ABC | Volume 113, Nº1, Julho 2019

Posicionamento Posicionamento sobre Indicações da Ecocardiografia em Adultos – 2019 Arq Bras Cardiol. 2019; 113(1):135-181 Assim, convencionou-se que, em todas as tabelas com recomendação do emprego da ecocardiografia nos diferentes cenários clínicos, constam as colunas com classe de indicação e nível de evidência. 2. Avaliação da Função e Estrutura do Coração 2.1. Função Sistólica do Ventrículo Esquerdo A análise da função sistólica do ventrículo esquerdo (VE) constitui indicação primordial do emprego da ecocardiografia. A análise ecocardiográfica da função sistólica do VE pode ser realizada por meio da utilização de técnicas mais antigas, como o modo M, passando pela ecocardiografia bidimensional (2D) e chegando até as técnicas mais modernas, como a ecocardiografia tridimensional (3D) ou a investigação da deformação miocárdica ( strain ). O modo M é empregado desde a década de 1950 para a análise estrutural cardíaca e proporciona medidas amplamente padronizadas 1,2 das dimensões da cavidade e da espessura do VE. Dessa forma, são derivados parâmetros de análise da sístole ventricular, como: (1) porcentagem de encurtamento sistólico da dimensão ventricular esquerda, representada pela diferença entre a dimensão diastólica final e a dimensão sistólica final, dividida pela dimensão diastólica final; (2) velocidade média de encurtamento circunferencial corrigida, correspondente à relação entre a percentagem de encurtamento sistólico da dimensão ventricular esquerda dividida pelo tempo de ejeção corrigido pelo intervalo R-R precedente (tempo de ejeção dividido pela raiz quadrada do intervalo R-R); (3) volumes ventriculares ao final da sístole e da diástole, calculados a partir do método de Teichholz e colaboradores; 3 e (4) fração de ejeção do VE (FEVE), obtida a partir da diferença entre os volumes ventriculares diastólico e sistólico (volume ejetado por sístole), dividida pelo volume diastólico. A análise com o modo M é bastante reprodutível e apresenta alta resolução temporal para a análise de ventrículos sem deformação espacial.4 Entretanto, de uma forma geral, as medidas do modo M determinam de forma adequada a função sistólica global somente quando não existem alterações segmentares, remodelamento e/ou alterações geométricas do VE. 4 Com o advento da ecocardiografia 2D, adquiriu-se maior amplitude da observação espacial do VE, possibilitando uma melhor análise da função sistólica ventricular esquerda, quando comparada à análise unidimensional. Isso ocorre em situações em que há modificações da geometria ventricular esquerda, tais como aneurisma apical e outras alterações segmentares decorrentes de doença arterial coronariana. A análise da função sistólica ventricular esquerda 2D pode ser realizada de forma qualitativa (estimativa visual) ou quantitativa da FEVE. A forma visual é altamente dependente do treinamento do operador, o que pode redundar em inacurácia de reprodução dos resultados. O método quantitativo de análise do volume e da função sistólica do VE bidimensional mais difundido e amplamente validado é a técnica biplanar de discos (regra de Simpson modificada), na qual o volume total é calculado baseado na somatória dos volumes de pequenos discos cilíndricos nos cortes apicais 4 e 2 câmaras do VE, com a intenção de minimizar efeitos de modificação da geometria ventricular no cálculo da FEVE. 4 Os valores de normalidade dos volumes e FEVE, calculados por meio da ecocardiografia 2D, apresentam valores distintos dependendo do sexo. Assim, temos para homens o volume diastólico final do VE entre 34 e 74 mL/m 2 , o volume sistólico final do VE entre 11 e 31 mL/m 2 e FEVE entre 52 e 72%; para mulheres, volume diastólico final do VE entre 29 e 61 mL/m 2 , volume sistólico final do VE entre 8 e 24 mL/m 2 e FEVE entre 54 e 74%. 4 A análise 2D da FEVE pode apresentar inacurácias na vigência do encurtamento da observação do ápice do VE ( foreshortening ) ou de janela acústica inadequada, e quando coexistem alterações geométricas não determinadas nos cortes 4 e 2 câmaras do VE. 4 A análise da contratilidade segmentar do VE pela ecocardiografia 2D representa uma técnica semiquantitativa de avaliação da função sistólica regional que tem demonstrado boa aplicação na prática clínica, sobretudo para a ecocardiografia sob estresse (cáculo do índice de motilidade parietal, que integra a análise do espessamento da parede ventricular e da contratilidade dos segmentos ventriculares). O Doppler tecidual, técnica consagrada na análise da função diastólica, pode também ser empregado para a avaliação da função sistólica global e segmentar do VE. A velocidade sistólica do miocárdio ventricular (onda s), quando medida na região do anel valvar mitral, reflete o encurtamento sistólico miocárdico longitudinal e pode se mostrar reduzida precocemente em pacientes com disfunção diastólica e fração de ejeção normal. 5 Esse método pode também ser útil para a análise de sincronia ventricular e como complementar em ecocardiografia sob estresse, embora não permita a avaliação adequada da função sistólica nos segmentos apicais do VE e dependa do ângulo de incidência do feixe de ultrassom. A ecocardiografia 3D representou um avanço em relação à observação ecocardiográfica 2D da função do VE porque não apresenta as limitações da análise 2D em ventrículos com geometria alterada, além de ser mais reprodutível e ter melhor correlação com o padrão-ouro proporcionado pela ressonância magnética nuclear. 4,6-11 Algoritmos mais recentes permitem o cálculo da FEVE e dos volumes do VE de forma semiautomática, com grande correspondência com a análise realizada pela ressonância magnética nuclear. 12 Entretanto, a ecocardiografia 3D apresenta dificuldades em relação à baixa resolução temporal e à dependência da qualidade da imagem ecocardiográfica transtorácica. 4 O entendimento e a análise da mecânica e da função sistólica do VE podem também ser determinados pela aferição da deformação ( strain ) ventricular. Define-se strain como a modificação do comprimento do segmento miocárdico (em %), levando-se em consideração as diferentes disposições espaciais das fibras miocárdicas. Dessa forma, calcula-se o strain longitudinal, circunferencial e radial (para as respectivas fibras miocárdicas longitudinais, circunferenciais e radiais). O strain pode ser calculado para cada um dos segmentos do VE ou para o conjunto de todos os segmentos ( strain global do VE). 13,14 A análise da mecânica cardíaca pode ser realizada a partir de parâmetros derivados da deformação miocárdica, como o giro ( twist ), a torção e a rotação do VE. Para a obtenção do strain ventricular, a técnica atualmente mais empregada 139

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