ABC | Volume 113, Nº1, Julho 2019

Artigo Original Faganello et al O perfil do cardiologista brasileiro Arq Bras Cardiol. 2019; 113(1):62-68 Introdução A atividade médica tem sido associada a elevados níveis de estresse e insatisfação quando comparada a outras profissões. 1 Estudos previamente publicados demonstram existir uma relação complexa entre o nível de satisfação profissional, o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, o nível de esgotamento, os fatores demográficos e as condições de trabalho. 2 A evolução da medicina e, em especial, da especialidade, sobretudo nas últimas décadas, tem promovido rápidas mudanças na vida pessoal e profissional dos cardiologistas. 3-5 Alémdisso, dados internacionais mostramumenvelhecimento da classe trabalhadora, com mudanças no perfil e nas características da atuação profissional, permanecendo, porém, uma especialidade com predomínio de homens, inclusive com marcada diferença salarial entre os gêneros. 6 Já as informações quanto ao perfil do cardiologista brasileiro e suas percepções sobre a profissão são limitadas. Portanto, este trabalho descreve o perfil do cardiologista brasileiro a partir de dados obtidos por pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), com objetivo de avaliar aspectos demográficos, sociais, profissionais e de qualidade de vida do profissional. Métodos A SBC elaborou um questionário composto de três domínios básicos: dados demográficos, características da atividade profissional e qualidade de vida. Esse questionário foi enviado via e-mail para todos os 13.462 cardiologistas adimplentes associados à SBC no ano de 2017. Responderam efetivamente e foram considerados como população em estudo 2.101 deles, sendo 1.509 homens (71,8%) e 592 mulheres (28,2%). Análise estatística As variáveis foram representadas por frequência absoluta, percentual com intervalo de confiança de 95%. Para comparar as variáveis qualitativas, foi realizado o teste qui-quadrado, e, quando este foi significativo, foi realizada a análise de resíduo padronizado ajustado. A análise das respostas foi feita por meio do programa SPSS Statistics for Windows version 25.0 (IBM, Chicago). Todos os resultados foram considerados levando-se em conta o nível de significância de 5% (p < 0,05). Resultados Dados demográficos Dos 13.462 associados adimplentes, 9.555 (70,9%) são homens, 9.752 (71,1%) têm entre 30 e 59 anos, e 1.323 (9,8%) têm 70 anos ou mais. Ao se considerar a distribuição geográfica dos associados, observa-se uma predominância nas regiões Sudeste e Sul do país (55,5 e 15,1%, respectivamente), sendo 3.420 (25,4%) em São Paulo, 2.158 (16%) no Rio de Janeiro, 1.572 (11,6%) em Minas Gerais, 853 (6,3%) no Rio Grande do Sul e 774 (5,7%) no Paraná. O questionário foi respondido por 2.101 cardiologistas (taxa de resposta de 15,6%), sendo 1.509 homens (71,8%) e 592 mulheres (28,2%). Com relação à faixa etária, 1.077 cardiologistas (51,3%) apresentaram idade maior que 50 anos. A Figura 1 mostra a distribuição das faixas etárias por sexo, que foi diferente entre (p < 0,001). Observou-se que 34% dos homens têm 60 anos ou mais, em comparação a 13% das mulheres dessa faixa etária. A maioria dos respondedores (77,7%) é casada. Na comparação por sexo, houve maior percentual de homens casados (84,7 versus 59,8%; p < 0,001). Quanto ao número de filhos, 23% responderam não ter filhos e 57,3% têm dois ou mais. O número de cardiologistas sem filhos foi maior entre as mulheres (40,5 versus 16,1%; p < 0,001). A diferença manteve significância estatística após ajuste dos dados pela idade dos participantes, mas não quando ajustada para o estado civil. Características da atividade profissional A maioria dos respondedores (70,5%) apresenta título de Especialista em Cardiologia pela SBC/Associação Médica Brasileira, sendo 29,5% aspirantes. Sobre área de atuação, 1.336 (65,4%) responderam dedicar-se somente a uma área de atuação, sendo a cardiologia clínica a mais frequente (50,5%), sem diferenças entre homens e mulheres. Essa pergunta não foi respondida por 2,8% dos participantes. Com relação ao número de horas trabalhadas por semana, 1.350 (64,2%) responderam trabalhar mais de 40 horas, percentual que foi maior entre os homens (69%) do que entre as mulheres (51,9%) (p < 0,001). Quanto ao número de locais de trabalho, 363 (17,3%) responderam ter apenas um, e 1.036 (49,3%) têm três ou mais locais de trabalho. Omais frequente foi o hospital público (46,5%), seguido por hospital privado (28,5%) e consultório privado (21,1%), conforme mostrado na Figura 2. Cinquenta e três por cento das mulheres relataram ser o hospital público o seu principal local de trabalho, contra 44% dos homens (p < 0,001). Em contrapartida, o consultório privado foi o principal local de trabalho de 23,9% dos homens, contra 14% das mulheres, sendo 3 vezes mais frequente entre os cardiologistas com mais de 50 anos (31,7% versus 10,1%). Somente 0,3% dos participantes disseram trabalhar em postos de saúde. Não houve diferença quanto ao número de locais de trabalho entre homens e mulheres. A renda mensal da maioria dos respondedores (88,4%) é superior a R$ 11.000,00 ( US$ 3,473.43 ). A distribuição das faixas de renda entre homens e mulheres está apresentada na Figura 3. Observou-se que 66,5% dos homens relataram ganhar mais de 20 mil reais (US$ 6,315.32) mensais, contra apenas 31,2% das mulheres (p < 0,001, ajustado para números de horas trabalhadas e faixa etária). Em relação ao nível de estresse (Figura 4), 64,2% consideram apresentar estresse em nível adequado; 11,3%, estresse em grande proporção; e 24,3% não se consideram estressados. As causas de estresse no trabalho foram: más condições (36,7%), horas em excesso (23,5%), baixa remuneração (15,7%), pressão por resultados (10,9%) e outras (13%). Com relação às questões judiciais envolvendo a profissão, 13,9% disseram já ter sofrido processo médico, e 0,3% informaram ter sido condenados. Essa pergunta não foi respondida por 10 participantes (0,4%). 63

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