condutas e a educação em RCP são fundamentais para a otimização dos resultados, em termos de mortalidade e qualidade de vida. Evidências apontam que medidas de RCP implantadas efetivamente e precocemente podem aumentar a chance de sucesso em 50%. Para isso, é preciso o interesse das instituições de saúde e de gestão pública na implementação de políticas nesse âmbito. 1334,1335 A análise da efetividade torna-se mais complexa ao observarmos que uma pequena parte dos pacientes que retornam para circulação espontânea consegue chegar às unidades de terapia intensiva, sendo ainda menor o número dos que conseguem vir a ter alta hospitalar. 1336,1337 20.5. Aspectos Jurídicos Nas últimas décadas, tem-se observado enorme avanço da medicina e da biotecnologia e, como consequência, o homem tem sido visto mais como um objeto do que propriamente um ser. Hoje, é extremamente comum que pessoas com doenças em fase terminal e incuráveis sejam mantidas vivas graças a um enorme arsenal terapêutico e tecnológico, que apenas 623

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