ABC | Volume 113, Nº1, Julho 2019

Artigo Original Wollmann et al Caracterização do pericárdio descelularizado Arq Bras Cardiol. 2019; 113(1):11-17 Introdução O desenvolvimento de bioscaffolds a partir da matriz extracelular (MEC) tem sido muito almejado para uso na engenharia tecidual e medicina regenerativa. 1 Esses scaffolds podem ser obtidos a partir de uma variedade de fontes teciduais alogênicas e xenogênicas de diferentes espécies. 2 No entanto, a antigenicidade do biomaterial representa a primeira barreira para se expandir o uso de tecidos xenogênicos na prática clínica. 3 O pericárdio é um tecido biológico rico em colágeno contendo glicoproteínas e glicosaminoglicanos. 3 Trata-se de um tecido prontamente disponível, maleável e de fácil manipulação. O pericárdio humano pode ser usado como um remendo ( patch ) em cirurgias cardíacas 4 e não cardíacas, tais como na doença de Peyronie, 4 glaucoma, e cirurgia de córnea 5,6 para cobrir explantes esclerais 7 e oculoplastias. 8 O patch de pericárdio humano é um material bem conhecido na cirurgia cardiovascular. 4 Quanto às características físico-químicas, o pericárdio autólogo usado em cirurgia inclui pericárdio fresco 9,10 e pericárdio tratado com glutaraldeído. 11 Porém, enquanto o uso de pericárdio autólogo fresco não tratado pode resultar em retração, espessamento, fibrose e perda de maleabilidade do tecido, 12 o uso do pericárdio autólogo tratado com glutaraldeído pode resultar em calcificação. 13 Assim, o principal desafio é o desenvolvimento de bioscaffold derivado da MEC que seja biocompatível e funcional. O uso de tecidos biológicos aumenta os riscos potenciais de transmissão de patógenos 14 e resposta inflamatória ou imunogênica. 2,15 As técnicas de descelularização têm sido usadas para minimizar essas questões. 16 A descelularização tecidual pode ser realizada utilizando-se diferentes protocolos, extração com detergente ou extração enzimática com soluções hipotônicas ou hipertônicas e tratamentos físicos (agitação, sonicação, pressão mecânica, congelamento-descongelamento). 2 O método ideal de descelularização deve remover todos os componentes antigênicos (ácidos nucleicos, membranas celulares, estruturas citoplasmáticas, lipídios ematriz solúvel) do tecido semdanificar a estrutura e a integridade da MEC. 17,18 Contudo, o processo de descelularização pode modificar a composição natural da MEC, bem como suas características mecânicas e estruturais. 19 Ainda, altos níveis de variabilidade dos doadores quanto à composição da MEC leva à diferente composição fracionária da MEC após a descelularização. Assim, a padronização da MEC como um biomaterial ainda é um desafio. 18 Apesar de vários procedimentos de descelularização já terem sido descritos, o presente estudo avaliou a utilização de baixa concentração de detergente. O objetivo deste estudo foi avaliar a remoção celular, a manutenção das propriedades da MEC e a integridade mecânica do pericárdio humano após o processo de descelularização utilizando uma solução com baixa concentração de dodecil sulfato de sódio. Métodos Todos os procedimentos foram realizados de acordo com a Portaria número 2600 do Ministério da Saúde, publicada em 11 de dezembro de 2009, e resolução RDC n° 55 da ANVISA, publicada em 11 de dezembro de 2015. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (protocolo número 1.455.773). Doadores Foi obtido, sob condições assépticas, pericárdio de 14 doadores em PCE e ME por amostragem de conveniência. Após o explante do coração, o órgão foi colocado emuma cuba contendo solução salina a 2-8 o C, e os coágulos intracavitários foram lavados. O órgão foi colocado em um saco plástico esterilizado, imerso em (NaCl 0,9%) gelada em quantidade suficiente para manter o órgão totalmente imerso. Esse saco foi lacrado, e colocado em dois outros sacos plásticos (embalagem tripla), de modo que cada saco foi adequadamente amarrado ou selado. A embalagem contendo o órgão foi colocado em um recipiente hermético e armazenado dentro de uma caixa térmica com gelo e transportado para o banco de tecidos humanos. A dissecção foi realizada dentro de 48 horas da parada cardíaca. Realizou‑se dissecção do tecido para remoção de tecido conjuntivo, e o saco pericárdico cortado em tiras, as quais foram armazenadas individualmente em solução salina a 2-8 o C. As amostras sanguíneas foram testadas para HIV, HTLV I/II, HBV, HCV, sífilis, citomegalovírus (IgM e IgG), toxoplasmose (IgM e IgG) e doença de Chagas. Os dados dos doadores foram obtidos dos prontuários médicos. Qualquer sorologia positiva foi usada como critério de exclusão, exceto IgG positivo para toxoplasmose e IgG para citomegalovírus. Controle microbiológico Antes do preparo do tecido, 30mL de solução de transporte (solução NaCl 0,9%) foi obtida assepticamente com uma seringa em cabine de segurança biológica classe II-A, e igualmente distribuída em um recipiente de 90mL contendo tioglicolato (Laborclin, Pinhais, Brasil), 90mL de caldo de soja tríptico (Laborclin, Pinhais, Brasil) ou 90mL de ágar Sabouraud (Laborclin, Pinhais, Brasil) para análise bacteriológica e micológica. As amostram foram cultivadas por 14 dias a 35°C, 22°C e 22°C, respectivamente. As culturas foram examinadas diariamente quanto à evidência visual de turvação; aquelas que apresentavam crescimento de microrganismos foram identificadas quanto ao gênero e espécie. Preparo do tecido e descontaminação O tecido adiposo foi dissecado com auxílio de tesouras e pinças. Opericárdio foi dividido emduas partes para caracterizar o pericárdio fresco versus pericárdio descelularizado. Os pericárdios foram descontaminados em meio RPMI 1640 (Sigma-Aldrich, St. Louis, EUA) contendo antibióticos (240 µg/mL cefoxitina, 50 µg/mL vancomicina, 120 µg/mL lincomicina e 100 µg/mL polimixina B), e mantidos a 2-8°C por 24-48 horas. Culturas que permaneciam positivas após a descontaminação foram usadas como critérios de exclusão. Descelularização Em resumo, os pericárdios foram tratados sob agitação com uma solução de dodecil sulfato de sódio (SDS, Sigma-Aldrich, 12

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