ABC | Volume 112, Nº6, Junho 2019

Correlação Anatomoclínica Issa e Benvenuti Infiltrado pulmonar e obliteração da ponta do ventrículo esquerdo em homem jovem Arq Bras Cardiol. 2019; 112(6):793-802 achados ausentes no presente caso. Apesar de sua etiologia ser ainda desconhecida, sugere-se que esteja associada a três condições básicas: eosinofilia e doenças parasitárias, padrões nutricionais (excesso de vitamina D, agentes tóxicos encontrados em alimentos contaminados e deficiência de magnésio foram reportados) e susceptibilidade genética. 7 Nos casos em que há associação com agentes parasitários de ciclo pulmonar, pode haver comprometimento dos pulmões com edema pulmonar não cardiogênico, pneumonite e infiltrado alveolar. 8 Uma característica marcante desta condição é a hipereosinifilia no sangue periférico, manifestação ausente no presente caso. O acomentimento cardíaco também tem sido descrito em outras síndromes hipereosinofílicas como a Síndrome de Churg-Straus (caracterizada por asma ou rinite alérgica e vasculite necrotizante). 9 No presente caso, foi considerada a possibilidade de Síndrome de Goodpasture, uma doença autoimune específica dos pulmões e rins, e caracterizada pela ocorrência de anticorpos contra a membrana basal destes órgãos. Não tem sido descrito o acometimento cardíaco nesta doença . 10 Apesar da abordagem diagnóstica e terapêutica inicial, os sintomas do paciente se intensificaram e houve nova procura a atendimento médico por acentuação da dispneia e surgimento de tosse produtiva. No exame físico persiste a taquicardia e há surgimento de crepitações pulmonares e edema discreto de pernas e pés. A radiografia de tórax bem como a primeira tomografia do tórax sugerem infiltrado alveolar. A avaliação laboratorial é notável por queda da hemoglobina, queda do sódio, elevação do BNP. Tomados em conjunto, os achados clínicos indicam que o paciente tenha entrado em quadro de insuficiência cardíaca (presença de edema de membros inferiores, surgimento de anemia - possivelmente dilucional - hiponatremia, elevação do BNP e distribuição do infiltrado em ápices e em porções posteriores dos pulmões, em associação com derrame pleural direito). Ademais, o achado de formas jovens de leucócitos em sangue periférico, de leucocitúria, hematúria e de hemogloinúria indicam a existência também de processo inflamatório e/ou infeccioso. A presença da associação de insuficiência cardíaca com sinais inflamatórios em paciente com cardiopatia de base leva‑nos a considerar a possibilidade de endocardite infecciosa. O diagnóstico de endocardite fundamenta-se na presença de cardiopatia predisponente (mais comumente uma valvopatia), achados de processo inflamatório e de bacteremia persistente; do ponto de vista clínico-morfológico, a lesão característica é de vegetação detectada pelo ecocardiograma. Apesar dos achados de cardiopatia de base e de processo inflamatório/infeccioso progressivo, não houve achado de vegetação pela ecocardiografia; ademais, o achado de Staphylococcus haemoliticus em hemocultura só tem valor diagnóstico quando recuperado em múltiplas culturas coletadas em momentos diferentes, por se tratar de agente colonizador da pele. 11 Deve-se notar, por fim, que o uso de múltiplos antibióticos pode reduzir a chance de recuperação de agentes infecciosos em hemoculturas. 12 Do ponto de vista clínico e epidemiológico, uma das principais causas de infecção e septicemia em pacientes cardiopatas é a pneumonia, cujo quadros clínico e radiológico são compatíveis com a evolução clínica do presente caso. Como houve internação hospitalar recente, é possível considerar a possibilidade de aquisição de pneumonia causada por flora bacteriana nosocomial. Neste aspecto, estudo de necropsias feitas em cardiopatas, encontrou a pneumonia como o diagnóstico infeccioso mais comumente encontrado. 13 Ademais, em estudo com 1.989 pacientes com internação hospitalar por insuficiência cardíaca, a presença de pneumonia foi fator relacionado a pior prognóstico, assim como a intensidade do processo inflamatório medida pelo nível da Proteína C em sangue periférico. 14 (Dr. Victor Sarli Issa) Hipóteses diagnósticas: Miocardiopatia restritiva, tabagismo, hipotireoidismo, insuficiência cardíaca aguda descompensada, pneumonia, disfunção múltipla de órgãos. (Dr. Victor Sarli Issa) Necropsia O coração pesou 516 g. O corte transversal dos ventrículos evidenciou acentuada hipertrofia concêntrica do miocárdio e obliteração fibrosa do ápice da cavidade ventricular esquerda (Figura 8). O processo hipertrófico predominava na porção apical, com extensa trombose organizada e em organização, que comprometia tanto a via de entrada (Figura 9) como a via de saída do ventrículo esquerdo (Figura 3), acarretando acentuada diminuição volumétrica da cavidade. Não havia hipertrofia septal obstrutiva subaórtica. Na porção basal da via de entrada a parede livre do ventrículo esquerdo mediu 2,0 cm de espessura e o septo ventricular 2,5 cm. Na porção médio-apical a parede livre do ventrículo esquerdo mediu 2,5 cm. A valva mitral apresentava cúspides e cordas tendíneas de aspecto normal, mas tinha seus músculos papilares englobados pela trombose da cavidade ventricular (Figuras 9 e 10). Estudo histológico do miocárdio revelou áreas focais de desarranjo dos cardiomiócitos e arteríolas de parede espessada no ventrículo esquerdo (Figura 11). Havia espessamento fibroso irregular do endocárdio da ponta e região médio-apical do ventrículo esquerdo, com penetração do miocárdio subjacente, além de extensa trombose organizada e em organização (Figura 12). O endocárdio junto ao miocárdio era constituído por colágeno mais frouxo, apresentando focos de neovascularização, deposição de pigmento hemosiderótico e discreto infiltrado inflamatório mononuclear, não sendo detectado eosinófilos. Os pulmões pesaram 1.134 g em conjunto e evidenciavam acentuada congestão passiva crônica, com espessamento septal e deposição de pigmento hemosiderótico, além de focos de extravasamento de fibrina para os espaços alveolares, raros trombos de fibrina em arteríolas parenquimatosas e extensa hemorragia alveolar bilateral recente. Não havia vasculite. Os rins exibiam necrose tubular aguda, não havendo lesões glomerulares, trombos ou vasculite. A tireoide pesou 8 g, exibindo extensa atrofia com substituição fibrosa do parênquima; os folículos remanescentes apresentavam tamanho variável e havia raros focos de infiltrado inflamatório linfohistiocitário. Outros achados da necropsia foram focos de esteatonecrose da gordura abdominal e necrose hepática centrolobular com colestase. (Dr. Luiz Alberto Benvenuti) 799

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