ABC | Volume 113, Nº1, Julho 2019

Minieditorial Descelularização de Pericárdio Humano com Potencial Aplicação em Medicina Regenerativa Decellularization of Human Pericardium with Potential Application in Regenerative Medicine Estela de Oliveira Lima, 1 A driana Camargo Ferrasi, 1 Andreas Kaasi 2 Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - FMB - Depto. Clínica Médica, 1 Botucatu, SP – Brasil Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - Instituto de Pesquisa, Inovação Tecnológica e Educação, 2 São Paulo, SP – Brasil Minieditorial referente ao artigo: Caracterização do Pericárdio Humano Descelularizado para Engenharia de Tecidos e Aplicações de Medicina Regenerativa Correspondência: Estela de Oliveira Lima • Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - FMB - Departamento de Clínica Médica - Distrito de Rubião Júnior, s/n. CEP 18618-687, Botucatu, SP – Brasil E-mail: estela.lima@unesp.br Palavras-chave Medicina Regenerativa; Pericárdio; Tecidos Suporte; Células; Valvas Cardíacas/cirurgia; Pesquisa Médica Translacional; Materiais Biocompatíveis. DOI: 10.5935/abc.20190130 A medicina regenerativa é um ramo interdisciplinar dentro das ciências biomédicas que vem apresentando, a partir da transposição da pesquisa básica para a clínica médica, grande potencial para aplicação terapêutica, tornando-a uma importante representante damedicina translacional. A essência damedicina regenerativa consiste no reparo ou reposição de tecidos e órgãos em que haja deficiência estrutural e funcional. Visando alcançar esse objetivo, várias abordagens vêm sendo propostas, abrangendo terapias que incluem genes, células, arcabouços ( scaffolds ) biológicos e sintéticos, podendo ou não estar associados em uma mesma estratégia de engenharia tecidual. 1 Quando se trata de utilizar scaffolds sintéticos, é possível manipular e controlar suas propriedades estruturais e mecânicas, entretanto, não é possível garantir a mesma capacidade funcional que um tecido natural. 2 Alémdisso, umdos grandes desafios éminimizar o risco de reações imunogênicas provocadas pela composição do arcabouço de reparo. 3 Diante dos desafios associados ao restabelecimento funcional e estrutural domicroambiente celular, o interesse em scaffolds baseados em matriz extracelular (MEC) natural tem crescido consideravelmente. Visando a obtenção de um biomaterial que se assemelhe de maneira mais fidedigna ao tecido ou órgão danificado, tanto estrutural quanto funcionalmente, mas também apresente segurança do ponto de vista imunológico, uma nova tecnologia para aplicações clínicas da MEC natural tem sido proposta - a descelularização de tecidos e órgãos de doadores humanos ou animais. Esta tecnologia consiste em utilizar métodos físicos, químicos e/ou bioquímicos para eliminar as células do tecido/órgão alvo, sejam de origem xenogênica ou alogênica, cujos antígenos representam elevado risco de reação imunogênica. Tal processo visa a segurança imunológica e a preservação dos componentes estruturais e funcionais básicos da MEC, como proteínas, colágeno e glicosaminoglicanos (GAGs). Como produto final obtém-se um scaffold tridimensional da MEC de forma análoga ao tecido de origem, com arquitetura ultraestrutural natural preservada e com maior biocompatibilidade e potencial de regeneração tecidual quando comparada a scaffolds sintéticos. 4 O tecido pericárdico, principalmente de origem bovina, tem sido amplamente utilizado na cirurgia cardíaca, seja para substituição de válvulas cardíacas ou para reparo de defeitos congênitos. Sua estrutura fibrosserosa, rica em fibras elásticas e feixes de colágeno, confere ao pericárdio elevada resistência a estresse mecânico, a qual, somada à capacidade de retenção de sutura uniforme, representam características essenciais para aplicação em cirurgias cardiovasculares. 5,6 No intuito de reduzir a probabilidade de resposta imunogênica e rejeição do enxerto, o pericárdio pode ser submetido a diferentes tratamentos, dentre eles a fixação tecidual com glutaraldeído, utilizada rotineiramente. Embora este método estabeleça menor imunogenicidade tecidual, a citotoxicidade e a propensão a calcificações são dois inconvenientes importantes associados à técnica. 7,8 Diante desses problemas, outros métodos vêm sendo desenvolvidos para aprimorar a utilização segura do pericárdio na cirurgia cardíaca, dentre eles a descelularização. Uma das técnicas melhor estabelecidas consiste no tratamento do tecido com detergentes iônicos, como o dodecilsulfato de sódio (SDS). Embora este agente de descelularização remova componentes naturais indesejáveis, como moléculas antigênicas, pode também levar à alteração estrutural da MEC pericárdica, como por exemplo, a perda de GAGs e proteínas sinalizadoras importantes. O dano estrutural decorrente do tratamento com SDS pode prejudicar a recelularização in situ ou in vitro ideal do scaffold , bem como alterar as propriedades mecânicas da matriz, como elasticidade e extensibilidade. 9 Emartigopublicadonesta edição,Wollmannet al., 10 propõema descelularizaçãode pericárdio humano comquantidade reduzida de detergente, para aplicação de patch cardiovascular. O trabalho se propõe a minimizar os impactos da técnica e obter uma MEC humana de melhor qualidade atóxica e que retenha o máximo possível a arquitetura e composição originais. A metodologia proposta apresenta considerável remoção dos componentes celulares, dentre eles oDNA, cuja quantidade apresentou redução em cerca de um terço da originalmente observada. O tecido também foi avaliado em relação à citotoxicidade, sendo que não houve efeitos citotóxicos em testes in vitro . Esta observação traz grande estímulo para a investigação mais aprofundada da técnica, como a realização de testes in vivo visando a aplicação clínica no futuro. Além disso, o tratamento utilizado não alterou a constituição do pericárdio em relação aos componentes elastina (avaliação qualitativa) e colágeno (avaliação quantitativa 18

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