ABC | Volume 113, Nº3, Setembro 2019

Editorial A Cardiologia e o Cardiologista – Ontem, Hoje e Amanhã Cardiology and the Cardiologist – Yesterday, Today and Tomorrow Evandro Tinoco Mesquita 1,2, 3 e Aurea Lucia Alves de Azevedo Grippa de Souza 1 Universidade Federal Fluminense, 1 Niterói, RJ – Brasil Hospital Pró-Cardíaco, 2 Rio de Janeiro, RJ – Brasil Diretoria de Qualidade Assistencial da Sociedade Brasileira de Cardiologia, 3 Rio de Janeiro, RJ – Brasil Correspondência: Evandro Tinoco Mesquita • Ministro Otávio Kely, 500 1506, Icarái, Niterói, RJ – Brasil E-mail: etmesquita@gmail.com Palavras-chave Cardiologia/história;Doenças Cardiovasculares/história; Século 19/história; Século 20/história; Humanos; Animais; Cardiologia/ tendências; Sociedade Brasileira de Cardiologia/história. DOI: 10.5935/abc.20190207 Carlos Chagas foi o primeiro cardiologista “moderno” no Brasil. Professor Nelson Botelho Reis Presidente da SBC gestão 1974-1975 A Cardiologia, como especialidade médica, foi sendo construída a partir de conhecimentos científicos provenientes das áreas básicas e clínica e do desenvolvimento dos dispositivos tecnológicos que permitiram estudar e compreender o sistema cardiovascular. Dois capacitadores tecnológicos disruptivos foram o estetoscópio e o eletrocardiograma, que permitiram a construção de duas novas “ciências”: a eletrocardiografia e a fonomecanocardiografia. Certamente, a complexidade do entendimento da eletrocardiografia e da sua correlação eletro‑clínica fez com que a cardiologia se torna uma especialidade que no início do século XX se separa da clínica médica. Os avanços técnico-científicos do pós-guerra permitiram que a Cardiologia estivesse preparada para se tornar uma sólida área de atuação e que o conhecimento dos fenômenos fisiopatológicos permitisse buscar novas abordagens terapêuticas e contribuísse para o aumento da sobrevida, observado em praticamente todas as cardiopatias. A fundação da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), no dia 14 de agosto de 1943, foi um importante marco em nosso país para consolidar essa nova especialidade, permitindo aglutinar médicos dedicados ao ensino, pesquisa e assistência cardiovascular. Essa data, a partir de 2005, passa a ser comemorada como dia do cardiologista. A SBC e a sua logo têm se transformado, buscando conectar a nossa tradição e a contemporaneidade da nossa cardiologia e nossa inserção e relevância internacionais (Figura 1). 1 A trajetória desta especialidade perpassa pelo surgimento da SBC, pela propagação dos cursos de aperfeiçoamento, pela criação dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia em 1948 e pelos primeiros títulos de especialidade. Ao longo dos anos, associada à prática hospitalista, e com o grande desenvolvimento tecnológico, a Cardiologia foi segmentada em áreas específicas de atuação: cardiologia de emergência e cardiointensivismo, cardiopatias congênitas, cirurgia cardíaca, hemodinâmica, ecocardiografia, eletrofisiologia, entre outras. Para a compreensão do futuro, é necessário voltarmos ao passado, e entender os passos gigantescos desta especialidade que cresce no mundo inteiro, alinhada à contemporaneidade dos desafios de prevenir e tratar as enfermidades cardiovasculares de forma segura, embasada em diretrizes e centrada no paciente. Remetendo-nos a tempos remotos, podemos resgatar os registros dos primeiros passos da nossa especialidade, que chamamos da protocardiologia. Em 1490, as observações, desenhos e anotações de Leonardo da Vinci sobre o coração podem ser considerados pioneiros na história da Cardiologia. Autor da primeira representação gráfica das coronárias, Da Vinci também explicou a dinâmica do fluxo cardíaco e definiu a formação das cúspides da valva aórtica e a parede sinusal. Podemos afirmar que Da Vinci foi um cardiologista renascentista. 2 Em meados de 1500, Andreas Vesalius publica ummaravilhoso atlas de anatomia em seu "Fabricius". Nesta publicação, ele nomeia o coração de "centro da vida”. Essa publicação corrige os erros anatômicos descritos por Galeno e, para muitos historiadores, é o marco da medicina moderna. A Cardiologia moderna tem o seu surgimento a partir da publicação do livro De Motus Cordis , pelo médico e cientista inglês William Harvey, o pai da Cardiologia, 3 que promove um “terremoto” na ciência e na medicina ao afirmar, embasado em estudos em animais e humanos, que o sangue percorre caminhos fechados a partir do coração e retorna pelas veias ao coração. A evolução histórica da Cardiologia no Brasil foi revista de forma brilhante pelo professor Nelson Botelho Reis e publicada nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, no ano de 1986. 3 Ele reforça que o método anátomo-clínico foi o primeiro método da ciência médica que evoluiu de uma simples constatação (“achados de necropsia”) ou da verificação de doença numa emergente área científica, correlacionando o quadro clínico do paciente. Importantes médicos italianos (Malpigi, Morgami), franceses (Vienssens, Bichat e Laennec) e alemães (Virchow) foram fundamentais na construção dessa nova disciplina. A anatómo-patologia viu o surgimento da histologia, permitindo atribuir importância às células e aos tecidos, e ampliar a correlação e os mecanismos causais das doenças. Os clínicos interessados pela área da Cardiologia possuíam um crescente e robusto método para explicar os achados cardiovasculares anormais e os dados das necropsias. No nosso país, a influência central do método anátomo- clínico cardiovascular foi importante na formação dos cardiologistas, até o início dos anos 80, inicialmente 335

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