ABC | Volume 112, Nº6, Junho 2019

Artigo Original Rajão et al Disfunção tireoidiana subclínica e arritmias Arq Bras Cardiol. 2019; 112(6):758-766 Introdução As disfunções tireoidianas subclínicas (DTS), que incluem hipotireoidismo subclínico (HipoTS) e hipertireoidismo subclínico (HiperTS), são caracterizadas por uma elevação ou supressão do hormônio estimulante da tireoide (TSH), sem alterações clínicas ou anormalidades nos níveis dos hormônios tireoidianos. 1 O diagnóstico de DTS tem aumentado com a disseminação de exames de TSH ultrassensíveis; no entanto, as repercussões clínicas das DTS e os benefícios associados à detecção de disfunções tireoidianas ainda são objeto de debate científico, sendo necessárias novas pesquisas. A prevalência de HiperTS varia de 1% a 16% em grandes estudos de base populacional, enquanto a de HipoTS varia de 4% a 20%. 1,2 Essas taxas de prevalência podem variar de acordo com o sexo, a idade, o grau de suficiência de iodo e os valores de referência de TSH adotados em cada estudo. 3 No Brasil, estudos populacionais mostraram taxas de prevalência de HiperTS variando entre 2,4% em adultos idosos 4 e 6,2% em nipo-brasileiros com mais de 30 anos de idade, 5 enquanto o HipoTS variou entre 6,5% em adultos idosos 4 e 12,3% em mulheres com mais de 35 anos. 6 Não há evidências consistentes da relevância clínica das DTS, particularmente com relação ao sistema cardiovascular. Embora algumas meta-análises e estudos de coorte populacional tenham indicado um maior risco cardiovascular e mortalidade associados às DTS, outros estudos 5,7 não corroboram esses resultados. 8-10 Com relação às arritmias, o HiperTS tem sido associado a um risco duas a três vezes maior de taquiarritmias, especialmente taquicardia sinusal, fibrilação atrial (FA) e flutter atrial; extra-sístoles, arritmias supraventriculares e ventriculares, 11-17 e intervalo QT (iQT) prolongado. 18 Ainda menos numerosos são os estudos que exploraram a relação entre HipoTS e arritmias cardíacas. Evidências fracas, principalmente na forma de relatos de casos, sugerem que o HipoTS pode levar a bradiarritmias, incluindo bradicardia sinusal e bloqueios atrioventriculares, arritmias atriais, intervalo QT prolongado e arritmias ventriculares graves. 19,20 A maioria dos estudos relacionados concentrou-se em adultos idosos. O objetivo do presente estudo foi investigar se a DTS estava associada a arritmias cardíacas em uma coorte de adultos de meia-idade e idosos na linha de base do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), a maior coorte de população adulta brasileira realizada até o momento. Métodos População do estudo A presente investigação é um subprojeto do ELSA-Brasil, no qual a coorte de base compreendia 15.105 funcionários públicos com idades entre 35 e 74 anos, de seis cidades brasileiras, inscritos entre agosto de 2008 e dezembro de 2010. A maioria dos participantes eram adultos jovens (78% com menos de 60 anos), sendo 54% do sexo feminino. O protocolo do ELSA-Brasil segue as diretrizes éticas da Declaração de Helsinki de 1975, e foi aprovado pelos comitês de ética em pesquisa de todos os seis centros. Todos os participantes forneceram um consentimento informado escrito. 21 Os participantes eram excluídos se estivessem usando medicações que pudessem interferir nas análises laboratoriais de TSH ou tiroxina livre (T4L) (levodopa, carbidopa, metoclopramida, haloperidol, ácido valpróico, propranolol, heparina, prazosina, rifampicina, carbamazepina, primidona, fenitoína e furosemida). 22 Participantes com alterações séricas de TSH e T4L, indicando disfunção tireoidiana clínica, incluindo aqueles que apresentavam níveis normais de T4L sérico e TSH > 20 μU/mL, ou se estivessem utilizando levotiroxina ou antitireoidianos (tiamazol ou propiltiouracil), foram excluídos. Todos os participantes que não apresentavam critérios de exclusão foram incluídos. Protocolo do estudo Entrevistas padronizadas foram realizadas com os participantes em seus locais de trabalho e no centro de pesquisa. Exames clínicos e laboratoriais foram realizados conforme protocolos padronizados desenvolvidos para o estudo. Os participantes foram instruídos a apresentar todas as prescrições médicas e medicamentos que haviam utilizado no mês anterior. 21 A cor da pele foi autodeclarada. Os parâmetros antropométricos, incluindo altura e peso, foram medidos por meio de técnicas e materiais padronizados. A frequência cardíaca de repouso (FCRep) e a pressão arterial (PA) foram medidas três vezes, sendo os valores médios da segunda e terceira medição considerados para análise. 23 Eletrocardiogramas (ECGs) de repouso de 12 derivações padrão foram registrados e analisados segundo os critérios do código de Minnesota, 24 utilizando um dispositivo digital (Atria 6100, Burdick, Cardiac Science Corporation, Bothel, WA, EUA) com leituras automatizadas de FC; duração, amplitude e eixos das ondas P, QRS e T; intervalos QT e QTc (correção de Bazett). Os traçados de ECG foram analisados no Centro de Leitura de ECG do ELSA-Brasil em Minas Gerais. No total, 11.795 ECGs foram disponibilizados para análise. Amostras de sangue foram coletadas após jejum de uma noite. Os participantes eram instruídos a reagendar sua consulta no centro de pesquisa caso apresentassem febre ou desenvolvessem sintomas de doenças agudas. Todas as análises laboratoriais foram centralizadas em um único centro de pesquisa (Universidade de São Paulo). 25 A qualidade e o gerenciamento da coleta e armazenamento de dados foram assegurados por meio de treinamentos, certificações e renovação de certificações dos entrevistadores e técnicos responsáveis pelos exames clínicos e testes laboratoriais do protocolo do estudo. 21 Os métodos, reagentes e equipamentos utilizados nos testes realizados no laboratório central foram os seguintes: 1) TSH: técnica imunoenzimática commicroesferas, Siemens L2KTS2, sensibilidade analítica de 0,004 mU/L, realizada para todos os participantes; 2) T4L: técnica imunoenzimática com microesferas, sensibilidade analítica de 0,3 ng/dL, somente para pacientes com níveis anormais de TSH (os testes de TSH e T4L foram realizados com o sistema de imunoensaios Siemens IMMULITE 2000 Immunoassay System ® – Siemens Healthcare Diagnostics, Deerfield, IL, USA); 3) Colesterol total: método colorimétrico enzimático, reagente Siemens 759

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