ABC | Volume 112, Nº6, Junho 2019

Artigo Original Carvalhal et al O escore GRACE modula invasividade? Arq Bras Cardiol. 2019; 112(6):721-726 Introdução O paradoxo risco-tratamento é um fenômeno comum em que, ao contrário do que se espera, pacientes com maior risco recebem tratamentomenos agressivo quando comparados com indivíduos de menor risco. 1 Uma das causas desse paradoxo é uma avaliação equivocada do risco baseada na impressão intuitiva do médico. Os modelos de risco probabilístico mostraram-se mais precisos que o julgamento intuitivo, sugerindo que o uso desses modelos teoricamente facilita a escolha do tratamento baseado no prognóstico. 2-4 No entanto, cientistas comportamentais demonstraram que o conhecimento não modula as decisões como esperado. 5 Em economia, as pessoas tendem a tomar decisões irracionais, o que não é diferente em questões relacionadas com a saúde. Por exemplo, sabe-se bem que o tabagismo ou a obesidade são fatores de risco para doenças graves, mas hábitos de fumar ou comer de maneira inadequada são comuns. Portanto, não se sabe se o uso de um escore de risco realmente modula a decisão do médico. As síndromes coronarianas agudas (SCA) sem supradesnivelamento do segmento ST apresentam um amplo espectro de riscos, e os pacientes podem ser tratados de maneira conservadora ou agressiva. 6,7 Esse é um dos principais cenários clínicos em que o paradoxo risco-tratamento foi descrito. 8 Embora o Escore GRACE seja um modelo de risco bem validado para pacientes com SCA, seu impacto real em fornecer uma abordagemmais razoável de acordo com o risco, e em sua relação com o julgamento médico, ainda não foi demonstrado. 9,10 Nosso objetivo foi testar a hipótese de que a utilização de um escore de risco racionaliza a escolha de estratégias invasivas para pacientes de alto risco com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST. Métodos Seleção de amostra Pacientes internados consecutivamente na unidade coronariana (UCC) de um hospital terciário devido a síndromes coronárias agudas sem supradesnivelamento do segmento ST foram incluídos no estudo entre agosto de 2007 e outubro de 2014. Os critérios de inclusão foram desconforto torácico típico associado a pelo menos 1 dos 3 critérios objetivos: alterações eletrocardiográficas que consistiam em depressão transitória do segmento ST (0,05 mV) ou inversão da onda T (0,1 mV); alteração da troponina para um nível acima do limite do percentil 99 de uma população de referência saudável, com coeficiente de variabilidade de 10%; 11 ou documentação prévia de doença arterial coronariana, definida como história definitiva de infarto do miocárdio ou obstrução coronariana ≥ 50% na angiografia. A escolha do paciente por não participar do Registro foi o único critério de exclusão. Todos os participantes forneceram consentimento informado por escrito. Protocolo de estudo Os pacientes incluídos foram classificados como estratégias invasivas ou seletivas de acordo com a decisão médica. A estratégia de manejo foi decidida pela equipe de cardiologia na UCC e não foi influenciada pelo protocolo do estudo. A estratégia invasiva foi definida prospectivamente pela decisão de realizar cinecoronariografia invasiva, seguida de procedimento de revascularização, se anatomicamente indicado. A estratégia seletiva foi definida como uma indicação de angiografia condicionada a um teste não invasivo positivo ou instabilidade clínica. O Escore GRACE foi utilizado para avaliação do risco basal, definido pelos tercis do estudo original (baixo risco: 1-108; risco intermediário: 109-140; alto risco: 141-372). Morte durante a hospitalização foi o desfecho de interesse. Análise estatística A fim de avaliar se o risco em momento basal influenciou a decisão do médico em relação à estratégia de manejo, o Escore GRACE foi comparado entre os grupos submetidos à estratégia invasiva versus estratégia seletiva pela estatística de Mann-Whitney. Em segundo lugar, a fim de compreender os determinantes da decisão médica, a regressão logística foi utilizada para avaliar os preditores independentes da estratégia invasiva. A seleção das variáveis para essa análise baseou-se na associação univariada com a estratégia invasiva (p < 0,10). Um escore de propensão para a estratégia invasiva foi derivado da regressão logística. Em terceiro lugar, para avaliar se a decisão médica foi corretamente impulsionada pelo prognóstico, o valor do escore de propensão para predizer morte durante a hospitalização foi testado pela estatística-C (área sob a curva ROC). A estatística-Cdo escore de propensão foi comparada com a estatística-c do Escore GRACE pelo teste de Hanley-Mcneil. A análise da normalidade foi realizada por meio da combinação de histograma e visualização de gráficos Q-Q, descrição de assimetria e curtose com intervalos de confiança e testes de normalidade (Shapiro-Wilk e Kolmogorov- Smirnov). As variáveis numéricas foram expressas por médias (desvio padrão) ou medianas (intervalo interquartílico) e comparadas pelo teste t de Student não pareado ou teste de Mann-Whitney. As variáveis categóricas foram descritas por frequência e comparadas pelo teste do qui-quadrado de Pearson, ou teste exato de Fisher. A significância estatística final foi definida por um p < 0,05. O SPSS Statistical Software (Version 21, SPSS Inc., Chicago, Illinois, USA) foi utilizado para a análise de dados. Resultados Foi estudada uma amostra de 570 pacientes consecutivos internados com SCA sem supradesnivelamento do segmento ST, com idade de 69 ± 14 anos, sendo 50% do sexo masculino. O Escore GRACE apresentou distribuição normal, com média de 118 ± 38. De acordo com a definição do GRACE, 46% dos pacientes foram definidos como de baixo risco, 30% como risco intermediário e 24% como de alto risco. O manejo por meio de uma estratégia invasiva ocorreu em 69% dos pacientes. O escore GRACE de pacientes submetidos à estratégia invasiva foi de 118 ± 38, semelhante aos pacientes tratados de maneira conservadora (116 ± 38; p = 0,64). 722

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