ABC | Volume 113, Nº2, Agosto 2019

Artigo de Revisão Lamounier Júnior et al. Genética e miocardiopatia dilatada Arq Bras Cardiol. 2019; 113(2):274-281 aos 40 anos de idade. 20 Outro estudo identificou variantes truncadas na FLNC em 2,2% dos pacientes com MCD, os quais apresentavam arritmias ventriculares e/ou morte súbita em 85% dos casos. 42 O envolvimento adicional do coração direito foi relatado em 38% dos casos. Sendo assim, o implante precoce de CDI passou a ser considerado nestes pacientes, mesmo que os mesmos não preencham os critérios estabelecidos nas atuais diretrizes de MCD. 9,20 Nos últimos anos, diversos relatos isolados da identificação de variantes genéticas em BAG3 foram descritos em famílias com MCD. 43-47 De maior importância, o fenótipo associado ao gene foi melhor caracterizado com base em uma coorte de 129 portadores. 19 Após seguimento médio de 38 meses, o número de portadores afetados com MCD subiu de 57% para 68%, representando 26% dos portadores, os quais apresentavam inicialmente fenótipo negativo, mas que acabaram por manifestar a doença. Considerando os portadores com idade acima dos 40 anos, 80% era fenótipo positivo. Nesta amostra, a incidência de eventos cardíacos nos portadores de variantes BAG3 com MCD foi de 5,1% (desfechos: taquicardia ventricular sustentada, morte súbita, morte por IC, necessidade de dispositivo de assistência ventricular e TxC), com predomínio de eventos relacionados à IC em relação aos arrítmicos. Durante o seguimento, os pacientes do sexo masculino, aqueles com deterioração da função sistólica e com aumento do diâmetro ventricular, foram os que apresentaram maior incidência de eventos. 21 Diferentemente de mutações no gene da FLNC e com base nestes achados, variantes no gene BAG3 não parecem estar relacionado a necessidade de implante precoce de CDI. Heterogeneidade genética e sobreposição de fenótipos Muitos dos genes descritos como patogênicos em pacientes com MCD são também associados ao desenvolvimento de outras formas de MCPs (Tabela 1). Este fato pode acarretar a presença de mais de um fenótipo no mesmo heredograma, ou de um fenótipo sobreposto em um mesmo indivíduo, como ocorre, por exemplo, entre a miocardiopatia não compactada (MCNC) e a MCD. 48,49 Em uma coorte de 95 pacientes comMCNC (68 indivíduos não relacionados e 27 parentes, 23% dos casos eram de MCNC familiar), uma variante genética foi identificada em 38% dos casos. 49 Os genes mais frequentes foram TTN , LMNA e MYBPC3 , incluindo uma família afetada por mutação no gene RBM20 . Nesta família, o caso índice foi transplantado aos 21 anos de idade (3 anos após o diagnóstico), havendo três gerações afetadas no lado materno. O número de eventos cardiovasculares maiores nesta coorte foi significativamente mais elevado nos pacientes com MCNC do que naqueles pareados com MCD não isquêmica de etiologia conhecida. Aproximadamente 10% dos pacientes afetados comMCNC evoluírampara TxC vs. 2,8% no grupo com MCD não isquêmica. 49 Em uma das famílias comMCNC desta coorte foi identificada uma variante no gene MYH7 , a qual estava associada em diferentes estudos a uma forma de MCH de prognóstico reservado. Neste caso, embora os indivíduos afetados não preenchessem critérios definitivos para tal doença, foi detectado um aumento na espessura da parede miocárdica em vários deles. 49 Tal fato deve chamar a atenção do cardiologista para a heterogeneidade fenotípica destas doenças, assim como a necessidade de se observar o que o diagnóstico etiológico pode representar para a história natural da doença. Genes relacionados geralmente à miocardiopatia arritmogênica (MCA) podem produzir quadros clínicos indistinguíveis daqueles de MCD. Pacientes afetados por truncamentos nos genes da desmoplaquina ( DSP ) e da FLNC , por exemplo, podem ser acometidos por uma forma de MCA com envolvimento exclusivo do VE. 20,50,51 Existe na literatura diversos relatos de pessoas com MCD afetadas por genes desmossômicos que não preenchem nenhum (ou somente alguns) dos critérios diagnósticos para displasia arritmogênica do ventrículo direito. 50-52 Em estudo que contou com 89 pacientes não relacionados, todos com MCD em fase terminal submetidos ao TxC, o screening genético dos cinco genes desmossomais mais comuns ( PKP2, DSP, JUP, DSC2, DSG2 ) identificou variantes genéticas em 18% deles. 51 O estudo genético dos familiares identificou outros 38 portadores, incluindo casos de MCD ainda em fase subclínica. A análise histopatológica dos corações explantados mostrou infiltração fibro-adiposa, a qual ocorreu em alguns casos no ventrículo direito, em outros no esquerdo, assim como situações nas quais não se observaram lesões fibro-adiposas. 52 Considerações finais Diante do exposto, é possível concluir que as MCPs, particularmente a forma dilatada, refletem uma síndrome complexa e de alta heterogeneidade, o que impõe desafios quanto ao seu diagnóstico, prognóstico e tratamento. Neste cenário, o diagnóstico molecular através do NGS torna‑se uma ferramenta bastante útil na prática do cardiologista. Embora ainda incipiente no Brasil, o uso da genética em serviços de MCD e TxC deve ser considerada, pois o diagnóstico etiológico permite, em muitos casos, um manejo clínico e estratificação de risco mais assertivos. Mais ainda, o rastreamento clínico e genético em familiares é de certa forma negligenciado, apesar de ser uma conduta recomendada. Sendo assim, nos parece que os serviços de MCPs e de TxC no Brasil, assim como os grupos de pesquisa relacionados, discutam o tema de forma mais incisiva, com o intuito de divulgar o conhecimento atual, tanto aos profissionais de saúde quanto à sociedade. Apesar dos potenciais benefícios, as limitações dos testes genéticos não devem ser omitidas. O teste genético deve ser preferencialmente empregado em um contexto de aconselhamento genético multidisciplinar, com orientação pré e pós-teste sobre características do método empregado e possíveis repercussões do resultado genético sobre o paciente e sua família. É fundamental discutir questões associadas à penetrância associada a cada variante genética e aspectos relacionados à expressividade clínica variável, o que pode determinar que a doença não se manifeste da mesma forma em todos os portadores da família. 53 Por fim, ilustramos o presente artigo com um caso clínico ocorrido no Brasil, nos quais a utilização do teste genético fez parte da propedêutica clínica: Caso clínico : Paciente de 30 anos, sexo masculino, hospitalizado devido IC descompensada (classe funcional 278

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