ABC | Volume 113, Nº2, Agosto 2019

Correlação Anatomoclínica Pinesi et al. Homem de 26 anos com doença de chagas congênita e transplante cardíaco Arq Bras Cardiol. 2019; 113(2):286-293 Em consulta ambulatorial em 03 de maio de 2019, o paciente estava assintomático e o exame físico era normal. Aspectos clínicos A doença de Chagas foi primeiramente descrita pelomédico e cientista brasileiro Carlos Chagas em 1909. 1 Essa doença multifacetada é causada pelo protozoário Trypanossoma cruzi , que pode ser transmitido de diversas formas. A transmissão vetorial por meio de insetos hematófagos é a mais clássica, mas diminuiu de importância nos últimos anos com medidas para controle da população do vetor. 2 A transmissão transfusional assim como a transmissão vetorial, tiveram uma redução drástica nas últimas décadas, sendo que não se tem casos relatados no Brasil há anos. 3 Em contrapartida houve um aumento nos relatos de transmissão oral. Essa forma de contágio era pouco conhecida, mas ganhou importância com diversas descrições de microepidemias no país, especialmente relacionadas à ingestão de açaí. Na transmissão oral o desenvolvimento da fase aguda da doença é mais comum. 4 No contexto de controle das principais formas de contágio, a transmissão vertical tem ganhado relevância. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que existam cerca de 8 milhões de pessoas infectadas pela doença de Chagas no mundo, com uma mortalidade anual de 10 mil pessoas por complicações da doença. 5 A maior parte desses casos se encontra na América Latina, sendo o Brasil o país com mais pessoas infectadas (cerca de 4,6 milhões de indivíduos). A redução da transmissão veio acompanhada por uma redução de mortalidade, sendo em 2007 estimada em 2,78 mortes/ano para cada 10.000 habitantes. 6 Outramudança na epidemiologia da doença nesses últimos anos foi o aumento de casos em regiões não endêmicas, como os EUA e a Europa, o que contribuiu para o aumento da atenção dada pela comunidade científica internacional ao Chagas. 5 A fisiopatologia da doença de Chagas é multifatorial, dependendo de diversas características tanto do hospedeiro quanto do parasita. 7 Sabe-se que a resposta inflamatória desencadeada pelo parasita possui papel fundamental nessa fisiopatologia. 8 Essa hipótese é fortalecida pelo baixo parasitismo tecidual e pela baixa parasitemia nas fases crônicas da doença. Estudos mais recentes identificaram uma resposta autoimune desencadeada pela reação cruzada entre antígenos do parasita e proteínas do hospedeiro, como a troponina. 9 O diagnóstico é feito pela sorologia na grande maioria dos casos, sendo a pesquisa direta do agente reservada para as fases agudas ou reativações, situações nas quais a parasitemia pode ser mais elevada. 7 A doença de Chagas congênita é um grupo à parte. Ocorre quando há transmissão vertical, ou seja, durante a gestação. No Brasil, Martins-Melo et.al. , 10 demonstraram que a prevalência média de gestantes infectadas é de 1,7%, com uma média de transmissão congênita de 1,7%. Extrapolando esses dados para a população com base no censo de 2010, o Brasil teria cerca de 34.629 gestantes infectadas com uma incidência de 587 crianças nascidas ao ano com Chagas congênito. 10 Devido a esses números, a OMS recomendou em 2018 um aumento da atenção aos casos de Chagas congênito por transmissão materno-fetal, não só no Brasil, mas em todos os países onde há endemia. Um estudo realizado na Argentina em 2014, Fabbro et. al., 11 demonstraram que filhos de gestantes que receberam tratamento com drogas antitripanossômicas ao longo da vida têm uma chance muito menor de desenvolver Chagas congênito do que os filhos daquelas que não foram tratadas. 11 Dessa forma, além das indicações de tratamento etiológico que constam na I Diretriz Latinoamericana de doença de Chagas em 2011, recomenda-se que mulheres em idade fértil também recebam drogas antitripanossômicas. No Brasil, o medicamento disponível é o benzonidazol, que deve ser utilizado na dose de 5mg/kg/dia dividido em 2 ou 3 tomadas ao dia por 60 dias. 7 Vale a pena ressaltar que durante a gestação o benzonidazol é contraindicado pelo risco de teratogenicidade encontrado em estudos com animais. 12 O quadro clínico do Chagas congênito é extremamente variável e inespecífico, sendo semelhante a diversas outras infecções do período neonatal, como toxoplasmose, rubéola, HIV e sífilis. Os principais sintomas são os seguintes: prematuridade, restrição de crescimento intrauterino, déficit do desenvolvimento neuropsicomotor, baixo escore de Apgar, síndrome do desconforto respiratório, icterícia, hepatoesplenomegalia. Esses sintomas podem aparecer dias ou até semanas após o nascimento. A mortalidade Figura 5 – Eletrocardiograma pós-transplante: baixa voltagem plano frontal e distúrbio final de condução. 289

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