ABC | Volume 113, Nº2, Agosto 2019

Artigo de Revisão Lamounier Júnior et al. Genética e miocardiopatia dilatada Arq Bras Cardiol. 2019; 113(2):274-281 sua vez, podem auxiliar no manejo de pacientes e de seus familiares, otimizando inclusive a estratificação de risco. Nesse âmbito, a avaliação clínica cuidadosa, assim como uma história familiar associada aos resultados genéticos, são pilares fundamentais. Assim sendo, o objetivo principal desta revisão é o de descrever aspectos clínicos e epidemiológicos das principais etiologias genéticas relacionadas ao espectro da MCD, uma vez que o emprego de testes moleculares no manejo de pacientes com esta doença ainda é uma realidade incipiente em nosso país. Técnicas utilizadas para o diagnóstico genético na miocardiopatia dilatada A utilização de plataformas de sequenciamento genético de nova geração (do inglês, "NGS") possibilitou duas abordagens diagnósticas na MCD: 1. O estudo ampliado: através do exoma , o qual aborda “todos” éxons e regiões flanqueantes do genoma humano, na qual, de fato, se considera somente aqueles genes para os quais já exista informação clínica correlacionada. A utilização do exoma vem sendo mais empregada em contextos de pesquisa clínica aplicada, resultando na descoberta de novos genes de possível associação com MCD. 13,14 Estes "novos" genes, também são chamados de genes candidatos, pois sua patogenicidade é de menor grau ou mesmo incerta, o que resultaria em um maior número de variantes de significado clínico incerto; 2. O estudo dirigido: através de painéis de NGS, sendo constituído por um determinado número de genes para o qual existe maior evidência de sua associação causal com aMCD (Tabela 1). 15,16 Aqui, omaior volume de casos já descritos com variantes patogênicas/possivelmente patogênicas nestes genes possibilita informação mais embasada para a tomada de decisão clínica. 17 É importante enfatizar que a maioria das mutações descritas na MCD são restritas a uma única família, o que dificulta a interpretação dos dados genéticos. Portanto, características clínicas e integração da história familiar são necessárias para aperfeiçoar a tomada de decisão. 17 Existe em torno de uma centena de genes associados à MCD, com diferentes níveis de evidência. Para muitas etiologias, é importante mencionar que a presença de uma variante genética nem sempre significa que a doença irá se desenvolver. Existem diferenças na penetrância (porcentagem de portadores que desenvolverão o fenótipo) entre os diferentes genes. 18 Os genes mais documentados são listados na Tabela 1. Nos últimos anos, o aumento expressivo da utilização de painéis de NGS permitiu a identificação de um número significativo de indivíduos portadores com variantes em um mesmo gene. Essa amostra populacional vem possibilitando descrições clínicas relevantes na MCD, como nos estudos mais recentes que abordaramdiferentes genes ( TTN , LMNA, FLNC ou BAG3 ). 19-21 Nestes genes, a cosegregação de variantes genéticas como causa de MCD em múltiplas famílias foi demonstrada, assim como o crescente número de portadores identificados viabilizou análises de correlação genótipo-fenótipo sobre o prognóstico da doença. 22,23 De forma sucinta, o estudo genético, através das diferentes técnicas, pode auxiliar o cardiologista em três situações clínicas importantes: 8-10,24,25 1. No manejo familiar; 2. Na definição etiológica; 3. Na estratificação de risco. Importância do rastreamento familiar na miocardiopatia dilatada Ao se estudar uma coorte de pacientes em estágio avançado de IC encaminhados para TxC, se identificou que o diagnóstico da MCD familiar (MCDF) vinha sendo sistematicamente negligenciado. 26 O simples emprego do heredograma aumentou de 4,1% para 26% tal diagnóstico. Por sinal, em coortes prospectivas foi demonstrado que de 25 a 40% dos casos de MCD não isquêmica eram de fato de caráter familiar, 9,24 chamando a atenção para o componente hereditário da síndrome, assim como para a importância da detecção precoce e tratamento dos familiares afetados. Neste contexto, a realização do heredograma com no mínimo três gerações, assim como a solicitação do teste genético na MCD, é fortemente recomendado. 9 A identificação de uma variante patogênica/provavelmente patogênica em um caso índice (probando) permite que toda a família do paciente possa ser potencialmente beneficiada através do rastreamento genético em cascata ( screening genético familiar). 4,9 Isto é útil em casos onde somente a avaliação clínica não foi capaz de estabelecer o diagnóstico em um parente. 2,4 Além disso, a identificação precoce de um familiar portador assintomático, ou em fase subclínica da doença, pode ser particularmente relevante quando o teste genético revela etiologias com maior potencial arritmogênico ou de evolução reconhecidamente mais célere. 19,20 Mais ainda, nesse cenário seria possível instituir medidas para retardar a progressão da doença ou atémesmo de umdesfecho súbitomaligno. Por outro lado, o seguimento regular de familiares do caso índice que são identificados como não portadores de uma variante patogênica não é recomendado, 9 o que evita gastos desnecessários de saúde, além do estresse psicológico do paciente/familiares. Definição etiológica e prognóstico associado Truncamento na Titina : Um marco no conhecimento sobre a genética na MCD foi o estudo de Herman et al., 11 publicado em 2012. Nele, foram identificadas variantes do tipo truncamento da titina (vtTTN) em 25% dos casos de MCDF e em 18% dos casos esporádicos. Estas prevalências foram obtidas através de três diferentes coortes, com frequência de vtTTN entre 8 e 40%. Cabe salientar que frequência mais elevada foram observadas em sujeitos submetidos à TxC ou com disfunção sistólica grave. Desde então, outros estudos buscaram conhecer a história natural da MCDF com base em portadores de pacientes com vtTTN. 24,27,28 Não foi observada diferença na incidência dos desfechos entre portadores afetados vs. não portadores, 27 assim como não houve diferença na fibrose mesocárdica entre estes grupos. 28 No entanto, homens afetados por vtTTN manifestaram a doença em idades mais precoces (78% vs. 30% das mulheres aos 40 anos). 27 Outros autores identificaram que 276

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