ABC | Volume 112, Nº6, Junho 2019

Artigo Original Reuter et al Dislipidemia e fatores associados em escolares Arq Bras Cardiol. 2019; 112(6):729-736 Introdução A dislipidemia, na infância e adolescência, vem sendo objeto de diversos estudos, em virtude da sua alta prevalência em crianças e adolescentes e de se constituir como um fator preditor da aterosclerose na idade adulta. 1-3 Dados de estudo estadunidense apontam que no período de 2011–2012 aproximadamente 1 em cada 5 crianças e adolescentes entre 6 e 12 anos apresentava concentrações alteradas de lipídios no sangue. 4 Sequencialmente, estudos indicam que a ocorrência de dislipidemia no período da infância e adolescência está associada com eventos cardiovasculares 5 e com aptidão cardiorrespiratória (APCR). 6 Da mesma forma, os aspectos comportamentais, envolvendo hábitos alimentares e comportamento sedentário, com redução do gasto calórico e da prática de atividade física, bem como maior tempo de uso de televisão (TV), computadores e celulares têm sido introduzidos como importantes fatores determinantes do risco cardiovascular em crianças e adolescentes. 7 Nestas perspectivas, analisar as mudanças relacionadas a estas condições, durante a infância e adolescência, se constitui como uma estratégia capaz de reduzir a incidência de agravos e prevenir a ocorrência de doenças crônicas nos anos sequenciais da vida, 8,9 propondo assim subsídios para o desenvolvimento de programas que visem a manutenção e promoção da saúde. Visando contribuir para superação dessas lacunas, o objetivo do presente estudo foi verificar possíveis relações entre dislipidemia, fatores culturais (hábitos alimentares, TV, deslocamento para escola) e APCR em escolares. Métodos O estudo, de caráter transversal, envolveu a participação de 1.254 crianças e adolescentes (7–17 anos), sendo 686 do sexo feminino, de 19 escolas (públicas e privadas) do município de Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul. A amostra foi selecionada por conglomerados, de uma população de 20.540 escolares, da zona urbana e rural. As escolas participantes do estudo foram sorteadas no ano de 2004, início da pesquisa longitudinal “Saúde dos Escolares”, respeitando a densidade populacional de escolares do município. Nas avaliações transversais seguintes, todos os escolares, das escolas previamente sorteadas, foram convidados a participar do estudo. A amostra inicial contou com a participação de 1.949 escolares. No entanto, devido à recusa/impossibilidade de coleta sanguínea; escolar estar sem jejum prévio; não realização do teste de APCR; ou dados do questionário preenchidos de forma incompleta, foram excluídos 695 escolares. A pesquisa “Saúde dos Escolares”, da qual este estudo faz parte, foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, sob parecer número 2525/10. O estudo segue os preceitos da Declaração de Helsinki. Os pais ou responsáveis pelos escolares assinaram termo de consentimento livre e esclarecido. O cálculo do tamanho amostral foi realizado no programa G*Power 3.1 (Heinrich-Heine-Universität – Düsseldorf, Alemanha), tendo por referência a regressão logística como teste estatístico (presença versus ausência de dislipidemia como variável dependente). Considerando um poder de teste (1 − β ) = 0,95, um nível de significância de α = 0,05 e um tamanho de efeito ( odds ratio ) de 1,30, estimou-se uma amostra mínima de 988 escolares. A coleta de sangue foi realizada em jejum prévio de 12 horas. Foram utilizadas amostras de soro para a dosagem de triglicerídeos (TG), colesterol total (CT) e lipoproteínas de alta densidade (HDL-c; high density lipoprotein cholesterol ). As dosagens foram realizadas no equipamento automatizado Miura One (I.S.E., Rome, Italy). Os níveis de lipoproteínas de baixa densidade (LDL-c; low density lipoprotein cholesterol ) foram calculados pela fórmula de Friedewald, Fredrickson e Levy. 10 Foram utilizados pontos de corte internacionais para classificação do perfil lipídico. 11 Dislipidemia foi considerada na presença de pelo menos um componente do perfil lipídico alterado (casos aumentados, para TG, CT e LDL-c, e baixos para HDL-c, sem considerar casos limítrofes). Os níveis de APCR foram avaliados por meio do teste de corrida/caminhada de 12 minutos, preconizado pelo Projeto Esporte Brasil (PROESP-BR), 12 o qual consiste em percorrer, em uma pista previamente demarcada, a maior distância possível durante 12 minutos. O teste foi aplicado por pesquisadores do estudo, formados em Educação Física, auxiliados por bolsistas do curso de Educação Física, previamente capacitados. Os escolares foram instruídos a utilizarem roupa leve e tênis no dia da avaliação. Foram utilizados os pontos de corte do PROESP-BR 12 para a classificação dos dados. A avaliação dos hábitos culturais foi realizada por meio de questionário adaptado de Barros e Nahas, 13 autorreferido pelo escolar. O número de horas em frente à TV foi classificado em duas categorias: 1) até duas horas e 2) duas horas ou mais por dia. O deslocamento para a escola foi considerado ativo (a pé ou de bicicleta) ou sedentário (carro, moto ou transporte coletivo). Os hábitos alimentares foram avaliados pela frequência semanal de consumo dos seguintes alimentos: 1) doces; 2) refrigerantes; 3) salgadinhos fritos e 4) pizza/ lasanha. O consumo foi classificado em “nunca/às vezes” (nenhuma vez/uma vez por semana) e “quase sempre/sempre” (duas vezes ou mais por semana). Análise estatística A análise dos dados foi realizada no programa estatístico SPSS v. 23.0 (IBM, Armonk, EUA). Dados descritivos foram expressos em frequência absoluta e relativa. A associação entre as variáveis dependentes (dislipidemia e níveis aumentados de cada parâmetro do perfil lipídico) e os hábitos culturais foi testada pela regressão logística. Os valores foram descritos em razão de chances (OR) e intervalo de confiança (IC) para 95%. Inicialmente, foi realizada análise univariada dos dados. Após, aplicou-se análise ajustada para as varáveis que apresentaram significância. Foram considerados significantes dados com p < 0,05. Resultados Os dados descritivos encontram-senaTabela1.Observa‑seque 41,9% dos escolares apresentavam dislipidemia, sendo esta condiçãomais prevalente no sexo feminino, entre os adolescentes e nos escolares com baixos níveis de APCR (p < 0,05). 730

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