ABC | Volume 113, Nº1, Julho 2019

Ponto de Vista Luz Telemedicina e a relação médico–paciente Arq Bras Cardiol. 2019; 113(1):100-102 dos pacientes e doenças (chamados “alvos”), intensidade da intervenção, perspectivas e engajamento dos pacientes, educação, cuidadores, modelo organizacional e questões éticas e econômicas. Em primeiro lugar, nenhum dos estudos analisou todos os fatores; 44% focalizaram nos “alvos” e 24% na intensidade da intervenção; 16% analisaram a perspectiva dos pacientes. Por outro lado, questões como localização, questões éticas, engajamento dos pacientes ou perspectivas dos cuidadores foram os itens menos abordados. A conclusão principal dos investigadores foi de que ainda não existem dados concretos e suficientes sobre os múltiplos fatores que influenciam a eficiência da TM, e que mais estudos são necessários para preencher as lacunas de conhecimento nesta área. A grande discussão é a relação médico–paciente diante da TM. Tradicionalmente, a medicina se baseou na relação individual entre médico e paciente. 4 Essa relação sofre múltiplas influências, inclusive culturais. No Brasil, as pessoas são muito afetivas, muito ciosas de seus relacionamentos familiares e de suas amizades. Essa afetividade se estende ao médico, o que nos torna todos mais sensíveis. Já na cultura anglo-saxã os relacionamentos pessoais sãomais distantes, mais “frios”. Na prática, isso significa que o brasileiro gosta de ter o “seu médico”, e não ser tratado por alguém desconhecido. A confiança do paciente no seu médico não é adquirida num átimo, mas sim na convivência prolongada, sobretudo em situações de risco. Os pacientes são ciosos, e com toda razão, da sua privacidade; ninguém vai falar de impotência sexual, problemas de relacionamentos com cônjuges, filhos ou familiares para um aparelho que pode gravar a conversa. Igualmente não se espera que um empresário informe que seu estresse se origina de negócios que vão mal; se isso for divulgado, a situação só vai piorar. Como é possível transmitir carinho, compreensão, comprometimento, compaixão, calor humano sem olhar nos olhos do paciente? Outro ponto significativo é a linguagem corporal. É bem conhecida dos psicólogos que, aproximadamente, 80% das mensagens que uma pessoa passa a outrem não é verbal; 5 é por meio da postura corporal, entonação da voz, do modo como a pessoa olha, como mexe as mãos e os braços, como se senta, se sorri ou não, e se o sorriso é espontâneo ou forçado. Em suma, há livros inteiros dedicados a esse tema. 6 Aliás, quando o tribunal do júri se reúne para julgar delitos importantes, as testemunhas e os réus são pessoalmente ouvidas. É justamente para que os jurados possam avaliar a autenticidade dos relatos. O contato médico–paciente tem significado semelhante. Tanto o médico avalia o paciente quanto o paciente avalia o médico. É questionável se uma – tele-imagem pode substituir esse contato pessoal com a mesma precisão. Numa visão mais geral, como se pode saber se o médico que está do outro lado da linha tem autoridade para opinar sobre aquele caso? Inúmeras vezes pacientes procuram a opinião de médicos renomados, mesmo após terem passado por várias consultas. Isso só enfatiza um dos princípios básicos em que se baseia a medicina: confiança. Além disso, será que a TM diminui o erro médico? Segundo J. Groopman 7 – os médicos erram em média em 15% dos casos. O número é alto! Não se sabe o impacto que TM terá sobre isso; não existem dados. Outro aspecto fundamental é a remuneração – não existem critérios estabelecidos; o que deve sermotivo de ampla discussão, visto que há vários pontos a serem considerados, como SUS, planos de saúde e pacientes privados. Neste particular, entidades médicas diversas e provedores deverão participar. Outro ponto a considerar é quem/quais entidades devem estabelecer as regras do exercício da TM. Normalmente, o Conselho Federal de Medicina (CFM), sociedades médicas diversas, faculdades de medicina e representantes dos pacientes devem ser ouvidos. Aliás, até agora pacientes têm sido sistematicamente excluídos de discussões semelhantes, e isso precisa ser corrigido. Afinal, pacientes são o objetivo das ações médicas, correm os riscos e pagam pelo atendimento. Aliás, é crítico – no caso de TM, como em todos processos médicos, o paciente precisa concordar explicitamente com o processo, pois envolve potenciais assuntos de privacidade e sigilo. Nesse sentido, os direitos dos pacientes quanto à privacidade, alternativas, possíveis riscos e benefícios, devem ser preservados. Como visto anteriormente, nem sempre o paciente aceita uma nova tecnologia como a TM e é necessário ficar claro que ele tem liberdade de escolha. Como então devemos nos posicionar quanto à prática médica atual? Conceitualmente, é claro que a TM veio para ficar. A questão a ser considerada é que se trata de adaptá-la à prática médica. Assim, penso que: a) A primeira consulta deve ser presencial e não se pode eliminar anamnese e exame físico, – ou seja, indispensável para o diagnóstico e o encaminhamento do caso; reavaliações periódicas também são necessárias. b) Por outro lado, a TM poderá ser útil em várias circunstâncias, como as citadas a seguir: b.1. na reavaliação e monitorização de pacientes já conhecidos, para ajustar medicações, responder perguntas simples, verificar aderência e outros. b.2. para informar sobre exames complementares, especialmente quando são normais. O paciente não precisa voltar ao consultório apenas para saber que está tudo bem, deve levar vida normal e ser reavaliado dentro de um ano. b.3. pacientes em regiões remotas, onde não existem recursos médicos; tais pessoas podem receber orientação geral como em casos de diarreia, fraturas, parto, traumas e outras situações corriqueiras. A orientação geral ficará a critério do médico central. b.4. para evitar comparecimentos desnecessários aos hospitais, como para saber resultados de exames simples, como tempo de protrombina, emcujo caso a orientação médica pode ser feita à distância, com segurança, e poupando tempo e desconforto, alémde reduzir custos. b.5. para orientar a escolha de especialista para casos específicos. b.6. para reduzir tempo de internação: é perfeitamente possível desde que o paciente seja monitorado após a alta hospitalar. b.7. em casos nos quais a espera por consulta é longa, como no SUS, o acompanhamento por TM pode facilitar, ou redirecionar o caso. 101

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=