ABC | Volume 113, Nº1, Julho 2019

Relato de Caso Vasoespasmo durante o Esforço: Novos Insights Fisiopatológicos Vasospasm during Exertion: New Pathophysiological Insights Gonzalo Navarrete , Eduardo Pozo, Fernando Rivero, Teresa Bastante, Luis Jesús Jiménez-Borreguero, Fernando Alfonso Hospital Universitario La Princesa. Madrid, Madri – Espanha Correspondência: Fernando Alfonso • C/ Diego de León 62, 28006, Madri – Espanha E-mail: falf@hotmail.com Artigo recebido em 25/10/2017, revisado em 02/10/2018, aceito em 02/10/2018 Palavras-chave Vaso Espasmo Coronário/fisiopatologia; Vasos Coronários; Isquemia Miocárdica; Angiografia Coronária; Eletrocardiografia; Ecocardiografia. DOI: 10.5935/abc.20190090 Paciente do sexo masculino, 69 anos de idade, hipertenso, dislipidêmico e sem doença cardiovascular prévia, apresentou elevação transitória do segmento ST na eletrocardiografia (ECG) durante ureteroscopia. O paciente permaneceu assintomático durante o período pós-operatório, mencionando episódios esporádicos de dor torácica aos esforços nos últimos anos, sem progressão ou eventos durante o repouso. Dada a ausência de registros eletrocardiográficos, foi indicada a realização de ecocardiografia sob estresse. O exame foi positivo para isquemia induzida, tanto em aspectos clínicos como ecocardiográficos, com hipocinesia do segmento ântero‑apical e medial da parede no pico do exercício, sem alterações eletrocardiográficas. Com a confirmação de isquemia na artéria coronária descendente anterior esquerda (DAE), realizou-se uma angiografia coronária, que mostrou somente uma lesão leve na DAE. No entanto, observou-se uma lesão grave na porção proximal da artéria coronária direita (ACD) (Figuras 1A e 1B), tratada com implante de suporte vascular ( scaffold ) bioabsorvível (Figura 1C), apesar de ausência de isquemia induzida nessa região pela ECG. O paciente teve alta com terapia antiplaquetária dupla, betabloqueadores e estatinas, e se manteve assintomático sem novos episódios de dor torácica. Seis meses depois, durante outra ureteroscopia, observou-se novo episódio de elevação transitória do segmento ST na ECG. Na ocasião, realizou-se um teste de esforço na esteira rolante, que revelou elevação transitória do segmento ST nas derivações V1-V4 (Figura 2A). Uma segunda angiografia coronária demonstrou bom resultado do stent previamente implantando na ACD e leve presença de placas na DAE. Devido às alterações eletrocardiográficas prévias nas derivações direitas, realizou-se uma análise com fio de pressão, que descartou importância funcional dessa lesão (iFR 0,88; FFR 0,87 com adenosina 600 ug) (Figura 2B). Devido à discordância entre os resultados da ECG, ecocardiografia e angiografia, realizou-se uma avaliação por indução de vasoespasmo com administração intracoronária de maleato de metilergometrina (20 mcg). O resultado do teste foi positivo, com angina e redução significativa no diâmetro da DAE (com até 90% de estenose) (Figura 2C) e concomitante valor Pd/Pa (pressão distal/pressão proximal de aorta) de 0,60 (Figura 2D). Finalmente, o paciente pôde receber alta com tratamento com nitratos e bloqueadores de canais de cálcio, permanecendo assintomático por um ano de acompanhamento. Um ecocardiograma sob estresse físico foi negativo para isquemia induzida, e ureteroscopias repetidas não mostraram alterações. O espasmo coronário (EC), representação clínica da angina variante ou angina de Prinzmetal, 1 é causado por uma vasoconstrição intensa e repentina de uma artéria coronária epicárdica, que pode aparecer tanto no local da estenose como nas artérias coronárias normais na angiografia. O EC durante esforço é uma apresentação atípica dessa entidade clínica, e foi primeiramente descrito por Cheng et al. em 1973 como uma “variante da variante”. 2 A fisiopatologia do EC durante o exercício não foi totalmente elucidado. No entanto, está bem estabelecido que o exercício pode induzir CE em pacientes com angina variante, conforme demonstrado em pequenos grupos de pacientes submetidos a exercício de bicicleta na posição supina sobre mesa de cateterismo cardíaco. 3 Elevação no segmento ST induzida por ecocardiograma com estresse, com grande discordância entre achados ecocardiográficos e angiográficos, é uma rara condição que pode ser resultante de um EC grave. No entanto, em nosso conhecimento, a presença de anormalidades ecocardiográficas reveladas durante ecocardiograma com exercício em pacientes com angina variante não foi previamente descrito. Ainda, não existe nenhuma evidência prévia do valor potencial da avaliação fisiológica da gravidade da lesão, com quantificação da FFR e iFR com fio de pressão durante indução do EC. A avaliação fisiológica das mudanças dinâmicas detectadas na Pd/Pa imediatamente após a injeção de metilergometrina pode ser de valor clínico potencial neste complexo cenário clínico. O presente caso representa uma apresentação atípica de angina variante em um paciente com doença arterial coronariana. Nossa hipótese é que, a hiperventilação, tanto durante o exercício como durante a anestesia, possa atuar como um estímulo desencadeador do EC. Nessas situações, a isquemia foi satisfatoriamente demonstrada tanto por métodos diagnósticos invasivos (ecocardiograma com estresse físico) como por métodos não invasivos (administração de metilergometrina). O teste provocativo de espasmo continua ser um instrumento clinicamente útil para o diagnóstico de angina vasoespástica, validado em estudos prévios com sensibilidade ≥ 90% e especificidade ≥ 97%. 4 Em resumo, nossos achados ilustram a possibilidade de EC mesmo em pacientes com doença arterial coronariana importante e dor torácica ao esforço. Outras informações diagnósticas são de grande importância clínica quando houver discordância entre achados eletrocardiográficos, ecocardiográficos e angiográficos. 106

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