ABC | Volume 112, Nº6, Junho 2019

Correlação Anatomoclínica Issa e Benvenuti Infiltrado pulmonar e obliteração da ponta do ventrículo esquerdo em homem jovem Arq Bras Cardiol. 2019; 112(6):793-802 pulso, inicialmente ressuscitado com sucesso, contudo houve recorrência e faleceu (7 de dezembro de 2011). Aspectos clínicos Trata-se do caso de paciente jovem, masculino, fumante e portador de hipotireoidismo pós-tratamento com iodo radioativo que procurou atendimento médico por sintoma de dispneia e tosse há uma semana; estas queixas haviam sido antecedidas por dor torácica aos esforços há duas semanas. A avaliação médica no primeiro atendimento era notável pela presença de taquicardia e discreta leucocitose no hemograma. A radiografia de tórax era normal apesar do sintoma de dispneia em repouso. Curiosamente, o ECG realizado em avaliação médica de rotina há 11 meses antes do início dos sintomas, mostrava sinais sugestivos de cardiopatia, com sobrecarga de câmaras esquerdas. Se examinarmos o presente caso a partir da análise das possíveis hipóteses diagnósticas no momento do primeiro atendimento, notamos que os principais elementos clínicos nesta ocasião são: a dor torácica e a dispneia. São várias as causas de dor torácica aos esforços e dispneia em indivíduos jovens, e incluem afecções do sistema cardiovascular, bem como de outros órgãos e sistemas como o digestivo e osteomuscular. No presente caso, podem ser cotejadas como: causas não cardíacas, o pneumotórax espontâneo, a pneumonia e a embolia pulmonar. A apresentação clínica e radiológica não era compatível com as duas primeiras hipóteses; já a embolia pulmonar é hipótese compatível com a apresentação clínica inicial, especialmente se levarmos em conta a discordância entre a intensidade dos sintomas e os achados radiológicos e a presença de taquicardia persistente; em que pese o fato da embolia de pulmão ser evento raro em pacientes jovens, 1 neste caso podem ser encontrados fatores de risco, a saber, o antecedente de tabagismo, bem como a presença de possível cardiopatia (como sugerido pelo ECG realizado 11 meses antes do início dos sintomas). Houve investigação complementar para presença de embolia pulmonar com dosagem de Dímero D, e realização de angiotomografia de artérias pulmonares. Entretanto, a obtenção de valor de Dímero D inferior a 500 em associação com ausência de achados radiológicos sugestivos na angiotomografia tornam muito improvável o diagnóstico de embolia pulmonar. 2 Se tomarmos em consideração as causas cardíacas para dor torácica e dispneia em indivíduos jovens, merecem nota a miocardite e a doença coronariana não aterosclerótica. Em que pese o fato da miocardite ser capaz de promover quadro clínico compatível com o da apresentação do paciente em questão, os achados eletrocardiográficos pré‑existentes não dão maior substância a estas possibilidades. Podemos examinar o presente caso não somente a partir da análise dos sintomas que levaram o paciente ao hospital, mas também tomando em consideração o interessante achado eletrocardiográfico obtido em registro 11 meses antes do início dos sintomas; desta forma, somos levados a considerar o caso sob a perspectiva das possibilidades diagnósticas de cardiopatia assintomática em indivíduo jovem, e que podem ter como manifestação eletrocardiográfica a sobrecarga de câmaras esquerdas. Podemos cotejar a possibilidade de doenças com acometimento primário do miocárdio (miocardiopatias) bem como de doenças que determinam acometimento miocárdico secundário, como a hipertensão arterial e as valvopatias. Entretanto, a medida da pressão arterial na chegada, bem como semiologia cardíaca, não apontam para estas possibilidades. No que tange às miocardiopatias, devem ser consideradas, neste contexto fundamentalmente, as miocardiopatias de origem genético‑familiar e que podem ter como expressão fenotípica miocárdica tanto a hipertrofia (miocardiopatia hipertrófica), como a dilatação (miocardiopatia dilatada) ou restrição (miocardiopatia restritiva). Neste aspecto, são de interesse os achados morfológicos e funcionais fornecidos pelo ecocardiograma. No caso em questão, os achados em 17 de outubro de 2011 indicam discreto aumento da espessura do septo interventricular, com hipertrofia das porções médio apicais do ventrículo esquerdo determinando prejuízo de seu enchimento, mas sem determinar dilatação ventricular ou prejuízo da função sistólica. Estes achados podem ser compatíveis com a presença de miocardiopatia hipertrófica, doença genética que acomete indivíduos jovens tanto do gênero masculino como feminino; é em geral assintomática durante as primeiras décadas de vida, sendo comumente diagnosticada em exames para avaliação física de rotina. 3 São sintomas comuns a dor torácia aos esforços e a dispneia. Estudos genéticos indicam que a hipertrofia seja causada por mutações dominantes emmais de 11 genes que codificam componentes proteicos do sarcômero ou do disco Z adjacente. Dos pacientes que puderam ser genotipados com sucesso, cerca de 70% tiverammutações em dois genes: da cadeia pesada da miosina (MYH7) e da proteína C ligadora da miosina (MYBPC3); mais de 1400 mutações já foram descritas, a maioria delas restritas a grupos familiares. Em pacientes com cardiomiopatia hipertrófica a espessura da parede ventricular esquerda pode variar de intensidade, desde leve (13-15 mm) a muito intensa (> 50 mm). 4 Podem ocorrer padrões assimétricos de hipertrofia do ventrículo esquerdo, incluindo áreas não contíguas de hipertrofia. Embora o espessamento difuso da parede ventricular esquerda seja evidente em cerca de 50% dos pacientes, uma minoria (10-20%) pode apresentar hipertrofia confinada a pequenas porções do ventrículo esquerdo. 5 Além disso, pacientes com cardiomiopatia hipertrófica podem ter padrões incomuns de hipertrofia (por exemplo, hipertrofia apical), o que está associado com inversão gigante da onda T no ECG e é tipicamente causado por mutações sarcoméricas. 6 Outra possibilidade a ser considerada - especialmente se tomarmos em conta a sobrecarga ventricular pouco exuberante no ECG, a presença de obliteração apical, a ausência de hipertrofia superior a 14mm pelo ecocardiograma e a presença de dilatação atrial – é a de endomiocardiofibrose. Doença cardíaca de etiologia incerta, tem como característica morfológica marcante a obliteração dos ápices dos ventrículos, prejuízo do enchimento ventricular e grande dilatação dos átrios. Entretanto, sua apresentação clínica costuma ser de doença crônica, com sinais de insuficiência cardíaca predominantemente direita e grande dilatação dos átrios, frequentemente com trombos intracavitários, 798

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