ABC | Volume 113, Nº2, Agosto 2019

Relato de Caso Rabdomiólise Exercional após Treinamento Militar Acompanhada de Disfunsão Microvascular Sistêmica e Aumento de Citocinas no Plasma: Um Relato de Caso Exertional Rhabdomyolysis after Military Training Paralleled by Systemic Microvascular Dysfunction and Plasma Cytokine Increase: A Case Report Flavio Pereira, 1 Roger de Moraes, 2 Diogo Bavel, 1 A ndrea Rocha de Lorenzo, 1 E duardo Tibirica 1 Instituto Nacional de Cardiologia, 1 Rio de Janeiro, RJ – Brasil Universidade Estácio de Sá, 2 Rio de Janeiro, RJ – Brasil Correspondência: Eduardo Tibirica • Instituto Nacional de Cardiologia - Rua da Laranjeiras, 374. CEP 22240-006, Rio de Janeiro, RJ – Brasil E-mail: etibi@uol.com.br Artigo recebido em 16/06/2018, revisado em 06/09/2018, aceito em 02/10/2018 Palavras-chave Rabdomiólise; Exercício; Treinamento Intercalado de Alta Intensidade; Mialgia; Citocinas; Creatina Quinase; Músculo Esquelético. DOI: 10.5935/abc.20190165 Introdução A rabdomiólise exercional (RE), diagnosticada pela presença de dor muscular intensa e elevação súbita dos níveis séricos totais da enzima creatina quinase (CK), com ou sem mioglobinúria, 1 está intimamente relacionada com a fadiga aguda, durante o exercício, 2 bem como com o risco associado de lesão renal aguda, coagulação intravascular disseminada, arritmias cardíacas, e distúrbios eletrolíticos. 3 A RE é altamente prevalente no treinamento militar, especialmentequando realizadoemcondições climáticas adversas, e muitos casos progridem rapidamente para insuficiência renal agudaefatal.Alémdisso,estima-sequeaproximadamenteumterço dos casos de RE envolva homens jovens afrodescendentes, com baixo condicionamento físico, e desidratação extrema, ocorrendo durante o treinamento militar de verão. 4 Nesse contexto, jovens clinicamente saudáveis são submetidos a rotinas de exercícios extenuantes realizados com uniformes e quipamentos de guerra e sem possibilidade de hidratação adequada. 4 A avaliação da reatividademicrovascular endotelial sistêmica é comprovadamente essencial para o estudo da patofisiologia das doenças cardiovasculares emetabólicas. 5 Adicionalmente, a microcirculação cutânea é considerada um leito vascular acessível e representativo na avaliação da reatividade e densidade microvascular sistêmicas. 5 Considerando que a RE já mostrou estar realcionada com a diminuição da vasodilatação dependente do endotélio na circulação sistêmica no contexto experimental, 6 é razoável especular que a RE também esteja associada à significativa disfunção sistêmica microcirculatória. Além disso, não há descrição na literatura especializada sobre a associação da RE com a função endotelial microvascular em humanos. Até onde sabemos, este é o primeiro relato dos efeitos prejudiciais da RE sobre a reatividade microvascular sistêmica dependente do endotélio em seres humanos. Relato de Caso Este relato de caso é parte de uma pesquisa observacional, sem qualquer intervenção, que investiga o impacto dos cursos de treinamento militar especial no perfil de citocinas e na reatividademicrovascular, bemcomo o risco de desenvolvimento de RE por membros da Força Aérea Brasileira que concluírem totalmente um período de treinamento de cinco semanas. O relato de caso foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto Nacional de Cardiologia do Ministério da Saúde, Rio de Janeiro, Brasil, sob o número de protocolo CAAE 49792515.6.0000.5272. Todos os sujeitos leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aprovado pelo CRI. Todos os procedimentos envolvidos nesse estudo estão de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, atualizada em 2013. O paciente foi incentivado a compartilhar sua percepção acerca do evento clínico ocorrido durante o treinamento militar especial com seus colegas. O paciente era um homem afrodescendente de 21 anos de idade, em boa forma física, Aspirante da Força Aérea Brasileira, que se candidatou voluntariamente para o treinamento militar de controle de distúrbios. O militar demonstrou excelente capacidade aeróbica para sua faixa etária (20-29 anos) no teste de corrida de Cooper (VO 2 máx de 54,66 ml/kg/min). O paciente não forneceu informações significativas sobre o histórico médico pessoal ou familiar, inclusive em relação à RE, e não fez uso de nenhuma medicação ou suplementação oral durante o período de treinamentomilitar. O sangue do paciente foi testado através da eletroforese de hemoglobina, que mostrou ausência de hemoglobina S. Dessa forma, foi possível considerar que o paciente não era portador de traço falciforme. Ele foi diagnosticado com RE no segundo dia de treinamento militar. Ele havia feito exercício de corrida, usando uniforme de combate e transportando um kit de 15 Kg, incluindo escudo e arma, com ingestão limitada de água, e após ter sido exposto a gases de pimenta e lacrimogêneo durante 45 minutos. Um dia antes, ele havia corrido 2.400 metros em 12 minutos e, em ambas as ocasiões, os exercícios de corrida foram realizados em condições de calor (32 o C) e umidade (86% umidade relativa) típicas do verão do Rio de Janeiro, Brasil. O paciente apresentou vômito, hipotensão postural, mialgia e fraqueza muscular na região do quadril e membros inferiores, sendo rapidamente encaminhado para o hospital da Força Aérea. Logo, desenvolveu um quadro de febre (temperatura axilar: 41 o C), urina de coloração escura, edema nos membros inferiores e dificuldade de marcha. 294

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